O que é a vida?
Quando se considera o
universo e a vida que nele habita somente como um acidente cósmico sem sentido
nem finalidade, perde-se o norte da própria existência. Para que, então se
preocupar com os rumos do mundo e o próprio destino individual se, se façamos o
que façamos nada disso tem uma finalidade? Se tudo se perde, irremediavelmente,
na voragem do tempo?
Será a vida apenas um
fenômeno físico-químico que um acidente cósmico um dia produziu? Ou terá ela
sido produzida como parte de algum projeto que envolve, não somente o seu
próprio desenvolvimento, mas um plano bem maior, de escala cósmica? E se cada
vida fosse o elo de uma corrente que transmite, no tempo e no espaço, a energia
criadora que faz do universo um ser vivo e convergente, que por dentro e por fora
se metamorfoseia e vai adquirindo contornos e qualidades que no fim, servem á
uma finalidade definida por uma Mente Universal?
São exatamente essas as perguntas e as elucubrações feitas pela Maçonaria,
quando se interroga pelo sentido da vida. Um dos graus do Ritual coloca
exatamente essa questão quando pergunta: “De onde viemos? O que somos? O que a morte fará de nós? Que é o
homem? É apenas um átomo, gestado no corpo da mulher e que progressivamente se organiza
se harmoniza em suas inúmeras partes? Que cresce, pensa, cai, transforma-se e
volta á causa primária, deixando apenas reminiscência de sua última forma ou
conservando uma partícula essencial, mutável e mortal? [1]
Nesse questionamento a
Maçonaria enfrenta a questão metafísica que tem desafiado a mente humana
através de toda a sua história de vida. Afinal, somos apenas uma sombra que passa
um fenômeno despregado de qualquer sentido, que um dia aconteceu no universo
como resultado de causas exclusivamente naturais, ou ele é o desvelar de uma
Vontade que se manifesta e percorre um longo processo evolutivo que começou, um
dia, num átomo que rompeu, por um processo ainda desconhecido, os limites da
matéria inanimada?
Um maçom não pode acreditar na hipótese materialista, advogada na tese que
sustenta ter a matéria às condições suficientes para explicar todos os
fenômenos existentes no universo, inclusive a vida. Porque, se adotar essa
crença, estará negando qualquer virtude á prática que adotou.
Se o fenômeno da vida e principalmente a do ser humano, fosse um acaso
perpetrado por leis exclusivamente naturais, “um vírus” inoculado na corrente
sanguínea do universo, como o definiu uma vez um romancista, então ele não
teria um espírito, e não se poderia falar na existência de um Criador, e nem
haveria qualquer motivo para se tentar uma união com Ele. Tudo que fazemos
nesse sentido seria apenas uma simulação fantasiosa. É nesse sentido que
Anderson, em suas Constituições, diz: “um
maçom é obrigado a obedecer à lei moral; e se ele bem entender da arte, jamais será
um estúpido ateu nem um libertino irreligioso.” [2]
Um processo dirigido
Se os materialistas
estivessem certos, toda religião, bem como toda prática iniciática não passaria
de uma distração infantil, que mentes incapazes de conviver com a
realidade desenvolvem para mitigar a incômoda impressão de que a nossa
existência não tem qualquer finalidade além daquela que os nossos sentidos nos
indicam.
Mas, felizmente, temos
razões para pensar que as coisas não são assim; que nós não somos apenas
matéria desprovida de espírito, seres organizados por leis naturais que só
obedecem ao determinismo dos grandes números. O surgimento da vida em meio á
matéria universal, como está a indicar a metáfora bíblica da Criação, é fruto
de um processo dirigido e bem elaborado por quem o projetou e o controla, ou
seja, O Grande Arquiteto do Universo.
Mais uma vez é o grande
Teilhard de Chardin que nos socorre nessa visão, mostrando como o surgimento da
vida resulta de uma síntese que a união dos átomos transforma em moléculas, e
estas, também por um processo de sínteses cada vez mais elaboradas, dão origem
ao fenômeno humano.
Em páginas de
extraordinária lucidez e envolvente poesia, esse grande pensador escreve: “Aqui
reaparece, á escala do coletivo, o limiar erguido entre os dois mundos da
Física e da Biologia. Enquanto se tratava apenas de um processo de mesclar as
moléculas e os átomos, podíamos, para explicar os comportamentos da Matéria,
recorrer ás leis numéricas da probabilidade, e contentarmo-nos com elas.
A partir do momento em
que a mônada, adquirindo as dimensões e a espontaneidade superior da célula,
tende a se individualizar no seio da plêiade, desenha-se um arranjo mais
complicado no Estofo do Universo. Por duas razões, ao menos, seria insuficiente
e falso imaginar a Vida, mesmo tomada em seu estágio granular, como uma espécie
de fervilhar fortuito e amorfo.” [3]
Quer dizer: a vida não
surgiu no universo como surgem as bactérias em um processo de fermentação. Ela
é, sim, o resultado de um processo, mas esse processo está longe de ser regido
apenas pelas leis da natureza. Ela surge como consequência de um processo
dirigido como se fosse alguém, em uma cozinha, ou um laboratório, trabalhando
para fazer um bolo, ou para destilar uma bebida.
Nesse processo as
bactérias surgem como resultado do processo empregado e não como obra do acaso,
ou da evolução natural do processo. Por isso a notável argúcia do nosso jesuíta
complementa o seu pensamento dizendo: “(…) os inumeráveis componentes que
compunham, nos seus inícios, a película viva da Terra, não parecem ter sido
tomados ou juntados exaustivamente ou ao acaso. Mas a sua admissão nesse
invólucro primordial dá antes a impressão de ter sido orientada por uma
misteriosa seleção ou dicotomia prévias (…).” [4]
Recordando Plotino
Deus é a causa atuante de
todas as coisas existentes no universo. Essa foi a intuição que inspirou o
filósofo Plotino há quase dois milênios atrás: “Imagine uma enorme fogueira
crepitando no meio da noite,” escreveu ele. “Do meio do fogo saltam centelhas em
todas as direções. Num amplo círculo ao redor do fogo a noite é iluminada, e a
alguns quilômetros de distância ainda é possível ver o leve brilho desta
fogueira.
À medida que nos
afastamos, a fogueira vai se transformando num minúsculo ponto de luz, como uma
lanterna fraca na noite. E se nos afastarmos mais ainda, chegaremos a um ponto
em que a luz do fogo não mais consegue nos alcançar. Em algum lugar os raios
luminosos se perdem na noite e se estiver muito escuro não vamos enxergar nada.
Nesse momento, contornos e sombras deixam de existir”.
“Agora imagine a
realidade como sendo esta enorme fogueira. O que arde é Deus – e as trevas que
estão lá fora são a matéria fria, onde a luz está fraca, da qual são feitos
homens e animais. Junto a Deus estão as ideias eternas, as causas de todas as
criaturas. Sobretudo, a alma humana é uma centelha do fogo. Mas por toda a
parte na natureza aparece um pouco desta luz divina. Podemos vê-la em todos os
seres vivos; sim, até mesmo uma rosa ou uma campânula possuem um brilho divino.
No ponto mais distante do Deus vivo está a matéria inanimada.” [5]
Plotino (205-270 e. C) é
considerado o fundador da escola neoplatônica. O Gnosticismo deve a ele algumas
de suas concepções mais originais, especialmente a ideia de que o verdadeiro
conhecimento não pode ficar apenas no terreno intelectual, mas exige uma
experiência direta dos sentidos com aquilo que se propõe a conhecer. É nesse
sentido que se pode colocá-lo como precursor das chamadas escolas iniciáticas,
ou seja, grupos que desenvolviam rituais com a finalidade de ”sentir” as
próprias realidades que idealizavam.
Plotino é um dos
inspiradores de famosos mestres do misticismo como Mestre Eckhart, Papus,
MacGregor Mathers, Eliphas Levy e outros. Os autores maçons lhe votam um grande
respeito e os modernos gnósticos vêem nele um precursor das teses científicas
que descrevem o universo como um organismo único que se constrói através de uma
rede de relações. Suas palavras são por demais eloquentes e não necessitam de
comentários explicativos. Se o universo existe é porque tem uma causa de
existir: essa causa é Deus.
Os rituais maçônicos e a
doutrina da Cabala
Por isso é que os rituais
maçônicos fazem muitas especulações sobre o sentido da vida e o papel que nós
exercemos na construção da Obra do Criador. Essas especulações nos levam á
conclusão de que nós não somos meras relações estatísticas derivadas de
interações ocasionais ocorridas na matéria física, sem qualquer conteúdo
finalístico, como pensam os adeptos do nihilismo, mas sim, unidades conscientes
do todo amorfo, que só ganha forma e consistência na medida em que nós mesmos
vamos encontrando o nosso lugar no desenho estrutural do universo. [6]
E com isso a Maçonaria
canta um dueto bem afinado com a doutrina da Cabala. Para os cabalistas, nosso
corpo é como uma lâmpada que se acende em meio a um quarto escuro. Brilhamos
por um tempo iluminando o espaço que nos cabe como jurisdição. E quando o
combustível, que é a energia encerrada em nossas células se esgota, apagamos.
O corpo é o filamento que
canaliza a energia e quando ele deixa de ter condição para hospedá-la, ela o
abandona. Mas a energia, como mostra a lei de Lavoiser, não se perde nem se
extingue. Ela só se transforma. Ela continua a existir mesmo depois que a
lâmpada que a refletia se extingue.
Essa energia acenderá
outras lâmpadas que também brilharão por algum tempo e depois se apagarão. Cada
uma a seu tempo, preenchendo o vácuo e realizando a missão que lhe cabe. Assim
a vida nos aparece como uma estrada cheia de luzes que se apagam e se acendem á
medida que o tempo passa por elas e avança para o futuro.
Por isso encontraremos
nos rituais maçônicos, que tratam especificamente desse tema, expressões do
tipo (…) Sois uma parcela da vida universal, um germe que apareceu em um ponto
do espaço infinito. Vosso ser sofreu inconscientes transformações. Tivestes
sensações, depois ideias incoerentes, que mais tarde, foram se tornando
precisas. Por fim vos considerastes capaz de perceber a verdade. Esta é a luz
que vistes.
A humanidade levou
séculos incontáveis antes de percebê-la. Nós consideramos o estado atual da
nossa espécie sem que saibamos se ela está em seu começo, ou se prestes a
alcançar o seu fim, e sem conhecermos seu destino, nada compreendemos do mundo
a qual ela pertence (…).[7]
Dessa forma, Cabala e
Maçonaria concordam que o sentido de cada vida que vivemos é fornecer o seu
“quanta” de luz para a construção da Obra de Deus. E por essa razão poderemos
viver várias vidas. Nasceremos e morreremos tantas vezes quantas forem
necessárias para a complementação dessa obra. Por isso Jesus disse: “Assim
deixai a vossa luz resplandecer diante dos homens, para que vejam as vossas
boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus.” [8]
Pois não é com asas que
se sobe aos céus, mas com as mãos. Pela simples e singela razão contida nessa
metáfora, os maçons adotaram a profissão do pedreiro como símbolo da sua Arte.
[1] O Cavaleiro do Arco
Real- pgs. 14 -15 REAA
[2] As Constituições,
citado, pg 12.
[3] O Fenômeno Humano,
citado, pg. 94.
[4] Idem, pg. 95-Imagem
de Teilhard de Chardin. Fonte Enciclopédia Barsa
[5] Jostein Garner. O
Mundo de Sofia, Companhia das Letras, São Paulo, 1995. Na imagem, o filósofo
Plotino.
[6] Nihilismo é a
doutrina filosófica que coloca o questionamento do sentido da vida perante um
universo que parece ser indiferente á tudo que nos acontece. É uma atitude de
pessimismo e ceticismo perante a possibilidade de que a vida tenha aparecido no
mundo para cumprir algum propósito. Nega todos os princípios religiosos,
políticos e sociais, definindo-os apenas como atitudes dos sentidos, dirigidos
para a necessidade de preencher o vazio da existência. Este conceito teve
origem na palavra latina nihil, que significa “nada”. O principal arauto dessa
doutrina foi o filosofo alemão Nietszche. Sartre retomou esse tema nas suas
obras “ O Ser e o Nada” e “a Náusea”.
[7] Cf. o ritual Grau
14-REAA pg. 17/18.
[8] Mateus, 5:16.
Fonte: http://omalhete.blogspot.com.br/2016/09/a-maconaria-e-o-sentido-da-vida.html