PREÂMBULO
As notas que vos
apresento tiveram a sua gênese nas dúvidas que nos foram surgindo no que
respeita quer à eventual “passagem de testemunho” da maçonaria operativa para a
especulativa, quer aos reais motivos que terão estado por trás da constituição
da Grande Loja de Londres (G∴ L∴ L∴) em 1717, considerada como o marco
fundacional da moderna maçonaria especulativa.
À medida que ia
consultando diferente documentação, uma leitura mais atenta de alguns estudos e
livros referidos na Bibliografia, foi importante para obter uma nova
perspectiva de um dos capítulos mais interessantes da historiografia maçônica,
alvo de diversas interpretações históricas de consistência variável, consoante
os círculos maçônicos e os objetivos e tendências que perseguem.
Ficou mais claro para
nós que a moderna maçonaria tem inequívocas raízes escocesas, que a partir
do Norte influenciaram a Inglaterra e a Irlanda, sendo que os ingleses, através
da criação da Grande Loja de Londres (G∴ L∴ L∴), vieram a recolher os louros da
sua gênese.
No entanto a
constituição da G∴ L∴ L∴ traduziu também a intensa luta
entre os blocos católico / stuartista e protestante / hanoveriano, que no
fundo apoiavam duas concepções distintas da Maçonaria. As Lojas maçônicas foram
utilizadas durante essa época, para veículo dessa disputa, que se estendeu às
terras francesas, iniciando a difusão da Maçonaria especulativa pelo continente
europeu, com o exílio dos Stuarts.
INTRODUÇÃO
O fato de se
questionar a eventual ausência de ligação direta entre a Maçonaria operativa e
a especulativa, sendo uma “heresia” face às fontes tradicionais, não
deixa de ser simultaneamente desafiador e estimulante.
No entanto e
independentemente da teoria seguida, restam poucas dúvidas de que a
Maçonaria Especulativa se constituiu na Grã-Bretanha, no decurso do século XVII, em
condições ainda incertas e historicamente muito pouco documentadas (4). No
entanto quando procuramos evidências relativamente ao seu desenvolvimento,
verificamos que são abundantes na Escócia e quase totalmente ausentes em
Inglaterra.
Uma das primeiras
abordagens diferenciadas das correntes tradicionalistas de grande parte dos
historiadores ingleses do final do século XIX (Gould, Hughan e outros), é
dada pelo trabalho de dois grandes historiadores ingleses da Maçonaria, Douglas
Knoop (professor de Economia na Universidade de Sheffield e
Maçonaria) G. P. Jones (professor de história Econômica também em
Sheffield, mas não Maçonaria) nos finais dos anos trinta do século passado.
Contudo somente a
partir de meados dos anos setenta começou a ser dada a devida atenção aos seus
estudos e pesquisas. No prólogo da primeira edição da sua obra principal “The
Genesis of Freemasonry” (5), (1) e (4), salientam que:”
embora tenha sido até agora habitual pensar a história da Maçonaria como uma
questão totalmente à parte da história, justificando um tratamento especial,
pensamos que se trata dum ramo da história social, do estudo duma instituição
social particular e das ideias que estruturam esta instituição, que se deve
abordar e escrever exatamente da mesma forma que a história das outras
instituições sociais”.
Esta abordagem tem
vindo a ser seguida por alguns dos atuais historiadores e estudiosos maçônicos,
como por exemplo, R. Dachez (4) e David Steveson (entre
outros) que salienta que esta escolha incontornável está longe de ser
unanimemente partilhada por numerosos autores que se “adaptam” às ocasiões da
história maçônica, da mesma forma que a história de certas religiões e igrejas,
tratada com objetividade, implica a contestação de alguns fiéis, que se recusam
a olhar a sua história. Do mesmo modo, o que designa por “história laica da
maçonaria” não alcança o espírito de todos os maçons, sendo um escolho que todo
o historiador maçônico deverá estar consciente.
Esta corrente
preconiza o caminho da roximação “científica” (ou “autêntica”) segundo
a qual uma teoria deve ser fundada a partir de fatos verídicos ou de documentos
que a sustentem, por contraponto à aproximação “não autêntica” que se
esforça por colocar a Maçonaria na tradição do Mistério, procurando por um lado
ligações entre os ensinamentos, as alegorias e o simbolismo e por outro as
diversas tradições esotéricas (vide John Hamill – bibliotecário da
Grande Loja Unida de Inglaterra, durante vários anos, na sua obra “The Craft. A
history of English Freemasonry”).
Relativamente à gênese
da maçonaria especulativa, a tese mais vulgarizada e partilhada quer pela
esmagadora maioria da documentação maçônica, quer entre os Maçons, é a chamada
teoria da “transição“, que preconiza a passagem gradual das Lojas operativas a
especulativas, devido às transformações econômicas que levaram ao declínio das
grandes construções, a partir dos finais do Renascimento.
Deste modo, indivíduos
estranhos ao ofício, provenientes da nobreza ou com importantes cargos civis ou
intelectuais de prestígio, movidos por interesses especulativos de base
neo-platónica, alquimista ou Rosa-Cruz, teriam efetuado uma entrada progressiva
nas lojas operativas em estado pré-moribundo, aproveitando as estruturas
criadas e os rituais praticados, para desenvolverem os seus objetivos e tomarem
o respectivo controlo.
Quanto à constituição
da Grande Loja de Londres (G∴ L∴ L∴), aprovada numa assembleia
constituinte, por 4 lojas existentes na cidade, em 24 de Junho (dia de S. João)
de 1717, não terá sido provavelmente um ato criativo “espontâneo”, mas
justificado por perspectivas políticas e sociais específicas, já que sempre nos
pareceu de difícil sustentação histórica e social, a teoria da espontaneidade,
de per si.
DAS LOJAS “ANTIGAS” DA
ESCÓCIA
Na sua obra
principal D. Steveson (1), conclui que a contribuição medieval e
renascentista para a organização e história da Ordem, propiciou alguns dos
ingredientes essenciais à formação da Maçonaria, mas o processo de combinação
desses com outros ingredientes só ocorreu por volta de 1600 e teve lugar
na Escócia.
É geralmente aceite
pelos historiadores, que terão sido os “Estatutos de Shaw”, no reino
da Escócia, o primeiro documento conhecido onde são lançadas as bases
organizativas do sistema de Lojas da Maçonaria operativa, que veio
posteriormente a servir de modelo à estrutura das Lojas especulativas.
Este documento
resultou da reunião realizada em Edimburgo, em 28. Dez. de 1598, convocada e
dirigida por William Shaw, Supervisor Geral dos Maçons e intendente das edificações
do rei da Escócia, durante o reinado de James VI ( I de Inglaterra). Foi
completado em 1599 por uma segunda série de regulamentos para dar solução à
reivindicação da presença da Loja de Kilwinning. Estes estatutos consagravam a
organização territorial das lojas por cidades e por regiões, impondo a eleição
anual dos Oficiais.
São essencialmente
regras práticas estabelecidas pelos mestres da corporação, (sediados em
Edimburgo), tornadas mandatórias para todos os membros. Os dois primeiros
artigos instruem e regulam a obediência, antecipando a iniciação maçônica,
relativamente à qual não são dados detalhes, mencionando unicamente o
juramento (“taking of the oath”) e a transmissão da “palavra de
maçom” (“mason word”). O manuscrito conhecido como “Edinburgh
Register House”, datado de 1695 explicita que o juramento é efetuado sobre
a Bíblia e o candidato “jura por Deus”, S. João, o esquadro e o
compasso.
Segundo P.
Naudon (4) os estatutos de 1599, definem também a jurisdição da Loja
e estabelecem as taxas mandatórias. O Mestre (aqui entendido como grau,
sobretudo honorífico) ou guardião (“Warden”) tem o poder de verificar
as qualidades e aptidões dos companheiros, bem como a capacidade de expulsar os
incumpridores, podendo também nomear um secretário. Estes estatutos utilizam os
termos, aprendiz (“journey man” / mais tarde “entered
apprentice”) e Companheiro (“Fellow-Craft”), o que prova a
existência de pelo menos dois graus na Maçonaria operativa escocesa da época
(século XVII).
A Maçonaria emergiu,
pois na Escócia no século XVII baseada em Lojas, organizações secretas ou
semi-secretas / discretas de iniciados, combinando sociabilidade e
fraternidade com segredos elaborados e esforçando-se genericamente em trabalhar
para regular a entrada de artífices da pedra (“stonemasons“) e regulamentar as
respectivas práticas de trabalho. Excetuavam rituais de iniciação e
identificação descritos nos catecismos.
No decurso desse
século (XVII), alguns homens de níveis sociais distintos, começaram a ficar
intrigados e simultaneamente curiosos com os segredos dos “stonemasons” e
a sua assunção de que a sua Ordem tinha um estatuto intelectual único, tendo
alguns desses “outsiders” sido iniciados em lojas. Existem evidências de que
certas personalidades, próximas das correntes iluministas e Rosa-Cruzes da
altura, entre os quais Robert Moray, passou e/ou debruçaram-se sobre estas
organizações. A organização discreta / secreta, a existência de certos ritos
despertaram-lhes interesse, mesmo que a sua passagem por elas, durante todo o
século, tenha sido extremamente rara, esporádica ou efêmera.
Entre os fatos que
evidenciam fortemente que tenha sido a Escócia preponderante no
aparecimento da moderna Maçonaria, desde o final do século XVI e,
sobretudo no século XVII, apontam-se a existência dos registros mais antigos
de:
utilização do termo
“Loja” no sentido moderno do termo e evidência de que estas instituições
existiam permanentemente;
Organização de lojas a
nível nacional;
Registros oficiais e atas
de reuniões efetivas;
Exemplos de
“não-operativos” (“no working stonemasons”) que se juntaram às lojas;
referências à “palavra
de Maçom” / “mason word“;
Catecismos maçônicos expondo
a “palavra de Maçom” e descrevendo iniciações maçônicas;
Evidências ligando a
maçonaria da loja com ideais éticos específicos, expostos pela utilização
de símbolos;
Utilização de dois
graus ou níveis na maçonaria;
Utilização dos
termos “entered apprentice” e “fellow-craft” nesses graus;
Evidencia da
emergência dum terceiro grau (loja de Edimburgo), pela utilização de “masted’ como
estatuto no mínimo diferente de “fellow-craft”
Começo da percepção,
por alguns, da maçonaria como “sinistra” ou “conspirativa”.
Ainda segundo Steveson (1), as
lojas reuniam em média uma a duas vezes por ano, tendo a de Edimburgo, entre
1601 e 1710, reunidos em média duas a três vezes por ano, o que representa um
excelente registro, visto tratar-se duma importante loja urbana.
Percorrendo os registros
do século XVII, imediatamente anteriores ao da criação da G∴ L∴ L∴, Steveson (1) e Naudon- (3), comprovaram
que a maçonaria escocesa possuía já um grau de organização e expansão nacional,
muito mais consistente do que acontecia em Inglaterra, na mesma época.
Existe evidência de
que em 1710 estavam ativas 25 lojas na Escócia, tendo mais algumas sido
referenciadas ao longo do século, mas estando inativas ou extintas nessa data.
Destas 25, 20 continuaram ativas e destas últimas, atualmente 80% ainda existe,
o que constitui um registro assinalável.
Há, contudo dois
aspectos fundamentais, face à moderna maçonaria, que não existiam na Escócia,
no século XVII:
Não existia nenhuma
autoridade central de supervisão, como uma Grande Loja (apesar
de Schaw e alguns dos sucessores o tentarem numa forma mais estatutária que efetiva),
embora existisse uma rede de lojas
INEXISTÊNCIA DE LOJAS COMPOSTAS UNICAMENTE POR NÃO-OPERATIVOS
Em 20 de Maio de 1641,
alguns membros da loja de Edimburgo, que estavam na altura em Newcastle com o
exército “conjurado” escocês (guerra com Inglaterra), admitiram como “maçom
aceito” o honorável Robert Moray (juntamente com Alexander Hamilton,
também general revoltoso), quartel-mestre geral do exército escocês, figura
notável à época, considerado um dos “pais” da maçonaria especulativa e um dos
grandes impulsionadores da Royal Society. Esta prática manteve-se
interessantemente ao longo do tempo, propiciando a formação de lojas nos
regimentos escoceses e irlandeses. Mais tarde referiremos o seu importante
papel no estabelecimento da moderna maçonaria no Continente europeu, em
especial em França.
A liberdade e
independência das Lojas propiciaram a formação de algumas constituídas somente
por membros não operativos. Segundo Naudon (2), por volta de 1670,
mais de três quartos dos membros da Loja de Aberdeen não eram maçons
profissionais. Os estatutos de Shaw especificavam que estes membros estavam
isentos da caixa de coleta, da marca, do banquete e do “pinto” (“pint”) de
vinho.
A dificuldade de generalizar
o comportamento das Lojas, já que diferem consideravelmente em tamanho e
composição, aplica-se também aos seus membros.
Os “não operativos” ou
“gentleman-masons” tinham como atrativo nas Lojas, um ideal de amizade, uma
mistura social informal (embora dentro duma instituição formal) e o banquete
anual podendo adicionalmente percepcionar traços do antigo, do secreto, do
misterioso e do ritualístico.
Parece ter sido esta a
causa, mas podemos questionar o real motivo do aparecimento destas lojas pré-
especulativas, sendo que está comprovado que a Escócia foi dos países em que a
maçonaria operativa mais persistiu de forma organizada, o que comprovadamente
não aconteceu na Inglaterra.
É curiosa a análise do
percurso de duas das figuras mais notáveis da época, relativamente às quais
existem provas da sua iniciação, sem que, no entanto existam dados continuados
da sua presença em lojas. Quando Robert Moray, como referimos atrás, foi
admitido na Loja Mary’s Chapel de Edinburgh, consta nos arquivos da Loja a seguinte
minuta: “Em Newcastle, a 20 de Maio 1641. Neste dia, certo número de
mestres e outros estando regularmente reunidos, admitem o muito distinto Robert
Moray, Mestre General de Quartel do exército da Escócia, o que foi aprovado por
todos os mestres maçons da loja de Edimburgo que colocaram as suas assinaturas
ou as suas marcas”.
Quanto a Elias
Ashmole (antigo capitão da artilharia real e fervoroso stuartista), terá
sido iniciado cinco anos depois em Warrington (também a norte de Inglaterra),
numa loja com mais características de se tratar de uma loja escocesa
deslocalizada, do que uma loja inglesa. Verifica-se, pois que duas das
principais figuras precursoras da nova maçonaria eram ambos fervorosos
partidários dos Stuarts. Poderá isto ter algum significado? Provavelmente terá.
Steveson (1) mostrou
inequivocamente que esta organização, profundamente inovadora era estritamente
específica da Escócia, sem que anteriormente, nenhum sistema idêntico tenha
existido. Como refere Dachez (4) contrariamente às versões
clássicas, o aspecto mais importante deste trabalho foi evidenciar que a
característica da “aceitação”, expressão tipicamente inglesa,
utilizada para justificar a penetração dos especulativos nos operativos, jamais
foi utilizada na Escócia durante o século XVII.
A partir deste
trabalho, por consulta dos registros disponíveis das lojas, é possível
identificar e estudar os 139 membros não operativos recebidos nas Lojas
escocesas entre 1637 e 1717. É no mínimo curioso observar que o pastor
Anderson, escocês, filho do secretário da Loja escocesa de Aberdeen, ignora
por completo estes escoceses não-operativos. Será que o motivo principal
terá sido o de constituírem, na sua maioria, fervorosos stuartistas,????
Durante o reinado de
Carlos I, a dúzia de membros “gentleman” admitidos na Loja de Mary’s Chapel de
Edimburgo pertenciam à corte do Rei. Destes só Robert Moray voltou à loja em
1647. O panorama das lojas escocesas majoritariamente operativas irá mudar
consideravelmente a partir da morte de Carlos II. O quantitativo de
personalidades não operativas recebidas nessas lojas, desde a ascensão ao trono
de James II em 1685, eleva-se a mais de uma centena até 1717, aproximadamente o
quíntuplo dos recebidos na totalidade do reinado de Carlos II, num período de
tempo sensivelmente equivalente.
Na loja de Dunblane em
1696, por exemplo, dos 13 membros nomeados em ata de reunião somente 4 são
operativos, sendo a maioria constituída por nobres, quase todos ligados à causa
stuartista. Steveson (1) precisa que os membros dessa loja muito
seletiva, eram relativamente assíduos, mas não se preocupavam muito com o
“ofício”, até finais de 1710, altura em que o predomínio passou para os
operativos. Teria a ver com o final das “esperanças” dos stuartistas em
reconquistarem o trono, como avança Louis Trébuchet (8)???
A prática comprovada,
mas excepcional, das Lojas receberem a titulo honorário pessoas exteriores à
profissão, que raramente lá voltavam, terá produzido, segundo Dachez (4), um
conjunto de “maçons livres” com a possibilidade de transmitir uma
Maçonaria que foram transformando em função dos seus próprios objetivos e
preocupações intelectuais. Tinham descoberto algo que lhes interessou
vivamente, um ritual e uma tradição.
Assim a “fronteira
do Norte” terá sido permeável à expansão até ao Sul de Inglaterra destes
maçons “não- operativos”, que a Maçonaria operativa nunca integrou
internamente, justificando plenamente que a maçonaria inglesa do século
XVII tenha sido, desde a origem, puramente especulativa.
Parece não existir
outra explicação plausível para a admissão de elementos não operativos nas
Lojas Escocesas, já que por volta de 1717 ainda possuíam um importante papel na
área da construção e contrariamente ao que se passava em Inglaterra, não
reuniam em tabernas ou em locais esporádicos, mas em edifícios ou locais que
lhes pertenciam.
AS LOJAS “ANTIGAS” DE
INGLATERRA
Em Inglaterra a
iniciação de cavalheiros (“gentlemen”) em Lojas é registrada desde
1640, mas aqui o processo é muito mais obscuro.
Sendo fato
praticamente inequívoco que a maçonaria especulativa, tal como a
entendemos, surgiu na Inglaterra, não existem contudo documentos
suficientemente esclarecedores de que elementos estranhos ao oficio fossem
admitidos em lojas operativas inglesas. E mesmo relativamente a estas últimas e
ao seu funcionamento como estrutura permanente em todo o território, não
existem quaisquer dados.
Para os que defendem a
primazia da Inglaterra no aparecimento da moderna Maçonaria, sobretudo no
século XVII, apontam-se os seguintes fatos:
Cópias mais antigas
das “Old Charges” (não são conhecidas cópias escocesas anteriores a meados
do século XVII);
Utilização
generalizada do termo “freemason” e utilização do termo “maçom aceite” (“accepted
mason”);
Lojas compostas
unicamente por “não operativos” (que se pode interpretar como indicando
que a “maçonaria” inglesa era, muito mais que a escocesa, uma criação sem, ou
com reduzida, sustentação profissional);
CRIAÇÃO DA
PRIMEIRA GRANDE LOJA
A única certeza que
existe, é da que as poucas lojas operativas que tardiamente surgem, permanecem
operativas até a sua extinção, como a loja de Chester. A famosa loja
de Acception, de Londres (século XVII), abusivamente citada como
exemplo da transição especulativa é indevidamente classificada como Loja (1), uma
vez que este termo não aparece nunca nas respectivas atas, não se sabendo quem
a fundou e por que motivo, deixando historicamente apenas dois leves traços
documentais, em 1610 e em 1686, relacionados com Elias Ashmole.
Nas primeiras lojas
inglesas, contrariamente à Escócia, não se detectam ligações aos operativos, o
que sugere que a maçonaria foi aqui uma criação “artificial”, no
sentido de ter sido originada por pessoas sem contacto direto com a profissão,
muitas vezes influenciados provavelmente pelo que “acontecia” ou terá
sido “importado” a partir da Escócia. Não existe atualmente nenhuma
loja em Inglaterra a que se possa ser feita referência continuada antes de
1716-17, quando a Grande Loja foi criada. As lojas inglesas só tinham
inicialmente um grau (1) o que implicava substanciais diferenças nos
rituais, comparativamente à Escócia, em que existiam dois graus.
A teoria clássica
da “transição”, foi posta em causa também por outros historiadores
(finais da década de setenta), nomeadamente Eric Ward (4), que
defendem que em Inglaterra, contrariamente à Escócia, não terá havido transição
da maçonaria operativa para a especulativa e que as lojas dos primeiros se
foram progressivamente extinguindo, sem deixar rasto, face às características socioeconômicas
da altura. A crítica de Ward fundamenta-se sobretudo na interpretação
do significado clássico atribuído a certas palavras-chave (origens de “freemason” e
de “Free-Mason” ou “Free-Masons”) utilizadas
indistintamente pela teoria da “transição”).
Também para Knoop e Jones (1), (4) e (5), os
únicos fatos mais ou menos incontestados, comprovam que desde a sua origem, as
lojas maçônicas inglesas são puramente especulativas, contando-se como exceção,
como vimos, a loja de Chester. Neste espaço de tempo existiu também a
Companhia dos Maçons de Londres, restrita à área da capital, e a única guilda
conhecida em Inglaterra para a profissão de maçom, não se conhecendo mais
nenhuma estrutura comparável. Esta Corporação procurou o suporte de vários
patronos de famílias nobres e comerciantes, com a figura de membros honorários,
para ajudarem a assegurar o fundo econômico de apoio aos associados.
Recorde-se que a
Escócia era, no início do século XVII um país estrangeiro e inimigo, existindo
poucas relações entre ambos, pelo que a existência de Lojas operativas
organizadas por toda a Escócia não poderá, por si só, impulsionar ou servir de
catalisador do surgimento duma Maçonaria especulativa, na mesma época, no sul
de Inglaterra.
A tese Colin Dyer (a
teoria do “empréstimo” / “emprunt” em francês), seguida por
outros autores ingleses contemporâneos, aponta para que o movimento que dá
origem à maçonaria especulativa tenha tido origem e motivações claramente
religiosas (4). O estudo comparado das “Old Charges” (“Antigos
Deveres”) estabelece claramente que este movimento, aparentemente secreto,
o que à luz da história da época se torna compreensível, não teve qualquer
ligação com a maçonaria operativa. Teria sido estabelecido por altura de 1560
ou 1580, época em que os conflitos religiosos atingiram grande intensidade
(atestam por exemplo que o Manuscrito da “Grande Loja, n°1” não teve
nada a ver com o de “Cooke”, sendo um documento totalmente novo, já
que a ortografia utilizada segue a das Bíblias publicadas em Inglaterra após a
Reforma, ou seja a partir de 1540, ou seja quase cerca de 180 anos após este).
Os trabalhos de D.
Steveson (1) trouxeram contudo uma nova interpretação da controversa
questão das fontes da maçonaria especulativa. O fenômeno da “aceitação” utilizava
uma expressão puramente inglesa, nunca utilizada na Escócia, o que comprovou
pela análise cuidadosa das listas dos membros das diversas Lojas, e da sua
história durante vários decênios.
Detectou contudo um
novo ponto muito importante, a curiosidade e o interesse com que, desde a
origem, algumas personalidades entre as quais o famoso Sir Robert Moray, se
debruçaram sobre estas Lojas escocesas. A prática excepcional mas comprovada,
de receber a título de membros honorários, pessoas estranhas ao ofício, terá
permitido constituir uma população de “maçons livres”, que embora
numericamente fraca é real e ativa, possibilitando-lhes transmitir uma
Maçonaria que lhes foi possível transformar em ordem às suas preocupações
intelectuais e filosóficas.
Poderão as lutas
religiosas de 1640 a 1660 / 80 e depois entre stuartistas e hanoverianos, estar
na origem da falta de documentação relativa às Lojas Inglesas ???
Em Inglaterra o papel
de loja mãe foi durante muito tempo assegurado pela velha loja de York. Este
motivo terá sido a origem de que a “Old Lodge of York” recusasse reconhecer a
autoridade da Grande Loja de Inglaterra, quando esta foi instituída em 1717.
Segundo P. Naudon (3), somente após a reunião da Assembleia Maçônica de
York, em 27 de Dezembro de 1663, numa altura em que a Maçonaria já se tinha
tornado especulativa, o título de grão-mestre foi aprovado, embora não
conferisse autoridade administrativa a quem fosse designado. De fato, o
escolhido poderia ser somente um “protetor”, garantindo o patrocínio à
corporação. Os poderes do grão-mestre só foram criados a partir de 1717, com a
Grande Loja de Londres.
Segundo os
historiadores mais credenciados, a hipótese duma rede desconhecida de lojas
(iniciáticas e secretas) cuja existência e ensinamentos tenham escapado à
análise do historiador, é insustentável, pelo menos se pretendermos permanecer
no campo da história, tal como o entendemos, segundo Knoop e Jones.
Há contudo uma data a
que devemos prestar atenção e que não é muitas vezes referida, que é 1707.
Neste ano realizou-se o “Ato de União” transformando a Escócia e a
Inglaterra num único reino. As duas nações que tinham estado até aqui de
costas voltadas e muitas vezes em guerra, iniciaram finalmente uma lenta mas
real aproximação, sem que contudo a desconfiança dum país face ao outro se
tivesse automaticamente atenuado.
DA ROYAL SOCIETY À
GRANDE LOJA DE LONDRES
Considerando as
diferenças e eventuais intersecções entre maçonaria operativa e especulativa,
sobretudo na Escócia do século XVII e início do XVIII, nada permite
fundamentar, face à sequência temporal e histórica, que a maçonaria especulativa
tenha nascido em 1717. De fato esta data é quase irrelevante no longo
processo de desenvolvimento do movimento. Segundo Knoop e Jones (1) e (5) “naquela
altura, a formação da Grande Loja foi uma ocorrência de menor importância no
desenvolvimento da Maçonaria, e não faz sentido constituir um marco na historia
maçônica”. No entanto a nova forma de organização instituída pela G∴ L∴ L∴ constitui uma
inovação, face à organização predominante até ao momento, de raiz escocesa,
centrada sobretudo nas Lojas.
P. Naudon salienta
que não se conhecem as razões oficiais da criação da G∴ L∴ L∴ , francamente modesta
na concepção, sendo o ênfase dado possivelmente à necessidade dum poder
regulador sobre as lojas, o que fará sentido, como veremos.
Somos pois levados a
concordar com a afirmação de J. Marty (6) que “o fato das
mais influentes lojas maçônicas na Inglaterra, na Escócia e na Irlanda terem
uma fortíssima influência stuartista, a outra família real que disputava o
trono, impôs aos novos ocupantes do trono inglês o desenvolvimento de esforços
imediatos para contrariar essa influência no mesmo terreno, como uma das formas
de manterem o poder adquirido”.
Não é pois sustentável
diluir historicamente a criação da G∴ L∴ de Londres (que no século seguinte evoluiria
para a G∴ L∴ U∴ I∴), como não deixando de
corresponder a um plano político organizado pela nova família real inglesa, a
dinastia Orange ou hanoveriana, para combater a influência stuartista.
Recuando de novo à
questão do nascimento da Maçonaria Especulativa, é necessário correlacioná-la e
ter também presente a criação da Royal Society, em 28 de Nov. 1660, no Gresham
College, em Londres e em que tiveram destacado papel alguns maçons ou Rosa-cruzes
da altura, nomeadamente Robert Moray, Elias Ashmole, Christopher Wren, e
outros.
Robert Moray foi
elemento preponderante na liderança que constituiu a Royal Society, e foi
virtualmente o seu presidente, durante 1661 e a primeira metade de 1662, apesar
do titulo não ter sido formalmente utilizado por ninguém, até a carta patente
receber o selo real, de que foi obreiro decisivo. O aparecimento desta
instituição mostrou claramente o crescente interesse na investigação científica
e na experimentação e o prestigio crescente destas aditividades.
Antes da constituição
da Royal Society, a ciência estava completamente dominada pela religião e
amarrada a argumentos teológicos. Qualquer investigador que desafiasse a visão
dos inquisidores era considerado herege e punido enquanto tal, pagando muitas
vezes o preço da própria vida.
Mais do que um
conjunto de ideias estabelecidas, os princípios de estudo da natureza propostos
pela Royal Society representavam uma atitude e uma maneira de pensar
a realidade inovadoras, resultantes do desejo de reexaminar e pôr em questão as
ideias e os valores recebidos, mas com enfoques bem diferentes.
A esta grande viragem
no desenvolvimento científico, levando uma comunidade a rejeitar uma teoria
pseudo-científica anteriormente seguida, em favor de outra com ela
incompatível, traduz uma mudança de paradigma, no sentido “kuhniano” do termo.
A esta mudança não foram alheios os ideais da verdade, da tolerância, do
respeito pelo trabalho realizado, da retidão e da fraternidade dos Maçons que
estiveram associados à fundação e direção inicial da Royal Society, de
que Isaac Newton veio a ser um dos mais notáveis presidentes (já no início do
século XVIII).
Em resposta à
interpretação de Eric Ward, Frederic Seal-Coon respondeu no ano
seguinte (1979) com uma teoria mais política, que estabelecia a correspondência
cronológica entre o nascimento da maçonaria especulativa e as relações
tumultuosas da dinastia escocesa dos Stuarts com o trono de Inglaterra, ocupando
grande parte do século XVII e a primeira metade do século XVIII, em que tentou
recuperar o trono, após o exílio em França.
Na Grã-Bretanha quer
os stuartistas quer os hanoverianos foram atraídos para alianças maçônicas
rivais. O sistema das lojas, combinado com o secretismo, ideais de lealdade e
modos secretos de reconhecimento, originou uma estrutura ideal de organização,
na qual os membros puderam colocar os seus próprios valores, podendo adaptá-los
para utilização própria.
Da análise dos sermões
do rev. Anderson de 1712 e 1715, Steveson (1) concluiu que era
evidente uma tonalidade “whigh” (protestantes, partidários da casa de
Hannover) radical e determinante, já que descreve o país como “benzido com
um bom protestante como soberano e uma feliz Constituição, depois de libertado
das garras e da escravatura papista, pela revolução…”
Aliando estas
interrogações ao fato das Constituições elaboradas pretensamente pelo rev.
Anderson (que era pastor presbiteriano escocês), elaboradas em 1723, seis anos
depois da constituição da G∴ L∴ L∴ terem efetuado uma “limpeza
criativa e radical” (continuada pelo duque de Montagu) de toda a
documentação conhecida, anteriormente existente, contribuiu para reforçar um
conjunto de interrogações, cujo esclarecimento tentamos aprofundar.
Somos pois levados a
concordar de novo com J. Marty – (6) em que “a história oficial
que foi criada e difundida constituiu parte de um programa de cultura imperial
global muito ativo no último quadrante do século XVIII e no século XIX, por
parte da potência dominadora a nível mundial nesse período, a Grã- Bretanha”.
Também não se encontra
antes de 1723 nenhum texto proibindo as lojas escocesas e mais tarde as lojas
temporárias inglesas, de serem criadas sem terem a autorização superior de
alguém com poderes para tal, mas a partir daquele ano, só puderam ser criadas
novas lojas em Inglaterra com a obtenção prévia da carta patente, firmada pelo
Grão-Mestre da G∴ L∴ L∴ .
O primeiro Grão-Mestre
de origem nobre da G∴ L∴ L∴ , foi em 1721 o Duque de Montagu, “whigh” convicto,
condecorado em 1718 por Jorge I com a distinta Ordem da Jarreteira, responsável
pela criação em 1745, dum regimento de cavalaria para combater o príncipe
Carlos Eduardo Stuart, quando da última tentativa deste para recuperar o
trono. Os dados parecem pois apontar para que tenha existido uma tomada de
poder dentro da fraternidade maçônica pela facção “whigh”, então minoritária,
numa época em que a ascensão ao trono de Jorge I de Hanover, três anos atrás,
estava longe de ser unânime, quer na Inglaterra, mas sobretudo na Escócia.
A reação stuartista /
jacobita não se fez esperar e o duque de Wharton, de regresso da Europa depois
de convertido à causa stuartista, conquistou o grão-mestrado num golpe interno.
Foi destituído no ano seguinte, mas a luta de influencias, perdida no
território inglês, continuará agora em França.
AS LOJAS “ESCOCESAS” NA
FRANÇA
Desde que se deu a
confrontação entre os Stuarts e o Parlamento e mais tarde entre os Stuarts e a
casa de Hannover, cada uma duas partes procurou trazer a Ordem para o seu lado.
A ligação desta aos Stuarts era manifesta desde a Escócia, em virtude das
origens escocesas comuns, pelo que não lhes foi difícil utilizá-la como aliada
e veículo dos seus objetivos restauracionistas.
O papel desempenhado
pela Maçonaria Escocesa em França é confirmado pelo Cavaleiro Ramsay, no seu
famoso discurso de 1737, sendo a presença de lojas escocesas mais evidente a
partir do exilio forçado dos Stuarts.
A Maçonaria stuartista
chegou a França em 1688 através das primeiras lojas militares que se formaram
nos regimentos que acompanharam James II, no exílio em Saint Germain de Laye.
Existem provas de que a fuga para França intensificou a criação de Lojas maçônicas
nos regimentos stuartistas. Por volta de 1689, os regimentos escoceses e
irlandeses sediados em França possuíam “staffs” maçônicos, constituindo muitas
vezes, a autoridade administrativa, sendo os militares a executiva.
É possível que a
primeira loja em França tenha sido a que mais tarde se designou por “La
Parfaite Égalité” (inicialmente “Irish Guard Lodge”), loja
militar real irlandesa do coronel Walsh, do regimento de guarda pessoal de
James II. Quatro anos depois da sua fundação o Grande Oriente de França
reconhece em 1777 que essa loja foi constituída em 25 de Março de 1688.
A primeira loja
francesa, indiscutivelmente conhecida, foi fundada em 1725 por Charles
Radcliffe de Derwenwater e outros fervorosos stuartistas. Sensivelmente por
volta de 1728, as lojas escocesas em França, reconheceram como Grão-Mestre o
duque de Wharton, anterior Grão-Mestre da G∴ L∴ L∴ e apoiante dos Stuarts. Após a sua
morte, em 1731, Lord Derwentwater assumiu o grão-mestrado, seguido por Hector
MacLean (baronete escocês) de 1733 a 1735 e de novo Lord Derwentwater, a partir
de 1736.
A concorrência “whigh”
/hanoveriana, não se fez esperar muito, deslocando-se também a partir de
1734 para o solo francês, com a criação em Paris duma loja rival à de
Derwentwater, em que a Grande Loja de Londres se faz representar pelo duque de
Richmond e Jean T. Desaguiliers. O conflito provocado pela existência de duas
categorias de lojas rivais – escocesas e inglesas, transpôs-se e desenvolveu-se
também em França, até à criação da Grande Loja de França e da
nomeação do duque de Antin, par de França, como Grão-Mestre (ad vitam), em
24 de Junho de 1738.
Foi o duque de
Montagu, que sucedeu desde 1721 ao pastor J. T. Desaguiliers, que se
comprometeu a introduzir em França a Maçonaria especulativa (tendência “inglesa”). Do
desenvolvimento dos ritos da época, a par das teorias filosóficas que sustentaram
o aparecimento da Real Society, acabaria por surgir o Rito
Francês. Mais tarde e embora apresente maior parentesco com a matriz
escocesa, acabaria por surgir o Rito Escocês Antigo e Aceito, assim
designado apesar do berço francês.
NOTAS FINAIS
Julgamos poder
concluir, no essencial, que a moderna maçonaria teve origem escocesa, em
vez de inglesa. A evidência escocesa pode ser fielmente comprovada durante
o século XVII, através dos documentos oficiais de várias lojas, que foram
conservados, graças aos estatutos de Schaw. Contrariamente, na Inglaterra
somente parcos registros em papel, que possam ter pertencido a Lojas,
sobrevivem.
O termo “aceito”
continuou a ser aplicado em Inglaterra aos Maçons iniciados, e a G∴ L∴ L∴ , fundada cerca de 40
anos depois, passou a chamar-lhes “maçons livres e aceitos“. Nos anos
do rápido desenvolvimento da maçonaria inglesa depois de 1700, os rituais que
surgiram eram baseados na “Mason Word” e as práticas descritas no
catecismos mais antigos têm, sem dúvida, origem na Escócia (1).
A primeira referência
a uma loja inglesa caracterizada por um corpo permanente e não por uma reunião
ocasional, é a de Chester também no norte do país. A primeira loja em
Inglaterra cujas atas sobreviveram, a loja de Alnwick, fica a 20 milhas
da fronteira com a Escócia. A loja mais antiga descrita na Inglaterra refere-se
a Warrington, no Lancashire, também no Norte.
Tudo isto sugere
claramente que as lojas maçônicas na sua moderna configuração foram uma
deriva da instituição escocesa que se espalhou pela Inglaterra no decurso do
século XVII. A maçonaria na qual os primeiros “gentlemen” não operativos
foram iniciados foi também muito influenciada pelas práticas escocesas.
No entanto, e esta é
uma diferença essencial, desde o início os ingleses preferiram encontrar-se
informal e irregularmente, apelidando por vezes estes encontros ocasionais de
“reuniões de loja”. No entanto a institucionalização da estrutura, originada
por Schaw, foi reconhecida e as lojas ocasionais foram dando progressivamente
origem a instituições permanentes.
Doze dos Grão-Mestres
de Inglaterra no século XVIII eram escoceses e quando os maçons franceses
inventaram inúmeros altos graus e rituais, sentiram que a melhor maneira de
lhes dar legitimidade era designá-los por “Rito Escocês”. Também
estes fatos parecem admitir tacitamente que a maçonaria escocesa tem um papel
especial na história da Ordem….
O objetivo subjacente
à elaboração das Constituições de Anderson, o papel desempenhado por
Desaguiliers, a G∴ L∴ L∴ e os conflitos que se arrastaram
por quase 100 anos entre “Antigos” e “Modernos”, podem dar lugar a diversas
interpretações, mas certo é que por trás destes conflitos estavam dois
conceitos distintos da Maçonaria, que foram utilizados na disputa do trono real
britânico, pelos blocos stuartista e hanoveriano.
Parece não existirem
dúvidas, face aos historiadores e obras que temos referido, que as Lojas maçônicas
escocesas, irlandesas e inglesas foram palco da intensa luta entre estes dois
blocos, que no fundo apoiavam duas concepções religiosas distintas, a católica
e protestante. Também pode não ter sido ocasional, que o Papado só tenha
apresentado a sua primeira Bula (“In Eminenti Apostolatus Specula”) contra
a Maçonaria, quando já era evidente que a luta entre os dois Blocos pendia para
os protestantes (hanoverianos) e a derrota definitiva dos Stuarts se resumia a
uma questão de tempo. Todavia este assunto é por demais vasto, exigindo elevada
preparação e estudo, para que possa ser tratado nestas breves e humildes notas.
Pelas análises dos
historiadores que citamos, nomeadamente Steveson e Eric Ward, a teoria
da “transição”, parece não ter suporte documental fidedigno, pelo menos
analisando historicamente os dois países onde mais se enraizava, a Inglaterra e
a Escócia.
Parece também não
existirem dúvidas de que as Constituições de Anderson da G∴ L∴ L∴, traduziam uma versão
mais universalista e agregadora da Maçonaria, rompendo com as versões mais
tradicionalistas, que eram a base da Maçonaria católica stuartista.
Em reação a esta visão
mais progressista (à época) organizaram-se mais tarde os “Antigos”. Esta polêmica
entre “Antigos” e “Modernos” durou cerca de 100 anos, mas o
enfraquecimento progressivo da G∴ L∴ L∴ e a pressão do establishment real
acabaria, também por pressão adicional da revolução francesa e dos receios por
ela provocados na monarquia britânica, de proporcionar a fusão das duas, originando
a G∴ L∴ U∴ I∴ – Grande Loja Unida de Inglaterra, com predominância
inequívoca dos valores dos “antigos”.
O estudo das origens,
é fundamental para uma melhor compreensão da Ordem. No entanto a sua análise,
contribuindo para a nossa progressão individual a caminho do conhecimento e da
Luz, só alcançará o seu sentido último, se alavancar o nosso trabalho no mundo
profano.
Termino citando Jean
Mourges (14):
“Independente da
interpretação das origens, a Augusta Ordem deverá conservar dois
princípios, sem os quais não será Maçonaria:
Os Maçons são
construtores. Crêem na possibilidade de estabelecer uma Ordem Social ou em todo
o caso de contribuir para estabelecê-la “e:
“Escolher os
construtores que, entre eles, saibam elevar-se acima das querelas das Escolas,
já que a perfeição da ordem Coletiva repousa na qualidade dos homens chamados a
construí-la”.
Salvador Allende –
R∴ L∴ Ocidente
Bibliografia
“The-Origins-of-Freemasonry-Scotland-s-Century-1590-1710”
– David Stevenson – Cambridge University Press, 1988
“A Maçonaria e o
Nascimento da Ciência Moderna -O Colégio Invisível” – Lomas, R. – Madras
Editora Lda, 2007
“The-Secret-History-of-Freemasonry-Its-Origins-and-Connection-to-the-Knights-Templar”
– Paul Naudon – 2005
“Les Origines de la
Maçonnerie Spéculative” – Roger Dachez, revista “Renaissance”
“The Genesis of
Freemasonry” – Douglas Knoop e G.P. Jones” – Manchester University Press – 1947
“Maçonaria
Especulativa e Sir Robert Moray” – José Marti
Blog + Sites da Loja
Ocidente – http://a2ocidente.blogspot.pt
“El Nacimiento del
Escocismo” – Louis Trébuchet (www.masoniclib.com)
“Isaac Newton and the
Scientific Revolution, Christianson, G. Oxford University Press.
“Sir-Robert-Moray-Freemason”
– Robert Lomas
“El Rito Francês
Moderno” – Guillermo Fuchslocher,
Los Oficios y Los
Oficiales de La Logia” – Daniel Berésniak
“La Masoneria” –
Armando Hurtado
“La Pensée Maçonnique
-Une Sagesse pour Occident” – Jean Mourges – Éditions P.U.F. – 1998