A MAÇONARIA NA CHINA


 

Acabo de ler um estudo feito por um instituto de pesquisas econômicas, informando que próximos cincos anos o PIB (Produto Interno Bruto) da China deverá ultrapassar o dos Estados Unidos.

Isto quer dizer que a China, hoje a segunda potência econômica do mundo, logo será a primeira, se é que já não é. E dentro de vinte anos os americanos vão ficar para trás em relação aos chineses, também em termos de PNB (Produto Nacional Bruto).

Bem, abstraindo-nos do fato de que PIB ou PNB não significa necessariamente riqueza, nem qualidade de vida, pois a China tem uma população cinco vezes maior que a dos Estados Unidos, o exemplo chinês leva-nos a fazer algumas reflexões. Talvez seja o momento de reler um pouco da filosofia chinesa, expressa principalmente no Tao Te King, de Lao Tse, nos Anacletos de Confúcio e a Arte da Guerra, de Sun Tzu.

Alguém poderá perguntar o que isto tem a ver com a Maçonaria. Eu tenho resposta para isso, mas levaria tempo e gastaria muito espaço para transcrevê-la aqui, porque implica no desenvolvimento de uma tese que envolve filosofia, história e noções de sociologia que certamente cansaria o leitor deste artigo e não vem ao caso para o objetivo para o qual ele foi escrito.

Apenas gostaria de lembrar aqueles que conhecem a Maçonaria, que as figuras de Lao Tse e Confúcio fazem parte do simbolismo da Cripta dos Filósofos e compõem as Oito Colunas da Sabedoria, estudadas num dos últimos graus do Rito Escocês Antigo e Aceito. Então, se os autores do REAA colocaram como matéria de estudo a filosofia desses sábios chineses, algum motivo há de haver [1].

O meu enteado, um jovem engenheiro recém-formado, aceitou um convite para ir trabalhar na montagem de uma fábrica de papel na China. Quando lá chegou mandou as suas primeiras impressões que resumo no seguinte:

Foram os chineses que inventaram o papel; mas agora estão chamando brasileiros e alemães para montar fábricas para eles. Esperam tornar-se o primeiro produtor mundial de papel nos próximos dez anos.

Os chineses estão acostumados com furacões, tufões, terremotos e outros cataclismos do gênero. Faz parte do dia a dia deles.

Falam uma dúzia de dialetos, alguns deles tão diferentes uns dos outros, quanto o português e o guarani. Mas todos se entendem de alguma forma.

A maioria dos chineses nunca ouviu falar de Jesus Cristo. Não sabem que “sobre a terra, a nenhum outro foi dado poder para salvar os homens”, como disse o Apóstolo Paulo.

A China parece ser outro planeta. Ele surpreendeu-se com o fato de os chineses serem tão dinâmicos quanto disciplinados. O que quer dizer: são esquentados por fora e tremendamente frios por dentro. A China parece um imenso caldeirão fervilhante pelo lado de fora, alimentado por um fogo frio pelo lado de dentro.

No homem ocidental é fácil ver quando ele está feliz ou infeliz; quando está alegre ou triste; nervoso ou tranquilo, sossegado ou com raiva. Transparece na fisionomia dele. As pessoas, no ocidente, têm uma linguagem não verbal extremamente explícita.

O que nós não verbalizamos, mostramos na nossa postura corporal. O chinês não. Parece uma estátua de pedra. O seu rosto é uma esfinge. E impossível ler na sua linguagem corporal qualquer mensagem neurolinguística.

Compreendo a perplexidade de um ocidental quando é posto frente a frente com a cultura tradicional do chinês. Afinal, um povo que conseguiu conciliar taoísmo com confucionismo e marxismo é realmente um fenômeno que merece uma boa reflexão.

O Taoísmo é a filosofia fundada por Lao Tse, um sujeito que viveu no século V antes de Cristo. E uma doutrina profundamente naturalista que procura seguir a linha do chamado não agir. Não agir significa não deixar que tudo aconteça naturalmente.

E, antes de tudo, acompanhar o curso da natureza, integrar-se com ela, não como um organismo que luta contra ela, para mudá-la, mas para se adaptar a ela, na melhor forma possível. O Tao, diz Lao-Tse, é como o rio. Ele segue naturalmente o seu curso. Se encontra obstáculo no seu caminho, ele não luta contra ele, contorna-o.

Toda ação provoca uma reação em sentido contrário. Deste movimento de ação e reação o universo tira o seu equilíbrio. Por isso o mundo se equilibra entre duas forças potencialmente iguais e contrárias: Yin e Yang, o positivo e o negativo. O equilíbrio natural está no meio. Quando se alcança este equilíbrio encontramos o Caminho Perfeito. Eliminar as tensões é o grande segredo do sucesso em qualquer empreendimento. Por maior agitação que se encontre aqui fora, é preciso manter a calma interior. Esta é a sabedoria do Taoísmo.

Como é possível ao chinês praticar uma filosofia dessas? Bom, diz Confúcio: através da disciplina, do respeito à autoridade constituída, honrando os ancestrais e trabalhando duro. Ou seja, respeitando a tradição, aprendendo com o passado e aceitando as coisas naturalmente. A tendência é sempre o mundo buscar um ponto de equilíbrio. E ele encontra-se sempre na absoluta imobilidade.

Confúcio também viveu no século V a.C. Lao Tse e Confúcio são os nomes mais proeminentes da filosofia chinesa. A maioria dos chineses de hoje talvez nem os conheça, mas ainda vivem segundo os seus ensinamentos.

Quer dizer: viveram mais dois milênios exclusivamente de acordo com eles. Até que no século XX o alemão Karl Marx (que já tinha morrido há mais de um século) chegou à China com a doutrina de que o trabalho é o único elemento que agrega valor. E o único capital que merece ser remunerado.

Todo o resto é acumulação indevida. Esta ideia caiu como uma luva para os líderes de um bilhão de pessoas que trabalhavam com disciplina, respeito à autoridade e honra ao passado. Um bilhão de operários e camponeses cujo único capital era justamente a sua capacidade de trabalho. Era o que eles precisavam para montar o comunismo chinês, que é igual aos demais regimes totalitários na teoria, mas é diferente na intenção e na execução.

Ainda tem mais. O filósofo mais lido da atualidade (não só na China, mas no ocidente também), é Sun Tzu, um general chinês do século VI d C., que ensina que o segredo do sucesso em qualquer empreendimento é a estratégia, a dissimulação e a surpresa.

Juntando tudo isso, o guerrilheiro Mao Tsé-Tung criou uma doutrina, venceu o regime imperial, expulsou os estrangeiros colonizadores e implantou o regime comunista na China. Tendo como matriz essas doutrinas ele montou o comunismo chinês com uma combinação bem bizarra: o naturalismo dos taoistas, o conservadorismo dos confucionistas e o materialismo pragmático dos marxistas.

Mas hoje Mao Tsé-Tung é apenas um personagem da história chinesa. Ninguém fez dele um deus, nem sequer um herói, como os russos de antes da queda do regime comunista fizeram com Marx e Lenin. Na União Soviética, depois que o comunismo foi extinto como regime de estado, as estátuas desses “deuses” dos proletários também foram derrubadas a golpes de martelos e picaretas. Os mesmos instrumentos com os quais eles demoliram os “os deuses” do capitalismo. É mania dos povos ocidentais fabricarem deuses e depois se livrarem deles. Somos deístas e iconoclastas por natureza.

Mao não virou um deus. Há quem goste dele, há quem não goste. Mas não há uma igreja Maoísta, nem altares consagrados a ele. Afinal de contas, a China não tem um Deus. Aliás, há muito que a China já abandonou o Maoísmo a favor de uma espécie de nacional socialismo que combina capitalismo de estado para fins de produção e socialismo marxista para fins de organização do estado e distribuição de renda.

Fato espantoso —, disse um amigo meu que passou um tempo na China — a religião dos chineses não tem um Deus. Pelos menos não da forma como nós o entendemos. Embora existam entre eles cristãos, budistas, muçulmanos, e outras crenças levadas para a China pelos colonizadores, a grande maioria dos chineses ainda se mantém aferrada às suas tradições shenistas [2].

Isto explica, penso eu, por que Mao é hoje apenas um personagem histórico. Para os chineses homens não são deuses. Podem tornar-se shens bons ou ruins em virtude das suas atuações na vida. Os homens fazem coisas boas e ruins. As coisas são boas quando trazem felicidade para o povo, são ruins quando não trazem. O resto é história.

Afinal, o que é a história e o que ela nos reserva? Devemos acreditar nos historiadores? Os marxistas sustentavam que o capitalismo iria fazer desmoronar os regimes do ocidente porque traziam no seu seio o próprio germe da destruição, que era a alienação do trabalhador do resultado do seu trabalho.

Os historiadores liberais afirmavam que o comunismo era um regime antinatural porque eliminava o principal móvel da atividade humana: a sua ambição. O liberalismo imperou na China no tempo da colonização inglesa. Depois que o regime imperial acabou e os comunistas tomaram o poder, o marxismo foi a doutrina imperante. Hoje, ninguém fala mais em Marx nem em Adam Smith na China.

Afinal, certo é o que dá resultado. O resto é só filosofia. O crescimento da China é hoje um fenômeno que espanta o mundo. Crescimento econômico com liberdade vigiada. Um regime socialista criando uma sociedade de consumo? Paradoxal em termos de lógica clássica, mas perfeitamente aceitável em termos de psicologia social.

Há quem critique e há quem exalte o modelo chinês. Isto é normal. Não existe regime perfeito, nem ideal. O que hoje parece bom amanhã também o será? E o que hoje parece ruim, amanhã quem o pode saber? Afinal segundo a moderna ciência atômica, só de uma coisa neste mundo nós podemos ter certeza: que existe um princípio de incerteza a reger o desenvolvimento da vida do nosso universo. Tudo pode ser e não ser ao mesmo tempo. Tudo depende da posição de quem observa o fenômeno. Ou de quem o está vivendo.

Tudo isto é muito interessante e leva-nos a algumas reflexões. O Tao Te King tem um verso que diz; “Não será o espaço entre o céu e a terra um gigantesco fole? Esvazia-se sem se exaurir. Inesgotável. Quanto mais trabalha, mais alento produz. Muitas palavras esgotam-se sem cessar e conduzem ao silêncio. Aferrando-se ao vazio protegemos o nosso ser interior e o mantemos livre?’

Era mais ou menos o que dizia Sartre: tudo que fazemos destina-se a preencher um espaço, que sem as nossas ações seria apenas um imenso vazio.

Afinal, no fundo todos os sistemas de pensamento convergem para um único objetivo: encontrar o sentido da vida e criar modelos para que ela se torne cada vez mais prazerosa. O resto resume-se em tentativas que os homens fazem para pôr em prática esses modelos.

Voltando à Maçonaria, podemos dizer: O importante é ser livre para aprender. Livre para confrontar todas as ideias e acontecimentos sem crucificar nem endeusar absolutamente nada nem ninguém. Para receber todas as experiências como aprendizagem, sem precisar transformá-las em culto. Isto é o que ensina a Maçonaria.

Bom é o que útil, certo é o que dá resultado. Disposição para estudar e tolerância para agasalhar todas as tendências e visão para enxergar as diferenças. E, principalmente, sabedoria para escolher o que mais nos serve. Se quisermos acreditar nos Mestres que organizaram o Ritual dos graus superiores do REAA, nessa filosofia está inserta a boa Maçonaria.

O Taoísmo e o Confucionismo são bons momentos de sabedoria que o bom povo chinês legou à humanidade.

O Marxismo, que na origem hospedou uma romântica concepção libertária e igualitária, tornou-se, na prática, um regime totalitário e castrador. O ideal de liberdade, igualdade e fraternidade que inspirou os seus idealizadores foi sufocado pela ambição daqueles que assumiram o poder em nome do grupo vencedor.

A propósito, a Maçonaria já foi bastante forte na China, durante o período colonial. Mas depois que o comunismo foi implantado ela praticamente desapareceu do território chinês. O que ainda resta da Arte Real entre os chineses sobrevive na ilha de Taiwan. Isto é próprio dos regimes totalitários, que abomina toda e qualquer organização de defende a liberdade de pensamento. Aqui fica a pergunta que tem sido feita desde que os primeiros grupos humanos começaram a se organizar: existirá uma ordem social perfeita? Será que algum dia liberdade, igualdade e fraternidade conseguirão coexistir num mesmo sistema?

João Anatalino Rodrigues

Notas

[1] Particularmente o grau 32, no qual a Cripta dos Filósofos é estudada. A esse respeito, veja-se a nossa obra “Mestres do Universo”, publicada pela Ed. Biblioteca 24×7

[2] A tradição religiosa chinesa pode ser definida como uma espécie de panteísmo naturalista que cultua um tipo de divindade conhecida como “os shens”. Estes podem ser espíritos da natureza, heróis nacionais, semideuses e até animais mitológicos como dragões e tigres. É uma tradição religiosa bastante sincrética, que integra elementos de taoísmo, confucionismo e budismo, reunidas sobre o título popular de shenismo.

Bibliografia

A Arte da Guerra- Sun Tzu- Ed. Sextante, Rio de Janeiro, 2008

Tao Te Ching- Lao Tse -Ed Pensamento, São Paulo, 1978 – Os Analectos- Confúcio- Ed. Cultrix- São Paulo, 1995.

 

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