Bondosos Irmãos me
aconselharam a não pretender consertar o mundo.
Agradeço o conselho,
pois sei que eles desejam o meu bem e prezam pela minha saúde. No fundo, eles
sabem que muita coisa tem que ser consertada. Todos eles, cada um à sua
maneira, estão trabalhando duro para consertar este que é o melhor dos mundos.
Se desistíssemos de
consertar o mundo não haveria necessidade da Maçonaria: poderíamos fechar
nossas portas e irmos fazer o que boa parte dos profanos de avental anda
fazendo: nada. Dizem que o progresso é lento, não há o que apressar; mas eu
penso que temos que começar em algum momento - já deveríamos ter começado - não
importa se vamos presenciar o mundo ideal.
Quando plantamos uma
árvore, não temos de pensar se vamos nos sentar à sua sombra; alguém no futuro
irá colher esse benefício. Este é o sentido da vida. Dito isso, vamos em frente
com esquadros, compassos, alavancas, níveis, prumos e trolhas, maço, cinzel e
espadas para consertar o mundo: bastam uns ajustes aqui e ali. Quanto ao bem da
Ordem em geral, e das Lojas em particular, faríamos bem se começássemos pelo
início: as sindicâncias.
Todos os dias vejo
novos artigos na internet sobre as sindicâncias, sinal que o assunto preocupa
muita gente e nada tem sido feito, em termos de instrução, legislação e
regulamentos, para melhorá-las.
Começo minha
dissertação pela certeza de que as Lojas não são "hospitais", nem
reformatórios morais, apesar de o nome "oficina" sugerir uma
lanternagem completa ou retífica de motor em seres humanos completamente
enguiçados.
A Maçonaria não existe
para consertar ninguém, e sim para aperfeiçoar o que já é bom.
Um candidato deve ser
limpo e puro, isto é - isento de qualquer sujidade, impureza ou mancha; deve
ser livre de culpa, um homem correto, apurado e não nocivo ao meio social. Puro
quer dizer claro, transparente como o cristal sem mancha ou nódoa; imaculado,
virtuoso e reto.
Ao se expressar em
palavras, o candidato ideal deve dizer o que pensa e sente com sinceridade e
franqueza. Apalavra candidato vem de "cândido", algo de grande
alvura, muito branco e puro.
Ouvi dizer que na
remota antiguidade os candidatos às iniciações compareciam vestidos de branco.
Hoje, do jeito que são feitas, nossas sindicâncias avaliam tudo isso? Claro que
não! Para começo de conversa, o papel aceita tudo: - Crê em Deus? - Sim. - Crê
na preexistência e imortalidade da alma? - Sim (com essas duas respostas,
resumidas em três letrinhas, pretende-se avaliar os questionamentos mais
relevantes da humanidade e dos quais se ocuparam todos os filósofos durante
mais de trinta séculos!) - Faz uso de bebidas alcoólicas? - Socialmente (e eu
me pergunto o que é ingerir de álcool socialmente...) costumeiras entrevistas
não dizem nada sobre a natureza íntima do candidato; podem, no máximo, atestar
suas habilidades, seu modo de falar, o nível social em que vive e os bens que
possui. Mas não revelam suas predisposições e seu verdadeiro caráter.
Percebem como é
difícil sondar o coração e a mente de quem se diz limpo e puro? Indicar alguém
"para a Maçonaria" é mais do que selecioná-lo num grupo de amigos;
poderá ser alguém da melhor reputação, de refinada instrução e cultura,
ostentar vida familiar exemplar, ter sucesso na profissão e nos negócios,
mas... não possuir o PERFIL de maçom.
Como avaliar o perfil
do candidato? - Isso só pode ser garantido pelo maçom que o está indicando - o
"padrinho"; ele é a testemunha e avalista do conjunto de traços
psicológicos que tornam o candidato apto para assumir as responsabilidades de
homem livre em Loja.
Partem de quem
apresenta um candidato às informações mais concisas, pois há de se supor que o
padrinho conheça o candidato de longa data e intimamente. E mais: a Loja deverá
estar certa de que o tal "padrinho" tem sido excelente maçom e
obreiro dedicado.
De outra forma, sendo
ele um maçom descompromissado, haverá de indicar um sujeito que se lhe assemelhe
normalmente um bom piadista, excelente churrasqueiro, mestre cervejeiro, e só.
Disso já estamos bem servidos.
Uma vez sindicado e
aprovado pela Loja, com base no que está escrito e no julgamento subjetivo dos
três sindicantes, marca-se a data da Iniciação.
O candidato bate à
porta do Templo sendo declarado livre e de bons costumes. Daí em diante toca-se
o ritual em frente com os mesmo erros e gaguejos de sempre, pois todas as
atenções estão voltadas para os maçantes discursos no final e para o ágape no
salão de festas.
Por estas e outras
razões, quando ouço anunciarem que alguém foi indicado "para a
Maçonaria", eu tremo... e costumo assistir com certa apreensão à cerimônia
de Iniciação, pois não se pode dizer com certeza o que virá dali.
Tanta pureza e tanta
inocência deveriam também ser levadas em consideração na escolha de nossos
representantes no mundo político. A consciência de cada cidadão faz a
sindicância durante a campanha eleitoral.
Em seguida vem o
escrutínio secreto nas urnas. Apurados os votos e consagrado o homem público na
cerimônia de posse, todos correm para tirar fotos com ele. Porém, muito
cuidado: quem hoje posa do nosso lado em fotografias poderá amanhã estar
posando para fotos de frente e de perfil, com ficha numerada e uniforme
listrado, numa delegacia da polícia federal... Acontece a mesma coisa com o
candidato que trazemos ao Portal do Templo Maçônico.
Só depois de muita
convivência é que teremos alguma certeza de seu verdadeiro perfil. Não me
censurem por dizer isso, pois os maiores problemas vividos pela Maçonaria foram
e são causados por maçons regularmente indicados, passaram por sindicâncias,
foram escrutinados e iniciados em Loja justa, perfeita e regular.
Eu poderia citar uma
centena de casos locais, mas prefiro me ater ao escândalo internacional entre
os anos 1966 e 1974, provocado pela Loja italiana "Propaganda Due"
(Propaganda Dois ou P2) que foi declarada ilegal e expulsa do Grande Oriente da
Itália por acusações de participação em negócios fraudulentos e envolvimento
com a Opus Dei, membros remanescentes do nazismo, gente da máfia, conspirações
neofascistas, o Banco do Vaticano e mortes misteriosas de autoridades e
políticos italianos.
Prefiro não entrar em
detalhes; esse assunto é altamente explosivo e polêmico. O que eu quero demonstrar
é o caminho que certos "iniciados" podem vir a tomar, como no caso do
Venerável Mestre daquela Loja "Propaganda Due", o empresário Licio
Gelli, condenado a 18 anos de prisão em 1992, pela falência fraudulenta no caso
do Banco Ambrosiano, e em 1994 por calúnia, delitos financeiros e por deter
documentos secretos. Permaneceu em prisão domiciliar, e morreu em dezembro do
ano passado em sua “villa” na Toscana.
Quem quiser se
aprofundar no assunto, basta perguntar ao professor Google, ou ler o livro
"Em Nome de Deus" do jornalista britânico David Yallop que investigou
a morte do papa João Paulo I (Albino Luciani) em 1978.
Teoria da conspiração?
fantasia? sensacionalismo? Vocês decidem (mas não confundam o título com outro
livro, de Karen Armstrong, que trata do fundamentalismo religioso). E se não
quiserem ter muitos pesadelos, leiam o último livro de Umberto Eco,
"Número Zero", que mais verdades do que ficção.
Para os preguiçosos,
que não leem de jeito nenhum, há os documentários no History Channel que podem
ser visualizados no youtube: www.youtube.com/watch?v=QPjRBVtMJ88
O processo iniciático
caracteriza-se pela passagem do homem livre e de bons costumes para Homem Justo
e Perfeito (releiam esta frase e reflitam sobre seu significado... se julgarem
conveniente e possível levem essa reflexão para as Lojas).
Neste mundo, dominado
pelo materialismo, já é difícil encontrarmos um homem bom e justo, vocês sabem
disso; mas certificar-se de que ele é limpo, puro, livre e de bons costumes é
dificílimo. Diz à história que Diógenes, filósofo grego que viveu por volta de
300 antes de Cristo, perambulava pelas ruas com uma lamparina acesa, em plena
luz do dia.
Perguntado por que,
ele dizia que procurava por homens verdadeiramente livres, autossuficientes e
virtuosos. Diógenes vivia seminu dentro de um barril e cercado pelos cães.
Desprezava a opinião
comum e afirmava que a humanidade vivia de maneira hipócrita. Aconselhava a
seus contemporâneos que observassem o comportamento dos cães para maior
proveito nas relações pessoais e na política.
Na época dele talvez
não existissem Lojas como as de hoje; mas se existissem ele seria o melhor dos
sindicantes. Dizem que Alexandre, o Grande, sabendo das buscas que ele
empreendia, foi procurá-lo para ser seu discípulo.
Encontrou Diógenes
deitado no chão ao lado do barril, tomando um banho de sol. Impressionado,
Alexandre disse: - Já conquistei todas as terras do mundo, mas desejo maiores
conhecimentos. Peça-me o que quiser e eu lhe darei - honrarias, escravos e
tesouros. Mas antes, como posso também ajudá-lo a sair dessa miséria?”Diógenes
abriu preguiçosamente os olhos e respondeu:
- “Por favor,
simplesmente afaste-se um pouco para a direita, pois está tapando a luz do sol”.
Alexandre retirou-se, pois ele era apenas "o Grande", sem ser Justo e
Perfeito. Quanto a Diógenes, por ser um livre pensador e não bajular os chefes,
foi preso e vendido como escravo.
O Irmão José Maurício
Guimarães é Venerável Mestre e fundador da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor
Corona, Pedro Campos de Miranda”, jurisdicionada à Grande Loja Maçônica de
Minas Gerais.
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