As discussões bíblicas
sempre ocuparam um lugar de destaque nas minhas elucubrações intelectuais.
Possuo a Bíblia em mais de 15 línguas, do hebraico ao coreano, passando pelo
esperanto e pelo afrikaner.
Há uns 10 anos atrás,
depois de velho, comecei a estudar hebraico para tentar ler no original o
Antigo Testamento.
Sempre me intrigou a
divergência sobre a palavra Booz ou Boaz, citada várias vezes em inúmeros
livros da Bíblia. 25 no Antigo Testamento e 2 no Novo Testamento. Pela minha Concordância
Bíblica (Sociedade Bíblica do Brasil, Brasília: 1975, pg. 107) são 21 citações
em Rute, uma em 1 Reis, 2 em Primeiro Crônicas, 1 em Segundo Crônicas, 1 em
Mateus e 1 em Lucas. Para efeitos de simplificação vou considerar somente Rute
(Rt 2,1) e o nome de um par de colunas que se encontrava na frente do templo de
Salomão (1 Rs 7,21).
O livro de Rute tem
como subtítulo Rute nos Campos de Booz (ou Boaz dependendo da versão): “Noemi
tinha um parente por parte de seu marido, pessoa importante, do clã de
Elimelec, cujo nome era Booz”, Bíblia de Jerusalém, São Paulo: Ed. Paulinas,
1980, pg. 415. Em latim da Vulgata: “erat autem vir Helimelech consanguineus
homo potens et magnarum opum nomine Booz”, Bíblia Sacra – Iuxta Vulgatam
Versionem, Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1983, pg. 359.
O livro de 1 Reis:
“Ergueu as colunas diante do pórtico do santuário; ergueu a coluna do lado
direito, à qual deu o nome de Jaquin; ergueu a coluna da esquerda e chamou Booz
(ou Boaz)”, Bíblia de Jerusalém, São Paulo: Ed. Paulinas, 1980, pg. 518. Em
latim da Vulgata: “et statiot duas columnas in porticum in porticum templi
cunque statuisset columnam dexteram vocavit nomen eius Iachin similiter erexit
columnam secundam et vocavit nomen eius Booz”, Bíblia Sacra – Iuxta Vulgatam
Versionem, Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1983, pg. 468.
Depois de uns 4 meses
de aula perguntei à minha professora Zahava de hebraico o que era בֹּעַז
(leia-se obviamente da esquerda para a direita com os sinais massoréticos
criados pelos estudiosos judeus a partir do século VIIº d. C. para ajudar a
grafar as informações transmitidas oralmente) e ela singelamente me disse:
Boaz.
Ai foi a minha vez de
novamente perguntar: o que significa Booz? Ela espantada: o que é isso? Retruquei
que era uma forma alternativa para a palavra Boaz. Ela riu e me disse: Isso não
é hebraico, pois nele não existem vogais [somente os sinais massoréticos] e
muito menos dobra de vogais, a não ser em nomes próprios ou estrangeirismos.
Resolvida a questão
com a dona da língua, passei a tentar entender por que o Booz (corrupção da
palavra Boaz) penetrou no Ocidente. Entrei em contato com a Bíblia de
Jerusalém, reputada de ter os maiores exegetas e conhecedores da Bíblia no
mundo, em Paris, pois nos seus textos bíblicos sempre empregou a palavra Booz.
Encontrei um
especialista de erudição beneditina e lhe perguntei: qual é o certo Boaz ou
Booz? Respondeu-me serenamente: claro que é Boaz. Retruquei na hora: por que a
Bíblia de Jerusalém emprega a palavra errada ou corrompida: Booz? Ao que
candidamente me respondeu: dado que São Jerônimo traduziu a Bíblia para o latim
como Booz, a Igreja manteve a tradição até os dias atuais...
Como é de conhecimento
geral, São Jerônimo terminou a versão denominada Vulgada da Bíblia, em latim,
traduzido do grego e do hebraico, no ano 405 d.C. Era para os cristãos desde
então, a versão universal da Bíblia até a Reforma quando Lutero traduziu a
Bíblia para o alemão, rompendo com o monopólio católico e da língua latina.
A tradução de Lutero
para os dois textos acima já emprega o Boaz.
Veja-se o título do
capítulo dois de Rute: “Rut liest Ähren auf dem Feld des Boaz” e a citação: “Es
war aber ein Mann, ein Verwandter des Mannes der Noomi, von dem Geschlecht
Elimelechs, mit Namen Boaz; der war ein angesehener Mann”, Die Bibel nach
Martin Luthers übersetzung, Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1985, pg.
281.
O texto de 1 Rs 7,21
é: “Und er richtete die Säulen auf vor der Vorhalle des Tempels; die er zur
rechten Hand setzte, nannte er Jachin, und die er zur linken Hand setzte,
nannte er Boas“, Die Bibel nach Martin Luthers übersetzung, Stuttgart: Deutsche
Bibelgesellschaft, 1985, pg. 359.
A versão inglesa do
Rei James (Kings James Version – KJV) mantém o Boaz já que os protestantes não
tinham por que manter a tradição de São Jerônimo. O capítulo de Rute
apresenta no título a seguinte versão: “Ruth Works in the Field of Boaz” e o
versículo é o seguinte: “And Naomi had a kinsman of her husband's, a mighty man
of wealth, of the family of Elimelech; and his name was Boaz”, Bible KJV.
O
versículo de 1 Reis 7,21 é o seguinte: “And he set up the pillars in the porch
of the temple: and he set up the right pillar, and called the name thereof
Jachin: and he set up the left pillar, and he called the name thereof Boaz”,
Bible KJV.
A versão portuguesa da
Biblia traduzido por João Ferreira de Almeida reza: “Tinha Noemi um parente de
seu marido, senhor de muitos bens, da família de Elimeleque; o qual se chamava
Boaz”, Bíblia, Sociedade Bíblica do Brasil, Brasília, 1969, pg. 288.
O versículo de Reis é
o seguinte: “Depois levantou as colunas no pórtico do templo, tendo levantado a
coluna direita, chamou-lhe Jaquim; e tendo levantado a coluna esquerda,
chamou-lhe Boaz”, Bíblia, Sociedade Bíblica do Brasil, Brasília,
1969, pg. 365.
Conclusão: o correto é
a palavra Boaz, visto que pelo exposto, a vertente católica da Bíblia usa o
Booz numa homenagem tradicional a São Jerônimo; os protestantes, principalmente
os anglo-saxônicos e germânicos por não terem a carga da tradição, usam a
palavra certa.
EPÍLOGO MAÇÔNICO
Em época de
globalização já é tempo da maçonaria brasileira ver o que acontece no resto do
mundo em relação às colunas do Templo de Salomão: Boaz e Jakin. Não há mais
desculpas de erros elementares depois da Internet.
O primeiro ritual
maçônico publicado no mundo de forma clandestina que causou comoção foi Masonry
Dissected de Samuel Prichard em 1730. Na página 18 desse repositório de
informações do século XVIII está lá a palavra em letra maiúscula: BOAZ.
Ainda
no século XVIII, os maçons ingleses, com o clássico Three Distinct Knocks (Três
Batidas Distintas) de 1760, já diziam: “the senior and junior Warden have each
of them a Column in their Hand, about Twenty Inches long, which represents the
two Columns of the Porch at Solomon´s Temple. Boaz and Jachin”.
Dois anos depois em
1762, o best seller que desvendou os mistérios dos modernos trazia no seu
título, em letras garrafais, o recado: Jakin and Boaz.
Em seguida, os
franceses, já agora no século XIX também atacam de Boaz. Possuo uma série de
Thuileurs (Rituais) franceses do século XVIII e XIX, sendo que o mais famoso e
raro é o de Delaunaye que apresenta diversas palavras em hebraico com o nome
corrompido e o nome retificado:
Noms
corrompus Noms rectifiés Leur signification BOOZ BOHAZ en Force.
Os ingleses
desconhecem o Booz que é uma invenção, como se viu acima da Igreja Católica.
Desconheço algum livro anglo-saxônico que empregue a palavra Booz.
Agora em
tempos mais recente, o clássico Bernard E. Jones, uma das maiores autoridades
inglesas em maçonaria afirma que: “the pillar was named after Boaz...”.
Os norte-americanos, a
começar pelo controverso Albert Pike, também desconhecem o que é Booz. O
erudito Pike no seu clássico Moral and Dogma pontifica: ”the word Boaz is בעז
".
Ainda nos
norte-americanos, suas duas melhores enciclopédias sobre assuntos maçônicos
desconhecem a palavra Booz. Robert Mackey na sua Enciclopédia de Maçonaria, no
verbete Boaz (inexiste o Booz) declara que: “Boaz. The name of the left hand
pillar that stood at the porch of King Solomon´s Temple”. Henry Wilson Coil no seu afamado Coil´s Masonic
Encyclopedia no verbete Boaz que faz remissão aos Pillars and Columns apresenta
o seguinte verbete: The Two Pilllars or Columns, Jachin and Boaz, with their
Pannels.
A
revista Philalethes da Sociedade Philalethes nos EUA fundada em 1928 e que
congrega os estudiosos da maçonaria norte-americana também só usa Boaz conforme
se observa no artigo sobre “The Great Pillar” do Ir. Harry L. Haywood: “the
names 'jachin' and 'boaz' by which the two pillars at Solomon's Temple were
known, were in each instance a Hebrew form of those old Semitic root-terms. The
Hebrews had their own language, religion, culture, but they all had come to
them by inheritance, to a large extent, from the older peoples of the Near
East, just as our own language, religion, and culture, thought it is peculiarly
our own, came to us from Europe and Britain”.
Harry Carr, o José
Castellani britânico, apresenta várias citações com Boaz e nenhuma com Booz.
A maior e mais antiga
Loja de Pesquisas Maçônicas do mundo, a Quatuor Coronati de Londres publicou
até hoje 118 volumes dos seus Ars Quatuor Coronatorum, iniciados em 1886.
Compulsando o índice geral de minha coleção completa anotei mais de 20 citações
sobre Boaz e nenhuma sobre Booz.
E para terminar, os
modernos acadêmicos maçons franceses também atacam de Boaz. Daniel Ligou no seu
Dictionnaire de la Franc-Maçonnerie no verbete Boaz: “Seconde colonne du Temple
que l´on traduit généralement par ‘dans la force’. Sur le symbolisme
general.Cf; Colomne, Temple”.
Todas as Bíblias
maçônicas nos EUA, que são versões do Rei James (KJV), constam a palavra Boaz.
Autor Desconhecido
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