JURAMENTO OU COMPROMISSO?


 

Nos chamados ritos teístas, o juramento substitui o compromisso adotado pela Maçonaria Moderna.

Esta prática de “jurar” vem dos antigos maçons medievais e o juramento, conservado na maioria dos Ritos Contemporâneos, tem permitido um constante ataque à Instituição. Apesar das variantes, permanecem as ameaças e críticas a este sistema teológico.

Na segunda edição de 1730 da Masonry Dissected, de Samuel Pichard, temos:

“Prometo e juro solenemente aqui e na presença de Deus Todo Poderoso e diante desta respeitável Assembleia a qual reverencio, que manterei oculto e não revelarei nunca os segredos dos maçons nem da Maçonaria que me serão revelados, a não ser que seja para um verdadeiro e leal Irmão, depois da devida comprovação ou em Loja Justa e Perfeita, na qual se reúnam os Irmãos e Companheiros.
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Ademais, prometo não escrever, imprimir, gravar, etc. sobre madeira ou pedra, de tal maneira que qualquer vestígio de uma letra possa aparecer, permitindo que o segredo seja revelado de forma ilícita.
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Tudo isto sob pena de ser degolado, a minha língua arrancada, meu coração extirpado pelo lado esquerdo para depois ser enterrado nas areias do mar, a determinada distância da praia, quando a maré efetue o seu fluxo e refluxo duas vezes em 24 horas; que meu corpo seja reduzido a cinzas e espalhadas sobre a face da terra, de tal modo que não reste a menor lembrança minha entre os maçons. Que Deus me ajude.” [1]

Esta forma teatral tinha por finalidade gravar no inconsciente do candidato as suas responsabilidades e deveres, numa época em que a prática civil e criminal assim o estabelecia.

Na introdução ao nosso trabalho Maçonaria – Um Estudo da sua História, afirmamos:

“Na realidade, esta fórmula de juramento era exigida pelo Direito Inglês pelos idos dos séculos XVII e XVIII. O perjúrio deveria ter queimadas as entranhas, atiradas ao mar, .etc.. [2]

O próprio Anderson, na segunda edição das Constituições – 1738 – esclareceu o propósito das ameaças, deixando claro que a solenidade do juramento nada acrescentava à obrigação, ou seja, o juramento obrigava por si só, existisse ou não a penalidade. [3]

Fica claro que o segredo e o juramento remontam à Maçonaria Operativa, acorde com os costumes profanos da época, atitude esta continuada em 1717.

Quando juramos, estamos invocando a divindade como testemunha. Este juramento pode ser assertivo quando procura atestar a veracidade de uma declaração, ou promissório, quando atesta que alguém cumprirá uma promessa.

Parece ser um antigo costume adotado pela Maçonaria teísta jurar com a mão levantada:

“Levanto a minha mão ao Senhor, Deus Altíssimo, senhor do céu e da terra. “ [4]

“Introduzir-vos-ei na terra que, com a mão levantada jurei dar a Abraão, a Isaac e a Jacó, e lhe darei em possessão hereditária. Eu, o Senhor. “ [5]

“Na verdade, ao céu levanto a minha mão e digo: “Eu vivo eternamente!” [6]

Felizmente não adoptamos o juramento solene prestado com a mão do promitente sobre os órgãos genitais do outro, considerando a fonte da vida, um objeto sagrado:

“Disse Abraão ao servo mais antigo da sua casa, o administrador de todos os seus bens: Põe, te rogo, a tua mão debaixo da minha coxa, e jura-me pelo senhor, Deus do céu e da terra…“ [7]

“Sentindo Israel avizinhares-lhe o tempo de morrer, chamou a si o seu filho José e disse-lhe: Se encontrei favor aos teus olhos, põe a tua mão debaixo da minha coxa, e promete usar comigo de benevolência e fidelidade; por favor, não me sepultes no Egito”. [8]

Em Mateus, finalmente, é possível encontrar a ideia de que numa sociedade regenerada não há lugar para juramentos, pois a palavra de um homem é suficiente, e eu diria: principalmente a de um livre pensador moral ilibada e de bons costumes.

Atestando Mateus:

“Ouvistes mais que foi dito aos amigos: Não jures falso, mas cumpre os juramentos feitos ao Senhor. Eu, porém, digo-vos que não jureis de modo nenhum, nem pelo céu, que é o trono de Deus, nem pela Terra, que é o escabelo dos seus pés, nem por Jerusalém, que é a cidade do Sumo Rei. Nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar branco ou preto um só cabelo. Seja, pois, o vosso falar: Sim, sim, não, não, porque tudo o que passa disto procede do maligno. [9]

Portanto, se o próprio livro da Lei Maçônica nos apresenta uma interpretação clara sobre a impropriedade do juramento, por que não adotar, plenamente, o compromisso como recomenda a Maçonaria Moderna?

Parece-nos, infelizmente, que a opinião dominante se situa na direção oposta a esta recomendação. Vejamos um exemplo:

“Compromisso é a promessa recíproca, o ajuste, o acordo, o contrato, o regulamento de uma confraria. Algumas obediências e Ritos Maçônicos costumam substituir a palavra juramento por compromisso, nos trabalhos de Loja ou da Obediência. Não procede, todavia, tal alteração, pois juramento é unilateral, enquanto compromisso envolve reciprocidade; quando um candidato faz o seu juramento, está aceitando deveres para com a Ordem, não existindo a recíproca. [10]

Justamente por entender que a promessa recíproca existe entre o recipiendário e a Ordem – a Luz em troca do serviço desinteressado – é que a Maçonaria Moderna concorda com o pressuposto evangélico de que a palavra de um homem é suficiente.

Mas contundente ainda são os argumentos éticos a favor do compromisso no lugar do juramento, pois a ideia de comprometer se liga ao conceito existencialista de filosofia. Pode ser aplicado num sentido amplo, como fundamento de toda existência humana e, igualmente, num sentido mais estrito, como elemento fundamental do filósofo.

Estes dois conceitos estão interligados, pois não podemos dissociar o interesse do filósofo da existência humana.

Comprometer-se filosoficamente ou maçônicamente, pois somos filósofos na medida em que amamos a sabedoria, significa vincular intimamente a teoria com a prática: glorificando o trabalho com o desbaste da pedra bruta.

Recusar assumir o compromisso significa opor-se ao solicitado, recusando-se, portanto, a aceitar o ajuste, o polimento da mesma pedra.

Nenhum Maçom deve, enquanto, se comprometer, a menos que tenha compreendido a totalidade das proposições.

Apenas a título de exemplo histórico, devemos lembrar-nos de que a Constituição dos Estados Unidos nasceu do Grande Compromisso da Convenção de Filadélfia, e não de um juramento prestado pelos seus notáveis ideólogos, e ninguém duvida de que a América era uma terra de virtuosos protestantes.

Fundamentalmente, o compromisso deve ser entendido, racionalmente, como um consentimento, uma troca de concessões entre as partes, ou seja, um acordo. Eu me comprometo a servir pela minha tenure [11] para com a Ordem em troca da Luz, da Iniciação Maçônica.

Está em questão, portanto, este controvertido aspecto da Arte Real. A palavra final é sua.

Frederico Guilherme Costa

Notas

[1] PRICHARD, S. Masonry Dissected, being an universal and genuine description of all its Branches, from the Original to the present time, as it delivered in the constituted regular Lodges, both in City and Country, London, Byfield and Haw Keswith, 1730, pág. 12. In: Benimelli, Masonería, Iglesia e Ilustración. Vol. I, págs. 63/64. Fundación Universitaria Española. Madrid, 1982.

[2] COSTA, Frederico Guilherme. Maçonaria – Um Estudo da sua História. Ed. Maçônica “A Trolha”. Londrina/PR, 1990.

[3] MELLOR, Alec. Citado por Benimelli, op. cit., pág. 67.

[4] Gênesis, XIV, 22.

[5] Êxodo, VI, 8.

[6] Deuteronômio, XXXII, 40.

[7] Génesis, XIV, 2, 3.

[8] Génesis, XLVII, 29.

[9] Mateus, V. 33, 34, 35, 36 c 37.

[10] CASTELLANI, J- Dicionário Etimológico Maçônico, pág. 125. Editora Maçônica “A Trolha”. Londrina/PR, 1990.

[11] Dependência. “Influência dos Antigos Símbolos na Maçonaria Atual”.

Bibliografia

  • BENIMELLI, J. A. Ferrer. Masonería, Iglesia e Ilustración. Fundación Universitaria Española, Madrid, 1982.
  • BÍBLIA SAGRADA – Edições Paulinas, SP, 1969.
  • CASTELLANI, Dicionário Etimológico Maçônico. Editora Maçônica “A Trolha”. Londrina, PR, 1990.
  • COSTA, Frederico Guilherme. Maçonaria – Um Estudo da sua Editora Maçônica “A Trolha”, Londrina, PR, 1990.
  • FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – Dicionário de Ciências Sociais. Editora da Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 1986.
  • MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. Alianza Barcelona, 1984.

 

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