Tenho alertado que o cenário
atual, de um crescimento do fundamentalismo religioso e de extremismos
ideológicos, é desfavorável para a Maçonaria, pois torna-se um terreno fértil
para ideias e propagandas antimaçônicas. Foi o que ocorreu, por exemplo, nos
EUA, na década de 20 do século XIX; e na Europa continental e no Brasil, na
década de 30 do século XX. Agora, a história começa a querer se repetir, tanto
lá como aqui.
Um exemplo é o de Danuzio Neto,
que mantém um canal onde propõe compartilhar informação “sem narrativa”.
Contudo, faz exatamente o contrário, oferecendo uma doutrinação reacionária por
meio de seus vídeos. Um deles tem um título um tanto quanto sugestivo: “Como a
maçonaria destruiu o Brasil?”.
Nesse vídeo, ele já começa
sugerindo a Maçonaria como um “antro de perversidade e de depravação moral”.
Depois, diz que a Maçonaria teria ingressado nos EUA “tal como um vírus ou um
parasita no seio da sociedade americana”.
Sua doutrinação chega a tanto,
que chama o movimento iluminista de “maníaco” e se posta durante o vídeo também
contrário à Revolução Francesa e a Independência dos EUA. Sobre esta última,
Neto escancara seu antimaçônismo ao dizer que Washington “chegou ao cúmulo de
receber ritos maçônicos em seu funeral”. Como se isso fosse um grande absurdo.
Então, sua narrativa chega ao
Brasil, onde ele diz que a Maçonaria veio para “contaminar elites”, a
qualificando como “pútrida”, e declara que ela atuou “infestando a máquina
pública”. Sua análise histórica conspiratória e tendenciosa chega ao nível de afirmar
que, na chamada Questão Religiosa (anos 1870), Dom Pedro II “em um mergulho
dantesco e criminoso em ideias falidas, começou a perseguir membros honrosos da
Igreja Católica”.
Neto omite as principais
informações e fatos históricos a respeito. A Questão Religiosa deveu-se pela
Maçonaria ter defendido e militado a favor do movimento abolicionista,
patrocinando jornais sobre o tema, financiando a alforria de escravos e fazendo
lobby a favor de leis como a Lei do Ventre Livre, de 1871, do maçom Visconde de
Rio Branco. Isso a colocou em rota de colisão com algumas lideranças regionais
da Igreja Católica que, naquela época, era a favor da escravidão. Cientes do
trabalho maçônico pró-abolição, dois bispos começaram, eles sim, a perseguir a
Maçonaria e os maçons, promovendo sermões antimaçônicos e intervindo em
paróquias em que maçons eram participativos, proibindo-os de as frequentarem.
Contudo, o Brasil, por Bula
Papal, era um Padroado Régio, em que o Rei administrava a Igreja Católica em
seu território. Nesse sistema, o Estado recebia os dízimos, enquanto construía
e mantinha as Igrejas, nomeava os padres e bispos e pagava seus salários.
Então, houve uma decisão legal contrária a esses interditos, que os dois bispos
optaram por desobedecer e, por isso, foram presos.
Dom Pedro II, que enfrentou o
Papa nessa chamada Questão Religiosa e aplicou a lei da Constituição do Império
do Brasil, respaldado pelo Padroado Régio, não era maçom. Não foi a Maçonaria
contra a Igreja, mas o Estado brasileiro contra dois Bispos que eram servidores
públicos. Mas isso não impediu Danuzio Neto de declarar que houve “perseguição
contra os católicos brasileiros”. Dom Pedro II era católico, assim como
Visconde do Rio Branco e 99% dos brasileiros naquela época, incluindo os
maçons!
E quem mudou esse cenário de
hegemonia católica no Brasil foi a Maçonaria. Mas isso, Danuzio Neto também não
menciona. Ele não fala que, devido à Questão Religiosa, a Maçonaria abraçou
mais fortemente bandeiras como da liberdade religiosa e do Estado Laico,
inexistentes no Brasil, colaborando e apoiando a vinda de missionários de
diferentes igrejas para o país. Se hoje há forte presença de igrejas
protestantes no Brasil, além de igrejas evangélicas descendentes do movimento
protestante, foi graças à Maçonaria. Isso é ser anticlerical? Somente se você
acredita que o Estado deve ser religioso, tendo uma única religião oficial e
que seja a sua.
E é nesse sentido que Danuzio
Neto segue, ao afirmar que “cartunistas maçons empreenderam uma dura campanha
anticlerical”. Em seguida, qualifica esses “cartunistas maçons” de “turbas de
lunáticos”. Então, começa a dissertar sobre o fortalecimento das ideias
republicanas, taxando seus defensores de “tecnocratas baratos”. Ato contínuo,
chama Deodoro da Fonseca de “um dos maiores traidores da história brasileira” e
chefe de um governo “pútrido” que acabava de nascer.
Então, ele continua seus ataques
a importantes personalidades brasileiras que eram maçons, como Rui Barbosa e
Lauro Sodré. E, sendo Washington Luís o último Mestre Maçom ativo a se eleger
Presidente da República, tendo deixado o cargo em 1930, Danuzio Neto
simplesmente não explica o que a Maçonaria supostamente teria feito para
“destruir o Brasil” nos últimos quase 100 anos.
Um breve olhar ao referido vídeo
antimaçônico e ao título de outros vídeos em seu canal comprova que a promessa
de um conteúdo neutro, imparcial, livre de falsas narrativas, não corresponde
com a verdade. Trata-se de pura doutrinação. No vídeo, Danuzio Neto apresentou
tendências anti-abolição, anti-repúplica, anti-protestantismo, anti-laicismo e
antimaçonaria. Se você se identifica com esses ideais radicais, junte-se a ele.
Caso contrário, sugiro evitá-lo.
O que ele realmente oferece é o
velho discurso de “uma vida melhor, com mais dinheiro, mais segurança e
liberdade” e que “só 1% das pessoas vão conseguir tudo o que você pode
conseguir”, como ele mesmo escreveu em seu próprio site (https://danuzioneto.com/aprofundar-oferta/).
Cai só quem quer.
Escrito por
Kennyo Ismail