Convencionou-se a data
de 24 de junho de 1717 como o marco de partida da moderna Maçonaria
Especulativa. Sabemos hoje que nesse dia ocorreu a formalização da Grande Loja
de Londres, em sessão ocorrida na taberna Goose and Gridiron, sendo essa
formalização decorrente de trabalhos e contactos preparatórios entre quatro das
Lojas então existentes na região de Londres e Westminter. O marco faz sentido,
pois a criação da Premier Grand Lodge marcou a assinalável expansão
da Maçonaria, primeiro no Reino Unido e rapidamente em toda a Europa e no resto
do mundo.
Esta moderna Maçonaria
Especulativa evoluiu a partir da então decadente estrutura de oficinas
operativas que enfrentavam o espetro da obsolescência, em face da evolução das
técnicas de construção e da própria sociedade.
Do velho e caduco fez-se
novo, pujante e diferente. A Maçonaria Especulativa deu corpo, estrutura de
enquadramento e divulgação e meios à ideologia racionalista, iluminista,
experimentalista, que se afirmava em substituição do conhecimento escolástico
herdado da Idade Média e apenas abanado pelo Renascimento. Constituiu também o
cadinho de desenvolvimento da harmonização entre a Ciência e a Crença, entre a
Razão e o Espírito, entre a Dedução e a Intuição.
A Maçonaria Especulativa
é um dos elementos de derrube do Antigo Regime ideológico vigente na
Europa, resultante de séculos de prevalência do Poder Eclesiástico sobre o
Poder político, de organização política e social estratificada em classes
estanques que inviabilizavam ou dificultavam a mobilidade social, assente na
prevalência dos ditames religiosos sobre tudo o resto.
Os 300 anos desde então
decorridos mostraram que a evolução em que se inseriu a Maçonaria especulativa,
a ideologia que cultivou e divulgou e defende correspondeu à necessidade de
evolução das sociedades. Da sociedade estratificada feudal ou pós-feudal então
existente, evoluiu-se para novas formas de governo (Monarquias constitucionais
e Repúblicas substituindo o Absolutismo, universalização dos princípios da
separação de poderes e do exercício da soberania em representação do Povo,
entendido como o conjunto englobando todos os cidadãos insertos numa dada
unidade política), para novas e ainda em evolução formas de produção e
distribuição econômicas (Liberalismo, Capitalismo, Está-Providência,
Desregulamentação, Globalização, etc.), para novas e cada vez mais
avançadas e complexas formas de aquisição e divulgação do Saber, em todos os
campos da Ciência.
A evolução da Ciência
criou em muitas mentes, num primeiro (mas longo…) momento, o entendimento da
existência de oposição entre a Ciência, o Conhecimento Científico, o Saber de
experiência feito e a Religião, a Crença, o Espiritual. Para esse entendimento,
o inevitável avanço da Ciência necessariamente constituiria o recuo, o
declínio, a extinção da Religião.
Neste aspeto, a
Maçonaria atravessou toda a recente evolução humana, social e científica com
outra postura ideológica, a da Harmonização final da Ciência e da Religião, do
Saber e da Crença. A dicotomia, a diferença, a aparente oposição entre Ciência
e Religião resultam muito mais do que (ainda) o Homem não sabe do que daquilo
que já aprendeu! Claro que o avanço da Ciência expõe os erros existentes em
muitas crenças.
Evidentemente que a
Ciência expõe, à medida que avança, os limites da Crença e obrigam a repensar
ditames religiosos. Mas também existem limites à Ciência, à capacidade humana
de tudo desvendar, de tudo revelar, de tudo aprender – e esses limites são
expostos pela Religião, pela Crença!
Há trezentos anos, as
sociedades européias laboriosamente percorriam o caminho de saída da concepção
dogmático-religiosa do mundo. Hoje exploram as fronteiras do Conhecimento,
buscando o horizonte para lá do horizonte, cada geração desvendando mistérios e
aprofundando conhecimento como a geração dos seus pais não tomava por possível
e a dos seus avós nem sequer imaginava.
A Ciência investiga o
palpável, o concreto, o material. O espiritual, o intangível não é (ainda?) o
seu campo. No entanto, cada vez mais cientistas vão adquirindo a noção de que
esse intangível existe. Só que não (ainda?) acessível segundo os meios da
Ciência.
Quanto às diversas
crenças, vão evoluindo, também laboriosamente, muitas delas a contragosto, em
função do que o Homem vai conhecendo.
A Maçonaria, que tem
como um dos seus princípios ideológicos a compatibilização da Ciência e da
Religião, deve, em cada momento, procurar efetuar essa harmonização. A Ciência
avança, mas continua a ter limites que não consegue (ainda?) ultrapassar. As
Crenças devem reconhecer e integrar o Conhecimento que os avanços da Ciência
proporcionam, revendo as suas proposições em função disso.
No entanto, a Maçonaria,
ao longo dos últimos trezentos anos, não se limitou à busca da preservação dos
meios e caminhos e vontades de compatibilização entre a Ciência e a Religião.
No domínio da organização das sociedades abraçou e divulgou os princípios da
Liberdade e da Igualdade. Muitos dos seus obreiros lutaram para fazer vingar
nas suas sociedades esses princípios.
Desde o parlamentarismo
europeu ao presidencialismo americano, desde a implantação de sistemas
políticos favorecendo o bipartidarismo ao favorecimento de regimes
privilegiando o multipartidarismo. Desde a opção pelo Regime Monárquico
Constitucional até a preferência pelo Regime Republicano, em todas as latitudes
a Maçonaria e os seus obreiros expressaram-se em favor da Liberdade e da Igualdade
e defenderam o princípio da Separação de Poderes como meio indispensável para
concretizá-las.
Hoje, trezentos anos
passados, temos a ilusão de que a Liberdade e a Igualdade, de que a Separação
de Poderes, enfim, a Democracia estão implantadas e são irreversíveis. Continua
a competir à Maçonaria alertar para o fato de que, em matéria de organização
social nada é nunca definitivo e tudo tem, em cada momento, de ser defendido. A
Liberdade, a Igualdade, a Separação de Poderes, a Democracia, estão hoje
implantadas nos países desenvolvidos socialmente, mas cumpre alertar e
providenciar para a sua defesa, para que não se perca o que a muitos custou
muito sangue a obter.
Mas a Maçonaria não
confunde, não pode nem deve confundir a defesa destes princípios essenciais com
as formas de concretizá-los e aplicar. No respeito por estes princípios
essenciais há uma variada panóplia de regimes, de opções, de formas de
organização e gestão dos Estados e do Poder político que só aos respectivos
povos e estruturas de decisão dizem respeito.
Aí, a Maçonaria não se
deve imiscuir. É campo, não já dos princípios essenciais, mas da Política, que,
sendo nobre, implica escolhas entre várias hipóteses admissíveis no plano dos
Princípios essenciais. Deve a Maçonaria resguardar-se e não se imiscuir – até
porque, legitimamente, o normal é que haja maçons defensores das várias
hipóteses possíveis.
Sem se imiscuir no plano
das escolhas políticas concretas, deve a Maçonaria sempre defender, divulgar,
apoiar, praticar e exigir que se pratiquem os princípios essenciais da
Liberdade, da Igualdade, da Separação de Poderes, em suma, da Democracia. Este
foi um profícuo campo de atuação da Maçonaria nos últimos trezentos anos.
Deverá continuar a sê-lo nos próximos trezentos.
A Maçonaria, ela própria, dentro de uma matriz essencial evoluiu com assinaláveis diferenças em diferentes áreas geográficas e em diferentes épocas. No Reino Unido, cedo se afirmou integrante das instituições sociais, integrando-se harmoniosamente no establishment. Em França veio a adquirir uma conotação mais social, política, revolucionária até.
Nos dias de hoje, ambos
os ramos da Maçonaria assumem em França um papel mais interventivo na coisa
pública do que na maior parte das outras zonas do globo. Nos Estados Unidos, a
vertente filantrópica da Maçonaria assumiu uma importância notável, essencial e
certamente diferenciadora em relação a outras paragens.
Após as I e II Guerras
Mundiais, a Maçonaria viu crescer enormemente o número dos seus obreiros. Os
soldados que sobreviveram aos conflitos, desmobilizados, encontraram na
Maçonaria a camaradagem, o espírito de fraternidade que os ampararam nas
trincheiras e nas duras batalhas na Europa, no Norte de África e no Pacífico.
Toda uma geração se reviu na Maçonaria e nos seus princípios.
Atenuada a memória
desses conflitos, as gerações seguintes não se reviram com a mesma intensidade
na Fraternidade que unira os seus pais e avós e, nos mesmos espaços onde a
Maçonaria vira duplicar, triplicar e quadruplicar os seus obreiros começou a
definhar. Noutras paragens, porém, a Maçonaria expandia-se.
Qualquer observador
minimamente informado repara nas diferenças de estilo e de atuação que existem
dentro da realidade global e essencialmente semelhante que é a Maçonaria.
Qualquer interessado anota a flutuação de número de obreiros da Maçonaria ao
longo dos tempos e nas diferentes latitudes.
Estas variações e
flutuações têm a ver com a natureza de instituição social que a Maçonaria
adquiriu e com a importância que, enquanto instituição, as várias e sucessivas
sociedades nela vão reconhecendo. Sempre existiram e sempre existirão e terão
mais a ver com as mudanças e condições sociais do que com a Maçonaria ela
própria.
A natureza essencial da
Maçonaria é, no entanto, a mesma em todas as latitudes e em todas as épocas.
Coloca em confronto o Homem consigo mesmo. O Homem com a Ética. O Homem com a
noção da Perfeição, sua inatingibilidade, mas a compulsão humana para
procurá-la.
O Homem com o
Transcendente. Nesse confronto, o maçom procura, antes de mais, conhecer-se,
como base indispensável para determinar o que e como tem de melhorar. Procura,
sempre, aperfeiçoar-se. Em matéria de conhecimento, mas, sobretudo em termos
éticos. Anseia superar-se. Como pessoa, como homem de família, como ser social,
como profissional.
Em termos morais e
espirituais. Mesmo sabendo que lhe é impossível atingir a Perfeição, busca
aproximar-se dela tanto quanto lhe for possível. Porque assim a sua natureza o
compele a proceder, na perspectiva do encontro e do diálogo com o
Transcendente. Encontro e diálogo nos quais a valia da vida de cada um se apura
em face da concretização de cada um do potencial que imanentemente lhe foi
outorgado.
Este confronto essencial
do Homem não é novo. Já o Oráculo de Delfos ordenava Conhece-te a ti
mesmo. Inúmeras correntes místicas e escolas religiosas nasceram em torno dele.
O que de diferente ele assume na Maçonaria é o particular método de
concretizá-lo. Já não em retiro de eremita ou seguindo diretrizes de líder
espiritual. Mas cada um, como entidade própria, digno, igual a todos os demais,
livre, inserido no seio de iguais.
Cada um trilhando o seu
caminho, sem julgar os trilhos dos demais. Cada um pondo em comum o que aprende
o que conquista o que descobre, mas também aquilo em que falhou a dificuldade
com que deparou o obstáculo que tem de transpor. Cada um beneficiando do que os
demais em comum, como ele, põem. E, agora sim, ajuizando do confronto da sua
experiência com as dos demais, o melhor trilho a seguir, o próximo passo a dar,
a patamar a atingir. Cada um navegando o seu próprio caminho, mas todos
bolinando à vista uns dos outros.
Este método de ser único
no meio da comunidade, de partilhar a sua individualidade com os demais da
comunidade e de recolher em seu benefício o que de útil para si encontra nas
partilhas dos demais, esse, sim, é próprio e essencial da Maçonaria. Esta é a
essência que, em todas as latitudes, com todas as diferenças, a Maçonaria e
cada maçom deve preservar.
Esta a essência que vem
de há trezentos anos e que informou os maçons em cada tempo e em cada lugar
segundo as necessidades do maçom, do tempo e do lugar. Tempos houve em que o
preciso foi adquirir e treinar o conhecimento científico e deixar para trás a
escolástica dos tempos medievais. Tempos houve em que o indispensável foi
garantir a Liberdade, a Igualdade, a Separação de Poderes, a Democracia. Tempos
houve em que o necessário foi curar profundas feridas de sobreviventes de
inimagináveis horrores, manter acesa a chama da Fraternidade e apaziguar
consciências com a prática da Filantropia. Tempos houve em que foi possível
estudar em conjunto, especular por si e em grupo, aprender, experimentar,
tentear, buscar o melhor Ser que há em si, sem atenção ao Ter de cada um.
Tempos houve para tudo isso. Tempo é de tudo isso. Tempos haverá para tudo
isso.
Os tempos e as
sociedades mudam. Os maçons não se reúnem já nas tabernas como há trezentos
anos. Hoje comunicam entre si e com as sociedades em que se inserem utilizando
as Tecnologias de Informação que o engenho humano concebeu e agora
disponibiliza. Desengane-se quem pensar que essas circunstâncias exteriores
obrigam à mudança da Maçonaria. Desiluda-se quem pretender que a Maçonaria mude
o seu rumo em face de críticas, aceitações, reservas ou discordâncias. A
identidade da Maçonaria não muda – ou transformar-se-ia em outra coisa
diferente, apenas porventura usando o mesmo nome…
Desde há trezentos anos
que a essência da Maçonaria é o nobre confronto do Homem consigo mesmo,
buscando a maior aproximação possível à inatingível Perfeição, em face do
Transcendente, confronto esse levado a cabo por cada um no seio de um grupo com
que partilha avanços e recuos, vitórias e desaires, e beneficiando das
partilhas dos demais.
Isto é a Maçonaria –
desde há trezentos anos. Isto será a Maçonaria – nos próximos trezentos anos, e
mais!
Rui Bandeira