OS DETRATORES DA MAÇONARIA


À época do recebimento do convite de um dileto amigo para avaliar a possibilidade de entrar para a Ordem Maçônica, creio ter experimentado o mesmo comportamento de inúmeros candidatos que se socorrem, num primeiro momento, da fonte secundária de pesquisas representada pela rede eletrônica mundial de informações à procura de subsídios para fundamentar a decisão que se esboçava ainda com certo grau de insegurança. 

Quanto à lisura, honestidade e reputação irrepreensível do portador do convite não me restavam dúvidas. Ademais, a sua condição de Maçom já era do meu conhecimento e suas atitudes já me haviam evidenciado a nobreza do caráter constatado em nossas atividades comuns à frente de um importante Clube de Serviço do qual participamos. 

A confirmar as minhas percepções, reforçava ainda este diagnóstico as atitudes de vários outros associados desse mesmo Clube, que também eram Maçons, e vez por outra os surpreendia fazendo um ou outro comentário a respeito de algum assunto “estratégico”, que logo desconversavam ao amparo da metáfora de que havia “goteira” no recinto.

Portanto, a dúvida que me assaltava decorria mais de algum preconceito recôndito, fruto de desinformação ou mesmo de ausência de provocação para instruir-me a respeito do assunto, à míngua de um convite mais retumbante, como o ocorrido em uma segunda e terceira investida desse amigo de sempre.

Pressenti, naquela oportunidade, que a situação exigia uma posição mais assertiva de minha parte e acelerei minhas “pesquisas” sobre a temática, recorrendo a algumas obras de referência. De tudo li um pouco. Contra e a favor. Das mais sublimes loas às mais exaltadas detrações. 

Refleti sobre as várias correntes e concluí que era uma busca insólita o conhecimento cabal do mister. Não seria possível entender toda a ritualística, simbolismo e riqueza de conteúdo sem mergulhar no clima e na vivência das dinâmicas que evoluem das sutilezas da literatura e dos estudos filosóficos envolvidos.

Por outro lado, não me pairavam incertezas quanto ao mérito e qualidades exponenciais daqueles companheiros de trabalho voluntários, sempre unidos e vibrantes, quando enalteciam os valores e propósitos da Ordem, no sentido de tornar melhores as pessoas. Concluí, assim, que era uma honra ser o destinatário de tal convite e, apoiado pela esposa, dei o sinal para que os proclamas corressem.

Decisão tomada . Documentação organizada . Diligência realizada. Data agendada. Preparativos tomados. Iniciação concluída. Missão assumida. 

Na senda dos estudos e trabalhos encetados veio aquela conclusão que já é comum a quase todos que se aventuram nessa experiência transformadora: por que não comecei um pouco antes? Mas a sabedoria dos Irmãos sempre serve de consolo: “tudo tem a sua hora, o seu momento. Siga o seu caminho, procure a Verdade”!

A partir de então, passamos a nos ver no plural e os estudos sempre despertam novos temas e pesquisas, a princípio orientados pelos Irmãos mais experientes, mas em dado momento nos coloca na vanguarda dos próprios interesses dado o universo que se abre de novas perspectivas, vez que cada Maçom escolhe e desenvolve o seu caminho evolutivo, de forma individual, sem nenhuma interferência da Ordem, não se evidenciando uma busca dirigida da Verdade, por ferir princípio da liberdade de pensamento e do livre arbítrio. O Maçom, como livre pensador, tem compromisso com a livre investigação da Verdade e, nesse contexto, reflete sobre assuntos de vital importância para a compreensão da história.

Quando se abraça uma causa ou ideia parece-nos que se canalizam energias ou despertamos a sensibilidade para vislumbrar as minudências de um determinado ângulo de observação sobre um tema ou objeto de reflexão até então desprezado ou mesmo desconhecido, mas não inédito. E provocações, questionamentos e inquietações em todos os sentidos se apresentam.

Frente a essa escolha, deparei-me com algumas posturas mais combativas de pessoas amigas e mesmo familiares que passaram a questionar-me os motivos de minha adesão à Ordem e que tipo de vantagem tal situação me proporcionaria, considerando-se que não há unanimidade de opiniões favoráveis e sobram comentários às vezes depreciativos ou mesmo curiosidades sobre mistérios acalentados ou cobertos por compromisso de sigilo.

Vicejam, ainda, questionamentos ridículos, eivados de má-fé, muitos ao nível de sabotagem, porém, sempre lastreados na ignorância e na incapacidade de entender com clareza conceitos como liberdade de pensamento, busca de conhecimento e livre-arbítrio.

Nesta toada, vale abrir espaço para reportamo-nos aos recorrentes comentários sobre antigos conflitos com a Igreja, à época impeditiva da aproximação das duas instituições, e que somente os mais desinformados não realizaram que tais questiúnculas já foram superadas.

As fronteiras estão bem mais claras e as informações bastante democratizadas: a Maçonaria trabalha pelo aperfeiçoamento do homem, com foco na moral e na ética social, e a religião prega a salvação do espírito. A Maçonaria está aberta a qualquer religião, mas exige de seus seguidores a crença em Deus e a condição de justos e de bons costumes. Ademais, os tempos são outros, tanto no aspecto social quanto no legal, não havendo guarida para infantilidades e outro disparates. 

No mesmo embalo, sobressai a particularidade de a Maçonaria se constituir em um grupo fechado e eminentemente masculino. O argumento não subsiste ao efeito comparativo de uma empresa, que tem faculdade de selecionar e recrutar seus servidores, e não apenas receber aqueles que se apresentam voluntariamente exigindo uma colocação.

Neste caso, é preciso haver um convite e avaliação dos demais membros de uma Loja, que funciona como uma empresa, com todas as obrigações legais decorrentes. No que se refere à característica masculina, trata-se de uma condicionante histórica e se funda nos princípios do Rito Escocês Antigo e Aceito.

Existem diversos outros Ritos, que amparam Lojas Femininas e Mistas, mas que não são amplamente divulgadas, pelo número ainda reduzido e também pela forma discreta de abordagem. E os Ritos são apenas caminhos. A derradeira comparação com o futebol é clássica, pois existem times masculinos e femininos, nos quais a atuação daqueles ainda é mais destacada.  

Nessa hora, é decisivo ancorarmo-nos no histórico de vida e da coragem moral sustentada pelos valores e exemplos de realizações que nos precedem e que despertam o respeito e consideração de interlocutores mais afoitos. Nada como honra ilibada, probidade inconteste e o reconhecimento para fazer valer um bom argumento sobre uma boa causa. Aliás, é bom ressaltar que esses se constituem nos condicionantes para o recebimento do convite supramencionado, pois a força da Maçonaria reside na seleção rigorosa de seus integrantes.

Os ensinamentos maçônicos norteiam os estudos e os argumentos necessários a um sólido processo de convencimento, pois proporciona o aprimoramento da tolerância, a compreensão do verdadeiro amor ao próximo e à Pátria, despertando o interesse e exaltando a necessidade de trabalho pela felicidade do gênero humano e à consagração da solidariedade como a primeira das virtudes. O que para uma pessoa não iniciada na Ordem possa ser uma qualidade rara, no Maçom é o cumprimento elementar de um dever.

Nessa seara não se pode olvidar todo o contraditório que acompanha a saga da Maçonaria desde sua organização como entidade operativa nos primórdios da Idade Média e reformulação como especulativa nos anos vinte do Século XVIII. Também não se pode desmerecer a contribuição de destacados Maçons aos grandes e decisivos movimentos da história, combatendo a ignorância, o despotismo, na luta incessante pela liberdade, igualdade e fraternidade, indispensáveis à felicidade e à emancipação progressiva e pacífica da humanidade. 

Eventuais argumentos que possam desviar para a existência de segredos ou teorias conspiratórias se revelam mais de cunho preventivo ou de base para reforço de preconceitos, em face de divagações deletérias não combatidas pelos Maçons menos preparados ou mesmo para servir de vantagem comparativa para obreiros ainda imaturos em relação àqueles não iniciados, que somente contribui para reforço argumentativo dos detratores da Ordem. 

Esses tão propalados mistérios são fruto de imaginação e se evidenciam com maior ardor por se tratar de dificuldade de se expressar, com palavras, sentimentos inefáveis que emanam das fases de aprimoramento do culto à virtude e combate aos vícios inerentes ao ser humano, que é o escopo a ser perseguido diuturnamente. 

Nesse particular, se vislumbra extremamente doloroso falar sobre os próprios defeitos ou fazer o “mea-culpa”, em especial quando se é exigido um comportamento exemplar e este se constitui no esteio do Movimento. Tal dificuldade é enfrentada por diversas instituições, que muitas vezes procura acobertar as mazelas de seus representantes mais vistosos, por dificuldade de encontrar os argumentos cabíveis ou mesmo pela proteção decorrente do “espírito de corpo”.

Mas, como se diz no popular “colocar o dedo na ferida” ou apertar “onde dói o calo” é condição sine qua non para reverter esses antagonismos. Reconhecer que aqueles vícios tão combatidos, como a vaidade, o orgulho arrogante, a prepotência, a soberba, a negligência, dentre outros menores, são comuns entre vários apologistas e seguidores da Ordem, é o passo inicial para seguimento dos princípios de uma severa moral. Cavar masmorras bem profundas para enterrá-los definitivamente exige o exercício daquela dose de sacrifício necessária ao cumprimento dos deveres que elevam o homem aos próprios olhos e o torna digno de sua missão sobre a Terra.

E é sempre pelo ideal, e só por ele, que os Maçons se sacrificam sob pena de se tornarem traidores dos compromissos assumidos de devotamento e de obediência aos princípios de uma severa moral. Para isso se apoiam no lema: “a sabedoria não está em castigar os erros, mas em procurar-lhes as causas e afastá-las”.

É forçoso reconhecer que em várias situações “o inimigo mora ao lado” e não precisamos procurar ao longe para identificar as causas de muitos dos problemas enfrentados no cotidiano das Lojas. Como ocorre em várias empresas, a falha, na maioria das vezes, se situa no recrutamento e seleção dos candidatos. Daí a importância da observação e cautela nas diligências encetadas para aquilatar o grau de qualificação e valores demonstrados pelos possíveis interessados. 

Qualquer procedimento mais sumário de escolha, com vistas a manter ou repor os quadros de uma Loja, pode redundar em danos irreversíveis, decorrentes do comprometimento dos valores tão caros à Ordem, facultando a entrada de pessoas despreparadas ou em busca de vantagens pessoais.

Tal cenário tende a se consumar em face de comprometimento da continuidade das Lojas, pela falta de reposição planejada dos obreiros, da canibalização entre as Lojas, de ausência de medidas de retenção daqueles que se iniciam ou no descuido com o clima de permanente busca do crescimento, redundando na perda de interesse ou mesmo de deturpação dos mesmos, ou da famigerada acomodação à ritualística, pela falta de aprofundamento nos estudos assinalados.

O sucesso e o fortalecimento das colunas de sustentação de uma Loja demandam de seus dirigentes ações no sentido de identificar, preparar e manter reserva de obreiros prontos a assumir os cargos em qualquer situação imprevista. Para tal fim, torna-se de bom alvitre aproveitar as eventuais ausências dos oficiais para fazer rodízio de treinamento dentre aqueles são ocupantes de cargos, mesmo que visitantes, uma vez que a condição de Maçom vinculado a uma Loja é apenas para fins de organização burocrática, considerando-se que a condição de pertencer à Ordem é pré-requisito para atuar em qualquer célula, quando regularmente atuante.

Não é de todo descabido afirmar que a falta de quadros para suprir cargos, notadamente em sessões de iniciação, elevação e exaltação pode ser considerado um ponto fraco a ser combatido com urgência, vislumbrando-se horizontes de comprometimento de continuidade dos trabalhos e possibilidade e tombamento das colunas de sustentação da Loja.

Obreiros motivados, que têm oportunidade de contribuir na ritualística em Loja, que se esmeram em apresentar trabalhos no “Quarto de Hora de Estudos” são o sustentáculo da Ordem, pois são estes que, na maioria das vezes, apresentam candidatos movidos pelos mesmos sentimentos de crescimento e diferenciação na vida pessoal demonstrado pelos Maçons ativos e cidadãos exemplares no seu convívio social e profissional. Importa destacar que, à medida que o obreiro se aperfeiçoa, ganham seus familiares, colegas de trabalho e amigos.

Despiciendo citar-se teóricos da administração moderna para concluir-se que dos Veneráveis Mestres se demanda a mesma habilidade necessária a um coach(treinador) do mundo esportivo, no sentido de incentivar e ajudar os obreiros a desenvolver atitudes e habilidades de gestão para aumentar a eficiência e efetividade dos trabalhos sob sua tutela.

Nessas condições, com a devida vênia, podemos deduzir que os detratores não estão todos lá fora, podendo estar sorrateiramente ancorados entre as colunas de uma Loja, disputando cargos e criando “panelinhas”, conspirando contra aqueles atuantes e bem intencionados. Isso, sem aprofundarmos na desmoralização causada por aqueles que não se portam como exemplos de cidadania, chefes de família, ou mesmo que destacam por um ou outro vício repreensível, que mancha a honra própria e respinga nos outros Irmãos. Nesse ponto a Maçonaria sabe cortar na carne. Mas é tema para outro trabalho.

Finalmente, é pacífico o entendimento de que temos parcela de culpa fundada em posturas de acomodação ou desinteresse de muitos dirigentes que não pensam à longo prazo e se mostram omissos à frente dos ideais e desafios lançados pelos nossos geniais antecessores, que se sacrificaram por visões e forjaram as bases desse magnífico movimento de construção permanente do Templo Moral das Virtudes representado pela Maçonaria Especulativa. 


Autor: Márcio dos Santos Gomes 
M M da Loja Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG 


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