A Luz está nos cegando?
Em nossos rituais, no cerimonial solene de abertura dos trabalhos,
proclamamos com convicção várias palavras bonitas e cheias de moralidade da
qual qualquer um se orgulha em dizer. Nos reunimos em loja para combater males
como o obscurantismo, o fanatismo e os preconceitos. Todos os maçons sabem do
que eu estou falando e estas não são meras palavras decoradas, mas um juramento
perante o Volume da Lei Sagrada. É um compromisso com a Razão, com a Tolerância
e, acima de tudo, com a construção de um mundo melhor.
No entanto, ao fecharmos o Livro da Lei e retornarmos ao mundo profano,
quantos de nós, IIr∴, verdadeiramente
vivemos esse preceito? Em um tempo de polarização extrema, onde o Brasil e o
mundo se veem divididos entre “nós” e “eles”, é nosso dever, como MAÇONS,
conduzir uma profunda e corajosa investigação de consciência.
As linhas a seguir não são críticas à política partidária, a direita ou
esquerda, a Lula ou Bolsonaro, mas uma crítica aos próprios maçons e um alerta
sobre o fanatismo – um vírus que corrói os alicerces de nossa
sociedade e, preocupantemente, tem encontrado abrigo até mesmo dentro de nossos
próprios Templos.
O que a Filosofia nos ensina sobre o fanatismo
Para combater um inimigo, é preciso primeiro conhecê-lo. E a filosofia
ilumina a natureza sombria do fanatismo de forma magistral.
Eric Hoffer, em “O Verdadeiro Crente”, nos mostra que o fanático raramente
é movido por um amor profundo por sua causa, mas sim por uma frustração
pessoal e um vazio existencial. Ele busca escapar de seu “eu” insignificante
fundindo-se em uma massa, em um movimento. O ódio a um inimigo comum – o outro
lado político – é a cola que une esse grupo. O fanático não defende
ideias; ele ataca aqueles que são diferentes.
Friedrich Nietzsche, com sua percepção afiada, identifica no fanatismo o
sintoma do ressentimento. É a raiva do fraco contra o forte, a inveja
daquele que, se sentindo impotente, nega os valores que não pode alcançar.
A “certeza inabalável” do fanático, longe de ser sinal de força, é
um grito de insegurança interior. Como Nietzsche alertou em “A Gaia
Ciência”, a ferocidade do fanático é frequentemente uma tentativa
desesperada de calar suas próprias dúvidas.
Karl Popper, defensor da sociedade aberta, via o fanatismo como a antítese
do pensamento crítico. O fanático opera uma lógica tribal e maniqueísta: o
mundo é dividido entre o bem puro (o seu grupo) e o mal absoluto (os
opositores). Não há espaço para debate, nuance ou autocrítica. A verdade já
está estabelecida, e qualquer questionamento é visto como traição.
Por fim, Hannah Arendt, ao estudar o totalitarismo, demonstrou como o
fanático substitui a realidade factual pela ficção ideológica. Ele vive em
um universo paralelo, onde fatos são ignorados ou distorcidos para se encaixar
na narrativa do grupo. A lógica interna do movimento torna-se mais real do que
a própria realidade.
O trágico e brutal assassinato do influenciador político americano Charlie
Kirk é um exemplo extremo e horrendo desse fenômeno. As manchetes globais
noticiaram a morte de Kirk baleado na frente de uma multidão, entre eles, suas
filhas e esposa assistiam a tudo de camarote, tudo filmado e as imagens
correram o mundo.
O tiro foi dado por Tyler Robinson, um suposto extremista de esquerda. As
investigações revelaram mensagens do suspeito confessando o crime à namorada,
motivado por um ódio ideológico profundo.
O pior de tudo são os comentários de pessoas dizendo que ele merecia esse
destino, por suas ideias que não condizem com as dessas pessoas.
Outros comentários não menos assustadores, são de pessoas que defendiam as
ideias de Kirk que desejam o mesmo destino as pessoas que eram contra as ideias
dele.
Este episódio é um alerta global. Mostra a culminância do processo
de desumanização do outro. Charlie Kirk não era visto por seu algoz como
um ser humano com família, amigos e convicções. Ele era apenas um símbolo,
uma abstração a ser eliminada em nome de uma causa. É a materialização do
pensamento maniqueísta: “Se você não é por nós, é contra nós, e merece ser
destruído”.
É profundamente paradoxal e trágico que isso tenha partido de alguém que,
supostamente, estaria inserido em um espectro que prega amor, igualdade e
liberdade. Isso nos prova uma lição crucial:
O fanatismo não tem ideologia.
Ele é uma patologia da mente, um método de pensamento que pode corromper
qualquer causa, por mais nobre que seus princípios originais possam ser. O
fanatismo de esquerda que prega o extermínio do opositor é tão doente e
condenável quanto o fanatismo de direita que faz o mesmo. Ambos são a face da
mesma moeda: a irracionalidade.
O fanatismo entre Colunas: uma hipocrisia à prova do mundo profano
E nós, maçons? Estamos imunes a esse vírus?
Quantos de nós, após as sessões ritualísticas onde pregamos a fraternidade
universal, acessamos nossas redes sociais para compartilhar notícias falsas,
discursos de ódio, e xingar, diminuir e até desejar a morte àqueles que pensam
diferente? Quantos de nós vemos um Irmão que vota em “A” ou “B” e,
secretamente, questionamos não suas ideias, mas seu caráter, sua honra ou seu
direito de ser maçom?
Esta é a grande hipocrisia que precisamos combater. Ser maçom
não é sobre em quem você vota. É sobre como você pensa, debate e convive
com a divergência. O fanatismo político dentro da Maçonaria é um OXÍMORO,
uma contradição em termos. Ele vai contra tudo o que juramos defender:
- Contra
a Tolerância: O fanático não tolera; ele apenas suporta até que possa
eliminar a divergência.
- Contra
a Razão: O fanático rejeita fatos e lógica em favor de dogmas e
narrativas.
- Contra
a Fraternidade: Como pode haver fraternidade com quem você deseja
morto, preso ou exilado?
- Contra
a Liberdade de Pensamento: O fanático quer liberdade apenas para suas
próprias ideias, nunca para as dos outros.
Ao agirmos assim, não estamos apenas falhando como cidadãos;
estamos falhando como maçons. Estamos profanando nossos próprios
juramentos. O mundo profano está inundado de ódio. A Maçonaria deve ser
o último bastião do diálogo racional, o Templo onde Colunas de força
sustentam um teto de tolerância, onde podemos discordar com veemência, mas
sempre nos lembrar de que do outro lado da trincheira ideológica está
um Irmão, um igual, um ser humano.
Considerações finais
O combate ao fanatismo não é um dever abstrato. É uma batalha diária,
interna e externa. Começa com um exame de consciência individual:
- Autocrítica: Eu
me informo por fontes diversas ou vivo em uma bolha que só confirma meus
vieses?
- Humanização: Eu
consigo enxergar a pessoa por trás da opinião política? Consigo debater
sem desrespeitar?
- Dúvida: Tenho
a humildade de duvidar das minhas próprias certezas? Lembro-me de que a
busca pela verdade é eterna e nunca está completa?
- Ação: Na
minha Loja, eu promovo o diálogo ou o conflito? Corrijo um Irmão quando
ele profere um discurso de ódio, independente de ser do “meu” ou do
“outro” lado?
O antídoto maçônico para o fanatismo é a aplicação prática de nossas
ferramentas simbólicas: o Esquadro da Retidão e da Razão, o
Nível para agir com equidade; o Compasso que delimita nossas
paixões e nos mantém dentro dos limites do respeito; e o Malho que,
com persistência e junto ao Cinzel que é o direcionamento, deve
desbastar a pedra bruta de nosso próprio fanatismo interior.
Devemos honrar nossos juramentos. Não apenas recitá-lo em Loja, mas
vivê-lo no mundo. Devemos ter tolerância e viver a verdadeira fraternidade em
meio à tempestade do ódio. construir pontes, não muros; a semear o
diálogo, não o ódio; e a lembrar que, acima de tudo, somos Irmãos.
Autor: Aislan Fabrício Nunes da Silva Pansardis
*Aislan é membro da A∴R∴L∴S∴ Templários da Paz, n° 3969, Oriente de São José dos
Campos-SP.
Bibliografia
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Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza, São Paulo: Companhia
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- K.
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- J.
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[Online]. Available: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/jose-fucs/a-turma-do- amor-e-o-assassinato-de-charlie-kirk/.
[Acesso em 17 092025].
- E.
HOFFER, O verdadeiro crente: pensamentos sobre a natureza dos movimentos
de massa
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