Em Maçonaria, o
conceito de Tolerância não inclui qualquer noção de superioridade do tolerante
perante o tolerado. Isto é, não se tolera a opinião ou a crença do outro porque
somos boas pessoas e achamos que, devemos fazê-lo, apesar de entendermos que
nós é que estamos certos e o outro é que está errado, fazendo-lhe o favor de
aceitar que ele tenha opinião errada.
O conceito maçônico de
Tolerância existe como corolário do princípio da Igualdade, basilar entre os
maçons. Deve-se tolerar e tolera-se a opinião diferente ou divergente do outro,
porque, como iguais que somos, cada um tem o direito a ter a sua opinião, como
muito bem entenda tê-la.
E tolera-se e deve
tolerar-se a opinião diferente e divergente do outro em relação à nossa, porque
não devemos ter a sobranceria de achar que nós é que somos os iluminados,
tocadas pela graça divina de estarmos sempre certos.
Quando o nosso igual
tem uma opinião diferente ou divergente da nossa, quatro hipóteses podem
existir: ou o outro está errado e nós certos, ou somos nós que estamos errados
e é o outro quem está certo, ou afinal estamos ambos errados e é outra qualquer
posição que está certa, ou até podemos ambos estar certos, só que em planos,
tempos ou condições diferentes.
A Tolerância não é um
favor, uma concessão ou uma generosidade. A Tolerância é a simples consequência
de se reconhecer que a perfeição humana não existe e, portanto, de admitir
como um fato da vida que todos e cada um de nós temos os nossos defeitos, as
nossas imperfeições, os nossos acertos e os nossos erros e é, por conseguinte,
até mais do que imperativo ético, um ato de inteligência tolerar o
outro com os seus defeitos, imperfeições e erros, pois só assim podemos esperar
que os nossos sejam, por sua vez, tolerados.
Situações que por
vezes são apresentadas como de Tolerância nada têm a ver com a mesma: a
"tolerância" do branco em relação ao negro (ou vice-versa) não é mais
do que racismo comprometido; a do homem para com a mulher (ou vice-versa), não
passa de machismo (ou feminismo) mentecapto; a do cristão para com o judeu ou o
muçulmano, ou do judeu para com o muçulmano ou o cristão ou a do muçulmano para
com o cristão ou o judeu, mais não significam do que a tentativa de ocultar
sectarismo religioso; a do rico em relação ao pobre apenas disfarça o
sentimento de culpa pela sorte do conforto material ou desejo de continuar a
explorar o deserdado. Porque o branco e o negro são ambos humanos e ambos têm
carne e ossos e sangue vermelho e coração e cérebro.
Porque homem e mulher
se complementam e são mutuamente indispensáveis. Porque cristãos judeus e
muçulmanos crêem no mesmo Deus. Porque o rico e o pobre só se enobrecem
pelo trabalho.
Quando se fala de
Tolerância, é frequente vir à baila a questão dos seus limites. Existe alguma
tendência para se considerar existir algo de contraditório entre a Tolerância e
a consideração de existência de limites à mesma. A meu ver, esta é uma falsa
questão, que um pouco de reflexão facilmente resolve.
Antes do mais, é
preciso entender que o conceito de Tolerância se aplica a crenças, a ideias, ao
pensamento e respectiva liberdade, às pessoas e sua forma, estilo e condições
de vida, mas nada tem a ver com o juízo sobre atos.
Cada um de nós deve tolerar
aceitar e respeitar, independentemente da sua diferença em relação a si e ao
seu entendimento, a crença alheia, as ideias e o pensamento de outrem, pois a
liberdade de crença e de pensamento são expressões fundamentais da dignidade
humana.
Cada um de nós deve tolerar
aceitar e respeitar o outro, quaisquer que sejam as diferenças que vejamos nele
em relação a nós, porque o outro é essencialmente igual a mim, não ferindo essa
essencial igualdade as particulares diferenças entre nós existentes. Mas não é
do domínio da Tolerância o juízo sobre os atos. O juízo sobre atos efetua-se em
função da moral e das regras sociais e legais vigentes.
Explicitando um pouco
mais: tenho o dever de aceitar alguém que pense de forma diferente da minha,
que tenha uma crença religiosa diferente da minha, uma orientação sexual
diferente da minha, um estilo de vida diferente do meu.
Mas já não tenho idêntico
dever em relação a atos concretos desse outro que se revelem violadores da lei,
da moral ou da própria noção de Tolerância.
Designadamente, não
tenho que tolerar manifestações de intolerância em relação a mim, às minhas
crenças e convicções, tal como não só não tenho que tolerar como não devo
fazê-lo, atos criminosos, cruéis, degradantes ou simplesmente violadores das
consensuais regras de comportamento social.
Temos o dever de
tolerar, de aceitar, a diferença - no estilo, nas ideias, nas crenças, no
aspeto ou nas condições individuais. Por outro lado, temos o direito e o dever
de ajuizar, de exercer o nosso sentido crítico, relativamente a ações
concretas.
Ninguém vive isolado
da Sociedade e todos têm de cumprir as regras sociais que viabilizam a sã convivência
de todos com todos.
Consequentemente é uma
simples questão de bom senso que devemos aceitar valorizar, integrar as
diferenças. Quem é diferente, tem direito a sê-lo. Quem pensa diferente, tem o
direito de assim fazer. Mas, por outro lado, o direito à diferença não legitima
a atuação desconforme com as regras sociais, legais, morais, em vigor na
Sociedade em causa.
Ninguém pode pretender
só gozar das vantagens sem suportar os inconvenientes. Quem vive em Sociedade
tem o direito de exigir que esta e os demais aceitem as suas diferentes ideias,
concepções, condição. Mas tem o correlativo dever de respeitar as normas
sociais, legais e morais vigentes. Se o não quiser fazer, deve afastar-se para
onde vigorem normas que esteja disposto a seguir.
As Sociedades evoluem
e é bom que assim seja. Também por isso é inestimável e rica a diferença.
Também por isso devemos aceitá-la e aceitar que quem defende ideias ou concepções
ou condições diversas da norma procure convencer os demais da bondade das suas
escolhas. Isso é Liberdade, isso é Democracia.
Nem uma, nem outra
subsistem sem a indispensável Tolerância da Diversidade. Mas precisamente por
isso - afinal porque quem quer e merece ser respeitado tem o dever de respeitar
- o direito de defesa das ideias e convicções, o direito a tentar convencer os
demais, o direito a pregar a evolução pretendida, não se confunde com qualquer
pretensão de agir como se pretende, se em contrário da lei, do consenso social,
da postura moral da Sociedade em que se está inserido.
Resumindo: a Tolerância obriga a respeitar a Diversidade e a diferença; impõe a
aceitação da divulgação, da busca de convencimento, mesmo da propaganda das
ideias ou concepções diversas. Mas não que se aceitem condutas prevaricadoras
do que está legal e socialmente vigente - enquanto o estiver.
Por isso entendo que
os domínios da Tolerância e do Juízo sobre os atos concretos são diferentes. As
ideias, as concepções, as condições confrontam-se, debatem-se, mutuamente se
influenciam, enfim interagem no domínio da Liberdade e, assim, da mútua
Tolerância. Os atos, esses, necessariamente que têm de respeitar o estabelecido
enquanto estabelecido estiver.
Se assim não for, o
que é aplicável à violação do consenso social não é a Tolerância - é a Justiça,
seja sobre a forma de Justiça formal, seja enquanto censura social seja no
domínio do juízo individual.
Portanto, onde tem
lugar a Tolerância, esta não tem limites. Onde há limites, sejam legais, sejam
de normas sociais ou morais, não se está no domínio da Tolerância, mas no
domínio do tão justo quanto possível juízo concreto sobre atos concretos.
Rui Bandeira