“As lendas que acompanhavam os mistérios e cultos dos povos antigos
giravam em torno da marcha aparente do Sol declinando para o ocaso, para
expressar, em linguagem figurada, que ele era aparentemente vencido pelas
trevas, representando na mesma alegoria o gênio do mal; mas reaparecia depois
como o herói vencedor ressuscitado.” (Figueiredo, 2009, pág. 483)
COMENTÁRIOS INICIAIS
Quantas são as passagens com as quais nos deparamos em nossos Rituais
maçônicos que aludem direta ou metaforicamente ao astro rei, o sol?
Certamente, um bom número delas. E se considerarmos
a variedade de Ritos que compõem a Maçonaria, ficará ainda bem mais difícil
quantificar isso. Assim que, seria muita pretensão querer explanar aqui nesta
sucinta peça de arquitetura todos os aspectos que envolvem um tema desta
magnitude. Então, falaremos quando muito de alguns tópicos no decorrer deste
trabalho, desde já, aconselhando aos leitores que se interessarem em saber
mais, que é imperioso reforçarem o seu aprendizado com mais leituras versando
sobre o tema.
Deidades solares, culto solar, adoração ao sol, mito solar, todas estas
expressões remetem ao passado da humanidade, sendo que, a veneração do sol e o
culto às deidades solares foram largamente praticadas durante o passado da
humanidade.
Muitas das culturas que se destacaram no decorrer dessa história podem ser
citadas quanto à prática dos cultos solares: babilônios, persas, hindus,
egípcios, romanos, chegando até o nosso continente americano com as
civilizações dos incas, dos maias e dos astecas.
A ideia de que a adoração ao sol possa ser a mais antiga das religiões
humanas, já foi compartilhada por muitos estudiosos. De qualquer forma, o sol,
por ter ocupado um lugar proeminente em muitas daquelas religiões antigas, em
forma de idolatria, ainda guarda muitos resquícios desse seu simbolismo e dessa
mitologia até mesmo em certas religiões conhecidas da atualidade.
Por outro lado, pelo menos duas daquelas culturas do mundo antigo parecem
ter alguma preponderância quanto aos aspectos que envolvem simbolismo e se
destacam, sobretudo, por suas prováveis influências na Maçonaria. Nossos
rituais revelam que no exercício da ritualística, uma parte do simbolismo ali
contido alude, por vezes, mesmo indiretamente, a alguns daqueles cultos, os
quais foram praticados por antigos povos, dos quais, citamos como exemplos, os
persas e os egípcios.
Um daqueles antigos cultos, o culto iniciático de Mitra, em algumas das
suas práticas revela possuir algumas similaridades com a Maçonaria, mas, não é
uma posição de consenso entre os estudiosos, essa sua influência, por isso, a
razão de usar o termo “indiretamente” logo acima. Muitos dos cultos praticados
na antiguidade desapareceram, outros evoluíram, ou até, ganharam novas
roupagens.
Um pouco das origens sobre o mito solar e uma mostra dessa influência
provinda dessas duas civilizações que foram citadas, será o leitmotiv do
trabalho a ser desenvolvido na sequência.
O SOL: AS REFERÊNCIAS NA BÍBLIA E A CONCEPÇÃO DOS HEBREUS
Conforme o teólogo R. N. Champlin, no Antigo Testamento, as referências ao
sol chegam ao número de 120. No Novo testamento, a palavra para referir-se ao
sol (do grego helios) é usada cerca de 33 vezes. (Champlin, 2008, pág. 260)
A título de ilustração, é muito importante deixarmos registrado que, ainda
que estejamos falando da Bíblia em específico, principalmente do Antigo
Testamento, isso por si só já remete à Bíblia hebraica, que é a matriz, digamos
assim.
Por outro lado, o mais importante aqui neste contexto a ser registrado é
que a adoração ao sol era proibida de forma rigorosa pela lei mosaica (Deut.
4.19). Os hebreus, no período posterior ao êxodo, acabaram entrando em contato
com outros povos, seus contemporâneos e estes sim, eram adoradores do sol: no
Egito havia o deus-sol Rá, o qual era adorado ou a deidade principal que
constava no panteão dos egípcios. Na Babilônia havia o deus Utu (masculino), e
os cananeus tinham a Sps, uma deusa, o que nos vem revelar que o sol podia ser
transformado tanto em deidades masculinas como femininas. (Champlin, 2008,
págs. 260-261).
Só que, a teologia dos sábios hebreus desprezou todas essas invenções
criativas, e soube reduzir o astro sol a algo criado em vez de considerá-lo um
deus das coisas.
FÉ RELIGIOSA, MISTICISMO E CIÊNCIA
Ainda com base nos escritos de Champlin, e para que tenhamos uma ideia
geral sobre o que representou o sol para as culturas antigas, esse desejo em
conhecer mais e mais sobre o sol de parte dos antigos, acabou fomentando o
desenvolvimento de algumas das ciências da antiguidade, então, chamamos a
atenção para outros aspectos que valem ser descritos, ainda que, resumidamente,
tudo em função da atenção que o sol mereceu pelo homem desde a antiguidade,
pois, além de ser motivo de adoração, era alvo da curiosidade e de observações
atentas do homem.
Com o passar do tempo se criou toda uma mitologia e até os rudimentos de
algumas ciências, tanto foram os conhecimentos científicos reunidos acerca
desse astro. Em algumas das culturas mais avançadas daqueles tempos, fruto
dessas mesmas observações e estudos contínuos acerca dos movimentos do sol, da
lua e das estrelas, foram dados impulsos fundamentais para a elaboração de
calendários, cada vez mais precisos em seus dados, o que envolveu também
sofisticados cálculos matemáticos.
Também, os conhecimentos adquiridos para a formação do que, a princípio,
conhecemos como astrologia, a qual começou como uma mistura de misticismo e
ciência, e acabou sendo a precursora da futura astronomia. Na verdade, nesse
período da história do homem, havia uma mistura de misticismo, fé religiosa e
ciência (esta última, ainda incipiente).
COMENTÁRIOS:
Já que citamos o nome da astrologia, lembremos que as colunas zodiacais em
número de doze que estão presentes em nosso templo maçônico, tem a importante
função de representar a revolução anual que o sol cumpre em sua trajetória,
assim como, seus ciclos produtivos correspondentes a cada uma das estações da
natureza. Isso simbolicamente, vem representar a senda que o maçom cumprirá do
ponto de vista iniciático e que pode ser comparada a essa trajetória que o sol
cumpre.
DAS INFLUÊNCIAS COM RAÍZES PERSAS
Deidades solares são deuses e deusas (entidades divinas) que representam o
sol ou um aspecto seu relacionado ao poder ou à força.
Com sua origem na Pérsia antiga (atual Irã) e depois fazendo parte também
do culto de mistério romano, o deus Mitra era uma deidade solar.]
Zoroastro é a designação grega para Zaratustra, grande legislador persa
fundador de uma das mais antigas religiões que ficou conhecida por várias
outras denominações: Culto do Fogo, Magismo, Mazdeísmo, Zoroastrismo. A prática
do bem e das virtudes era um dos preceitos do Zoroastrismo.
Conforme o Irmão Theobaldo Varoli Filho:
“O crente deveria livre e conscientemente amar e servir a Ormuz e evitar
ou expulsar as forças malignas de Angra-Main-Yu ou Ariman, o Inimigo,
equivalente a Satã ou o diabo dos cristãos.” (Varoli Filho, 1977, pág. 98)
E mais adiante, ainda se referindo aos cultuadores da religião:
“... deviam nos seus cultos, ficar voltados para o Oriente ou ponto
cardeal do nascimento do Sol. De certo modo, o Sol era o olho de Ormuz, o
criador, construtor, vivificador. No zênite, isto é, ao meio-dia, o sol,
irradiando o máximo de luz, reduzia as sombras e o homem, de pé, completamente
iluminado não poderia fazer sombra a ninguém. (...) O trabalho místico
acompanhava o Sol, cuja luz decaindo e aumentando as sombras para o lado do
Oriente (cansaço humano), morria completamente à meia-noite, hora do máximo de
trevas, mas ocasião que o astro-rei começava o seu renascimento ou a sua volta,
razão pela qual os discípulos se despediam com um banquete frugal.” (Varoli
Filho, 1977, pág. 99)
COMENTÁRIOS:
Evidentemente haveria muito para discorrer sobre a história e os
princípios dessa que é uma das mais antigas religiões, mas, fugiríamos do nosso
propósito aqui que é somente mostrar o quanto (e isso já fica explicito a
partir do pequeno trecho extraído de uma das obras do Irmão Varoli) já é
possível captar no tocante às influências e similaridades que chegaram até a
Maçonaria.
O Zoroastrismo, religião sobre a qual falamos um pouco, não se conservou
puro por muito tempo, vindo com o tempo a se misturar com outras religiões.
Além dos novos cultos que surgiram como resultado dessas fusões, o culto de
Mitra voltou com força. Sobre o deus Mitra veremos um pouco mais logo na
sequência.
A doutrina, que a princípio dividira o mundo em uma força do bem (Ormuz) e
as forças do mal (Ariman) sofreu modificações no seu panteão, digamos assim,
onde havia um deus único – Mazda, que era secundado por Mitra, deus do sol.
OS CULTOS MITRAICOS
O Mitraísmo era um culto de origem persa que acabou se difundindo bastante
na antiguidade, tanto que chegou a ser adotado em vários continentes, além de
ter exercido influências em outros cultos praticados pelos essênios, gregos,
cristãos e muçulmanos, e bem depois na Maçonaria. Em Roma, particularmente, no
primeiro século da era cristã, o culto acabou se espalhando velozmente, dentro
do exército romano e das classes mercantis e escravas, sendo que, uma
quantidade substancial de templos foram construídos.
Mitra era uma das mais antigas divindades persas, e como já foi dito, o
deus- sol. Do Vade-Mécum Maçônico, de autoria do Irmão João Ivo Girardi,
retiramos a seguinte passagem do verbete MITRA:
“Trata-se de uma divindade mediadora, colocada entre o bem e o mal, entre
Ormuzd e Ahriman, dispensadora de benefícios, mantenedora da harmonia no mundo
e protetora de todas as criaturas. Sem ser o sol, é invocada com este por ser
sua representação. É a força imanente do Sol, e com tal concebida como a
reguladora do tempo, a iluminadora do mundo e a agente da vida.” (Girardi,
2008, pág. 430)
CULTO SOLAR MITRAICO E SOLSTÍCIOS
De um artigo de autoria de um dos nossos grandes pesquisadores, o Irmão
Hercule Spoladore, transcrevemos a seguinte passagem:
“O culto solar mitraico é similar aos outros cultos solares, sendo no
hemisfério norte a noite mais comprida do ano de 24 para 25 de dezembro no
início do solstício de Inverno. Era celebrada nesta data a festa do natalis
invicti solis (nascimento do Sol vitorioso). Este culto solar influenciou a
Maçonaria, através do cristianismo, porém com outra roupagem.”
COMENTÁRIOS:
Já no Egito antigo havia outras tantas deidades que estavam ligadas ao
sol, sendo que, os cultos que mais se destacaram foram os de Amon Rá, Horus e
Aton, em vista de que estavam associados diretamente aos faraós.
No presente trabalho, com relação às influências egípcias, iremos nos ater
aquelas que são detectadas na Lenda de Hiram, lenda que é afeta ao Grau de
Mestre na Loja Simbólica e que possui continuidade em mais detalhes por vários
Graus da Loja de Perfeição (Graus Superiores). A bibliografia sobre a lenda de Hiram
é bastante rica e facilmente encontrável, isso para aqueles Irmãos que
estiverem interessados em pesquisar mais sobre o assunto.
A LENDA EGÍPCIA QUE PRECEDE A LENDA DE HIRAM NA MAÇONARIA
Em seu artigo “A Herança Egípcia na Maçonaria” o Irmão José Castellani faz
um resumo da história do Egito, onde em determinados períodos deixa evidente o
quanto o culto solar acabou sendo marcante. Vejamos:
“A V dinastia assinala a decadência do Antigo Impérios já que, nele,
encontramos o início da teocracia, implantada pelos sacerdotes da cidade de
Heliópolis – nome dado pelos gregos e que significa ‘cidade do sol’ – a
seguidores fanáticos do deus Rá, que suplanta, politicamente, o deus Ftá, de
Mênfis. (...) O fim do Médio Império é assinalado pela invasão dos hicsos, povo
de origem semita o qual seria responsável pela ida dos hebreus ao Egito. Ao fim
do domínio dos hicsos, que foram suplantados pelos faraós tebanos, inicia-se o
Novo Império, cujos principais soberanos foram Tutmés III, Ramsés II e Amenófis
IV. Este último, que reinou de 1370 a 1252 a.C., passou à História como o
soberano que ousou quebrar o excessivo poder dos sacerdotes de Amon,
tornando-se um místico do Sol, simbolizado por seu disco (Áton); mudou o seu
nome para Aquenáton (‘horizonte do disco’), conhecida pelo nome de
Tel-el-Amarna, tentando tornar universal a sua religião solar monoteísta.”
(Castellani, págs. 16 e 17, 2003).
Já com relação à Lenda de Hiram, na transcrição da passagem abaixo em que
ele fala sobre a Lenda de Osíris, retirada do mesmo livro, fica evidente alguns
pontos em comum entre as duas.
“A Lenda de Osíris (o Sol) e de Ísis (a Lua) também deve ser considerada
como a precursora da lenda do artífice Hiram Abi, ensinada no terceiro Grau
Maçônico. De acordo com a lenda egípcia _ em rápidas pinceladas _ Osíris, morto
por seu irmão Seti, teve o seu corpo encontrado por Ísis, que o escondeu. Seti
ou Tifão, encontrando o corpo, esquartejou-o e o dividiu em quatorze pedaços, e
foram espalhados pelo Egito. O corpo, todavia, foi reconstituído por Ísis e,
redivivo, passou a reinar, tornando-se a deus e o juiz do reino dos mortos,
enquanto seu filho Hórus lutava com Seti e o abatia. Essa lenda, inclusive, não
é totalmente egípcia, pois, com pequenas variações, fazia parte do patrimônio
místico de todos os povos da Antiguidade, como um mito solar; na realidade,
Osíris (o Sol), é morto por Seti (as trevas no 17º dia do mês egípcio, Hator,
que marca o início do inverno, e revive no início do verão. (Castellani, pág.
21, 2003)
COMENTÁRIOS:
Mas, uma coisa seria a afirmação de que a Lenda de Osíris deve ser
considerada como uma precursora para a Lenda de Hiram, e outra coisa é
construir uma versão essencialmente solar da Lenda onde Hiram o personagem
passa a significar o próprio sol e onde tudo no decorrer da lenda “gira” em
função da transição do sol pelos doze signos do zodíaco. A referência aqui é
sobre a versão bastante astrológica criada por Ragon, e que é discutível.
OCIDENTE E ORIENTE: DO NASCER AO POR DO SOL
No intuito de ilustrar melhor este que é um sucinto trabalho e que já vai
quase chegando ao seu término, transcrevo algumas das linhas que fazem parte de
uma peça de arquitetura de autoria do Irmão José Lopes Pereira Filho, que vem
para definir a importância do sol e da luz em contraposição às trevas, nada
mais, nada menos do que aquilo que os povos antigos sintetizaram em seus
cultos, e que sobram resquícios na Maçonaria:
“O Ocidente é o lado ou aspecto do mundo onde o Sol se põe, onde a luz que
o ilumina declina, se oculta e se torna invisível, embora faça entrever sua
presença, no último clarão do ocaso, antes de deixar o mundo submergido nas
sombras escuras da noite.
O Oriente, o lado oposto, o aspecto do mundo de onde nos vem, nasce emana
Luz: onde na realidade, aparece e brilha pelo seu próprio resplendor,
esclarecendo e fazendo desaparecer as trevas da noite.” (Pereira Filho, pág.
36, 1999)
COMENTÁRIOS FINAIS
Como pudemos perceber no decorrer deste trabalho, que é somente uma mostra
mínima sobre a influência do mito solar nos rituais maçônicos, o assunto merece
ser explorado bem mais, pois, é importante conhecermos, tanto a origem do
simbolismo contido em nossos rituais, em nossas cerimônias maçônicas, como
também, de onde provém, de que povos, de quais religiões ou cultos iniciáticos
antigos a Maçonaria sofreu influências, ainda que, depois, tenham sido moldadas
e adaptadas aos nosso Rituais e aos nossos costumes.
Os resquícios desses mitos e lendas, sejam egípcias, persas, babilônicas,
hebraicas, ou até de outros povos se fazem presentes na Maçonaria e não haveria
como negar essa que é a influência do mito solar e que repartiu muitos aspectos
em comum entre algumas das mais conhecidas civilizações da antiguidade.
Simplesmente, abrir e fechar a Loja numa alusão ao curso que o sol
descreve no firmamento, contemplar o sol em vários dos seus simbolismos
espalhados pelo templo maçônicos e no conteúdo dos nossos Rituais, nos remete
constantemente a vários passados, povos antigos e suas práticas e a uma gama de
influências que chegaram deles até a Maçonaria, algumas já quase se diluindo,
outras bem nítidas.
CONSULTAS BIBLIOGRÁFICAS:
Internet
“Deidade Solar” – disponível em: pt.wikipedia.org/
dicionario.sensagent.com
“Influência dos Símbolos dos Povos Antigos na Maçonaria” – Hercule
Spoladore – Loja de pesquisas Maçônicas Brasil – Londrina PR – disponível em:
1library.org/document
JB NEWS, nº 370 de 02 de julho de 2011: “Colunas Zodiacais” – autoria do
Irmão Pedro Juk.
Revistas:
A TROLHA, nº 155, setembro de 1999: “Desde o Ocidente ao Oriente” – Artigo
do irmão José Lopes Pereira Filho.
Livros:
CADERNOS DE PESQUISAS 20: “A Herança Egípcia na Maçonaria” – Artigo de
autoria do Irmão José Castellani - Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. – 1ª
Edição – 2003
CHAMPLIN, R. N. “Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia” – Hagnos
Editora – 2008 – 9ª Edição
FIGUEIREDO, Joaquim Gervásio de. “Dicionário de Maçonaria” – Editora
Pensamento - 2009
GIRARDI, João Ivo. “Do Meio-Dia à Meia-Noite Vade-Mécum Maçônico” -
ISMAIL, Kennyo. “Desmistificando a Maçonaria” – Universo dos Livros
Editora Ltda. 2012
Por Irmão José Ronaldo Viega Alves