A primeira
referência que um maçom encontra ao participar de uma seção em Loja Simbólica é
o salmo 133.
Esse salmo, que é
chamado “cântico de romagem de Davi” supostamente teria sido composto pelo
famoso rei de Israel, quando se encontrava sitiado por tropas inimigas e
precisava dar aos seus comandados uma âncora que os mantivesse unidos e lhes
proporcionasse a confiança necessária para lutar pela sua pátria e a sua
crença.
O fato de os maçons
terem adotado essa oração para ancorar a abertura de seus trabalhos em Loja de
Aprendizes se explica pelo fato de a Maçonaria estar centrada em três
fundamentos básicos que lhe dão suporte e fundamento.
O primeiro é a ideia
que está no núcleo central da sua própria existência como instituto cultural.
Essa ideia é a de que uma ordem social perfeita só pode alcançada quando há
pessoas com espíritos adequadamente preparados para implantá-la e,
principalmente, para defendê-la e preservá-la.
Essa ideia só pode
ser realizada através da união entre as pessoas mais preparadas e comprometidas
com a ordem social. É uma união que se faz “interpares” e que se realiza
através da estratégia da Confraria. É nesse sentido que a invocação ao Salmo
133 realiza esse propósito:
“Como é bom e
agradável viverem Irmãos em harmonia. É como o óleo precioso, que unge a cabeça
de Aarão, do qual escorrem gotas para sua barba, e daí para suas vestes. É como
o orvalho do Hermon, que vem cair sobre as montanhas do Tsión, como bênçãos
ordenadas pelo Eterno. Sejam elas perpetuadas em sua vida”.
Isso quer dizer que todos os maçons são iguais
e entre eles deve reinar a harmonia. Por isso, a virtude da Confraria, que se
traduz na congregação dos Irmãos reunidos em Loja se realiza no simbolismo
desse salmo, que consagra a união fraternal. Na luta por um ideal, no respeito
por uma crença, na confiança da realização de um objetivo.
A Cadeia da União O
segundo fundamento é a prática que resulta da aplicação da Cadeia da União.
Essa prática concita os membros da Confraria maçônica a se unir para servir a
sociedade, como se esta fosse a sua própria família. Aqui está implícita a
virtude da Fraternidade, que é outra divisa consagrada pela Ordem.
É esse espírito
fraterno, simbolizado no próprio ambiente gerado pela Loja que resulta em uma
egrégora, captando e distribuindo entre os Irmãos a energia que ali circula.
Daí a oração final, de encerramento das seções, fechando a Loja Simbólica. ─ Ó
Gra .·. Arq .·. do Univ.·., fonte fecunda de Luz, de Felicidade e Virtude, os
OObr.·. da Arte Real, congregados neste Augusto Templo, cedendo aos movimentos
de seus corações, Te rendem mil graças e reconhecem que a Ti é devido todo bem
que fizeram. ─ Continua a nos prodigalizar os Teus benefícios e a aumentar a
nossa força, enriquecendo as nossas CCl .·. com OObr.·. úteis e dedicados. ─
Concede-nos o auxílio das Tuas Luzes e dirige os nossos trabalhos á perfeição.
Concede que a Paz, a Harmonia e a Concórdia sejam a tríplice argamassa com que
se ligam as nossas obras.
E por fim a instituição, que é a própria
organização conhecida como Maçonaria, pessoa jurídica organizada a nível
internacional, que congrega milhões de cidadãos em todas as partes do mundo,
irmanados por uma promessa, um código de conduta, uma tradição mística e um
ideal comum, que é a defesa da Liberdade, da Igualdade entre as pessoas e a
Fraternidade entre os povos do mundo.
Essa proposta está
consagrada nas palavras finais de encerramento dos trabalhos da Loja Simbólica
do Aprendiz, através da pergunta feita pelo Venerável Mestre ao Primeiro
Vigilante e da consequente resposta deste: ─ VEN.·. Para que nos reunimos aqui?
─ 1º VIG .·. Para combater o despotismo, a ignorância, os preconceitos e os
erros. Para glorificar a Verdade e a Justiça. Para promover o bem-estar da
Pátria e da Humanidade, levantando templos á virtude e cavando masmorras ao
vício.
Essa tradição está
fundamentada na Bíblia. Em Êxodo, 28, 1:2, encontramos a informação de que
Moisés consagrou o Tabernáculo na forma como o Grande Arquiteto do Universo lhe
havia ordenado, santificando depois a Aarão e seus filhos como primeiros Sumos
Sacerdotes de Israel.
Depois espargiu
sobre a cabeça de Aarão o óleo precioso, que escorreu para suas vestes,
descendo ate ás orlas do seu vestido. Assim, na sagração do Tabernáculo e na
unção do seu sacerdote, consumou-se a União que doravante deveria existir entre
Jeová e seu povo, União essa que seria sacramentada toda vez que o povo eleito
se reunisse em Assembleia.
Nesse cerimonial,
presidido por Moisés no deserto, aconteceu, pois, a instituição da Loja
israelita, com todo o sentido simbólico que ela representa. Os maçons, no
simbolismo do seu ritual, nada mais fazem do que evocar a mística dessa
cerimônia para consagrar a reunião da sua própria Loja.
A força da egregóra,
essa é a disposição que também encontramos no estudo e na prática da Cabala.
Como diz M. MacGregor Mathers, no preâmbulo da Kabbalah Revelada, de Von
Rosenroth: “Grande importância é dada ao ideal de fraternidade.
A potência da
fraternidade sempre foi um fato essencial em uma ordem oculta, separada do seu
ideal altruísta; há também o espiritual e o físico. Qualquer quebra na harmonia
de um círculo permitirá a entrada de uma força oposta. “Um espiritualista
experiente testemunhará a favor da verdade desta afirmação.”
Quer dizer: tanto
na Cabala, quanto na Maçonaria, é a força da egregóra que leva o grupo á
consecução do seu objetivo. O processo assim o exige, pois como já
anteriormente declarado, a lei que rege a formação do universo é a Lei da
União.
A Cabala explica
esse simbolismo da seguinte forma: a barba do Macroprosopo (Deus manifestado
como realidade física) simboliza o fluxo de energia que nasce na primeira
sefirá e percorre toda a Árvore da Vida (símbolo do universo), unificando a
totalidade das realidades existentes no mundo.
Como se sabe, a
Árvore Sefirótica, desenho mágico-filosófico com a qual os cabalistas explicam
a formação do mundo é uma representação simbólica do universo como realidade
macro e projeta o seu reflexo no homem como realidade micro.
Por outro lado,
sabemos que a palavra barba, em hebraico se escreve Hachad. Por aplicação da
técnica chamada guematria essa palavra, quando decomposta em suas letras, tem
valor numérico igual a 13. (A=1, CH=8, d=4 = 13).
Esses valores correspondem às
partes da barba do Macroprosopo, também chamado de Andrógino Superior, Vasto
Semblante e Adam Kadmon, imagem usada pelos mestres cabalistas para designar a
Energia Divina que se espalha pelo espaço cósmico, gerando a realidade que nós
conhecemos como Universo.
Na Siphra
Dtzeniovtha, (O Livro do Mistério Oculto, parte do Sefer há Zhoar, Bíblia
cabalista), se diz que “da barba, menciona-se que não é feita nem criada. Esta
é o ornamento do todo. Ela procede dos ouvidos e tem o aspecto de uma
circunferência que se expande constantemente pelo espaço aberto, enquanto seus
caracóis sobem e descem. Está dividida em treze partes que pendem com treze
adornos.”
Nesse estranho e enigmático texto os mestres
cabalistas querem dizer que a barba do Macroprosopo é a energia que unifica o
total existente no Cosmo, fazendo dessa totalidade dispersa uma unidade, ou
seja, um Universo.
Ela procede do ouvido porque o universo é
feito através das combinações das letras do alfabeto sagrado (o hebraico) e o
Nome Inefável de Deus. Tem o aspecto de uma circunferência porque esta é a
forma geométrica que o Grande Arquiteto do Universo escolheu para dar formato
ao universo físico. Essa é uma das razões de a Maçonaria ter na Geometria um
dos objetos do seu culto.
É circunferência
que se expande pelo espaço aberto, exatamente como faz o universo físico em sua
expansão. Caracóis que sobem e descem são as ondas e partículas, formas de
energia com a qual a matéria universal é produzida. As treze partes são os doze
signos do Zodíaco, pelos quais a ciência antiga dividia o universo, mais a
parte sutil, o Pleroma, o espaço divino, de onde tudo emerge.
Sendo a energia que
unifica ela (a barba do Macroprosopo) é a argamassa que dá liga ao mundo para
que ele se torne um organismo único. É o símbolo da União. Para os antigos
israelitas a invocação desse salmo designava o espírito de unidade e a
fraternidade que devia imperar entre o povo de Deus.
Essa Irmandade era
simbolizada pela barba de Aarão, cujo corpo era tido como uma imagem da Árvore
da Vida, na qual o fluxo da energia divina percorria desde a cabeça (a sefirá
Kether) até a orla dos seus vestidos, ou seja, os pés, representados pela
sefirá Malkuth ( o universo físico ).
Assim, o Salmo 133,
na verdade, é um simbolismo que está centrado em um segredo arcano de
extraordinário significado e a Maçonaria, ao adotá-lo na abertura de suas Lojas
não está apenas contemplando a ideia da Fraternidade pura e simples, mas
realizando o objetivo cósmico de integração total de todas as emanações da
energia divina.
Trata-se, na
verdade, de um mantra poderoso, uma âncora fundamental para o eliciamento da
energia cósmica necessária para a formação da egrégora maçônica. Que os Irmãos,
ao ouvirem o Orador pronunciá-lo na abertura de suas reuniões tenham em mente
essa informação, para melhor aproveitamento espiritual dessa invocação.
NOTAS.
A Loja Simbólica se
refere ás seções previstas para os três primeiros graus, ou seja, os graus de
Aprendiz, Companheiro e Mestre.
Texto conforme a
Bíblia Hebraica, traduzida Por David Gorodovits e Jairo Fridlin- Editora e
Livraria Sefer Ltda. São Paulo, 2015. Para uma interpretação mais pormenorizada
do simbolismo do salmo 133, ver a nossa obra “ O Tesouro Arcano”, publicada
pela Editora Madras, 2013.
Egrégoros, do grego
“egrêgorein” são esferas de energia, emanadas dos pensamentos emitidos pelos
indivíduos agrupados e ligados mentalmente por um objetivo comum. Aqui o termo
é usado como símbolo de corrente energética.
Cf. o Ritual do
Aprendiz. As abreviações seguidas de três pontos se referem á Deus (O Grande
Arquiteto do Universo) e á Colunas e Obreiros, que se referem á Maçonaria e
seus membros, no jargão maçônico.
Idem, Ritual do
Aprendiz.
A Kabbalah
Revelada- Ed. Madras, 2004
Por isso o
simbolismo da “Cadeia da União” que é renovada a cada seis meses, através da
transmissão da palavra semestral.
As sefirots (no
singular sefirá) são esferas de energia segundo a qual Deus se manifesta para
formar o universo físico. São em número de dez e constituem o que, na Cabala,
se chama a Árvore Sefirótica, ou Árvore da Vida. São várias as formas de
escrever essa palavra em português.
Neste trabalho
usamos a forma adotada no livro” Cabala e seu Simbolismo”, de Gerson G.
Shollen, traduzido por Hans Borger e J.Guinbusrg, publicado pela Ed.
Perspectiva, São Paulo 2015. AKabbalah Revelada, citado, pg. 89.
Por João Anatalino