“O que entendeis por
virtude?” ( pergunta de Apolo aos discípulos de Elêusis, Séc VI a.C.) 1- A
virtude para os Gregos Virtude na Grécia Clássica era a Areté, um termo que
significa a excelência, o máximo, o melhor, a força e o vigor, o esplendor ou o
sublime.
Ser virtuoso equivalia
a ser o modelo ideal de cidadão no contexto da pólis.
A vida boa, a vida
digna e justa que os gregos deveriam almejar e cultuar era a opção dos
melhores, ou seja, dos daqueles coroados pelas virtudes. Sócrates afirmava que
virtude era a prática da excelência. Já Aristóteles dizia que a virtude são
práticas ou hábitos que nos levam para o bem. A dúvida que surge, nesta
colocação, é como definir com clareza o que seria uma vida boa.
Qual seria o perfil de
homem que os gregos antigos consideravam como exemplo a ser seguido? Os gregos
acreditavam que o mundo era perfeito. Tudo que existe teria uma finalidade, um
sentido e uma missão a cumprir. Isso ocorreria para todos os entes e para os
infinitos fenômenos da natureza.
Como a chuva, os bodes
e as acácias, cada elemento teria sua razão de existir e comporia o universo
regido por uma lógica, que eles chamavam de logos, que seria uma espécie de
“princípio criador”.
Este ente original
teria orquestrado um projeto arquitetônico belo e harmônico, onde tudo
obrigatoriamente deveria funcionar de forma justa. O traçado do mundo, feito
por este arquiteto supremo, era uma obra de arte – e como toda obra de arte não
haveria um traço, uma letra, um tijolo ou pedra colocada aleatoriamente na
planta. Tudo tinha que estar onde exatamente devia estar. Uma peça que não se
encaixasse no desenho da prancheta seria uma hybris, equivalente a um simulacro
ou uma aberração.
Assim, não há opção de
vida alternativa – ou de alterar o seu destino – aos fenômenos naturais, como
um rio que flui para o mar ou como um terremoto que abre a terra, ou para os
animais, como um bode que nasce-pasta-reproduz e morre.
Dentre todas as
criações existentes, haveria apenas uma que teria o potencial de viver fora de
seu objetivo primordial traçado a priori pelo arquiteto criador: o homem.
O ser
humano teria condições de navegar contra a sua natureza. Isto ocorre quando a
pessoa desconhece seus verdadeiros talentos, ou quando apesar de descobri-los
não os exerce na plenitude. Portanto, o primeiro degrau da escada para a
jornada em busca da vida virtuosa refere-se ao emblemático processo denominado
de autoconhecimento – gnouti sauthon em grego.
Todos tem que se auto-analisar. Como afirmava
Sócrates, “uma vida não avaliada não merece ser vivida”. Os talentos foram
dados para que cada ser humano possa desempenhar sua função no grande projeto
arquitetônico do universo. Não foram aptidões agregadas por acaso, dizia o
mestre de Platão.
Para o ethos grego,
portanto, a vida boa é aquela vivida de acordo com o exercício pleno das
aptidões naturais que o logos concedeu a cada cidadão. Esta seria a forma
virtuosa de viver: descubra para que você veio ao mundo, e realize com força e
vigor o seu destino, seja ele qual for. Se um homem não descobre para que
serve, ou se apesar de saber não tem força moral para exercer estes dons com
excelência, estaria no caminho do vício.
O vício, para os
gregos, é a vida exercida fora do planejado. Como exemplos desta condição não
ideal, imagine Mozart como um comerciante, Van Gogh como um pastor ou Pelé como
um funcionário público. Seriam casos exemplares de hybris, ou de virtudes
degeneradas.
O que chama a atenção
nesta perspectiva grega da virtude é que não importa o tipo de talentos que o
indivíduo possui. Não interessa se ele os usa para as chamadas boas ações ou
para ações nem tão boas assim, quando analisadas pelos critérios de certo e
errado dos inúmeros códigos de ética mais atuais.
Os virtuosos,
devidamente funcionais na máquina universal, Para os gregos somente os
talentosos e que exercem suas aptidões na plenitude poderiam dirigir com
excelência os destinos da polis. Assim, o ideal da vida grega ou a prática do
bem se refletiria na boa condução dos negócios das cidades, condição esta
exclusiva aos virtuosos.
A virtude para os
Cristãos A virtude para os cristãos tem outro significado. Agora a preocupação
com a possibilidade de se conquistar uma vida boa e digna se refere a ter
acesso à cidade de Deus. Os bons cristãos devem exercer alguns hábitos e
práticas formuladas por Deus que ficaram conhecidas como virtudes teleológicas:
fé, esperança e amor (caridade).
Por este prisma os
talentos individuais nada representam em termos de se alcançar o ideal de vida.
O que importa é a crença em Deus, a esperança de perspectivas melhores no
futuro e o bem cuidar do próximo.
A virtude na
Modernidade Em meados do século 18 uma nova figura surgia no esplendor das
luzes pós Renascença: o homem moderno. A razão esclarecida passava a ser o
timoneiro dos pensamentos, dos atos e das omissões dos doutos iluminados. Tudo
que existia até então teria que passar pelo crivo da capacidade questionadora
das mentes livres e conscientes. Este novo homem racional se reinventou
enquanto “ente-no-mundo”.
Uma vez que passara a
questionar todo e qualquer pensamento, este pensador exercia uma autonomia.
Criou-se, assim, o sujeito, o indivíduo, o “”eu-senhor-de-si ou o ego condutor
dos próprios destinos. Com imenso poder de devastação sobre as concepções
anteriores do que seria uma postura virtuosa, a razão e o sujeito moderno
ditavam quem tinha ou quem não tinha o direito de gozar uma vida reta.
A virtude grega e
cristã perdia fôlego – o modelo agora era a vida calcada em uma espécie de
virtude racional, exercida através do mote “Cogito Ergo Sum” cartesiano.
O novo
ethos representava uma libertação de todas as formas de tutela ou de concepção
metafísica: o homem como sujeito seria o suficiente para gerar todo sentido e
todos os significados para a vida plena.
O homem, como figura
subjetiva, não dependia mais de nenhuma instância superior a si para explicar
ou justificar o universo, enquanto projeto arquitetônico ou enquanto obra
divina. Tudo se resumiria ao indivíduo, completamente livre e por isso mesmo
igual a todos que existem – os ideais de liberdade e de igualdade surgem com o
homem moderno.
A virtude na
Contemporaneidade Já na pós-modernidade a definição de virtude se altera. Com a
derrocada dos valores modernos, devido à crise moral da ciência e da razão
enquanto vertentes moduladoras da boa vida, algo novo aparece no horizonte dos
caminhos do homem.
Com a explosão dos
meios de comunicação de massa, somado ao incremento na industrialização e na
produção de bens de consumo (a revolução industrial começou no século 18, mas
seu apogeu ocorreu logo depois da II grande guerra), e tendo ainda a recente
intensificação brutal da globalização de informações e de pessoas pelas
conexões da internet, ser virtuoso na contemporaneidade equivale a ser um bom
consumidor dos produtos – tangíveis e intangíveis – que o mercado oferece
ininterruptamente.
Melhor explicando: o
caminho da boa vida é o caminho do consumo. Esta é uma consequência lógica do
sistema capitalista. E atrelado a este consumismo vem todo um estilo de vida de
alta rotatividade, de relações fluidas – ou líquidas, como diz Bauman – de
hedonismos fugazes e de aparentar uma felicidade abstrata e plastificada.
Independentemente da forma como interpretamos o que seriam as virtudes ideais
que todo cidadão “de bem” deve respeitar e praticar trata-se de um conjunto de valores que
determinam um condicionamento de comportamentos ou um adestramento das aptidões
individuais que ocorre com raridade entre os homens.
Mais que isso, são
metas ou objetivos transcendentais que a maioria das pessoas não vai conseguir
atingir, por questões de limitações pessoais ou morais.
Em outras palavras:
todos querem ser e se dizem muitas vezes virtuosos, mas na realidade isto não
ocorre.
O ser humano, com
raras exceções, exercem em sua vida privada e pública apenas uma interpretação
caricata e bufona dos papéis virtuosos elencados ao longo das eras. Esta
máscara “de bonzinho” que é tão fartamente utilizada é apelidada de “vício”.
O vício é a
caricatura, o fake, o simulacro da virtude. A sociedade nos diz “seja virtuoso”, mas se
não for possível que seja pelo menos aparentemente virtuoso.
(*) Irmão Carlos
Alberto Carvalho Pires, M.M.
ARLS. Acácia de Jaú
308 – Or.’. de Jaú SP
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