CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Dia de São João Baptista, apesar de ser mais conhecida pela
comemoração dos cristãos, esta data (24 de Junho) é também importante para a
história da Maçonaria, pois nela comemora-se o aniversário da reunião entre
representantes de quatro lojas maçônicas de Londres, na taberna Goose and
Gridiron, para a fundação da Grande Loja de Londres em 24 de Junho de 1717
(Mazet, 1992: 257; Cerinotti, 2004: 14 e Jacob, 2007: 11), depois reformulada
como Grande Loja Unificada da Inglaterra em 1813, com a adesão da Loja de York,
inicialmente descontente.
A escolha desta data para a reunião não foi por acaso, mas em
razão da afinidade com este santo cristão, admirado por outras sociedades
esotéricas, sobretudo pelos Templários, as quais os maçons da época supunham
serem fontes da Maçonaria (Cerinotti, 2004: 109).
Mesmo não tendo jurisdição universal, pois a Maçonaria está
fragmentada em incontáveis divisões, a multiplicidade aumenta ainda mais quando
se leva em contas as lojas irregulares, este foi um marco importante na história
da Maçonaria Moderna.
Agora, quem conhece os fascinantes símbolos e os pomposos
rituais, bem como a suntuosidade dos templos (lojas) e a celebridade dos
adeptos da atual Maçonaria, terá dificuldade em acreditar que esta faustosa
sociedade secreta teve a sua origem numa corporação (Craft) de
pedreiros analfabetos, a qual pode ser a razão da conservação dos seus
ensinamentos, durante a fase da Maçonaria Operativa, exclusivamente através de
símbolos e de ritos, ao invés também de textos escritos.
As pesquisas sobre a origem da Maçonaria estão envolvidas numa
teia intricada de teorias controversas, desde as mais delirantes até as mais
sóbrias (Cerinotti, 2004: 8-11). O assunto ainda carece de mais pesquisa acadêmica,
quando comparado com a grande quantidade de estudos sobre outras tradições,
pois o número de estudos acadêmicos é escasso, de modo que a quantidade de
publicações pelas mais importantes universidades do mundo é muito pequena.
Tentando contornar estes obstáculos, o estudo abaixo pretende
apontar, no meio de um oceano de relatos fabulosos (para conhecer um exemplo,
ver: Anderson, 1734: 07-45), a origem iletrada da corporação dos Pedreiros
Livres (Free-masons), durante o período denominado pelos pesquisadores de
Maçonaria Operativa, a partir dos poucos estudos críticos-históricos,
independentes das interpretações da tradição e da propaganda maçônicas.
ETIMOLOGIA DA DENOMINAÇÃO FRANCO MAÇONARIA
Do inglês Freemasonry e do francês Franc
Maçonnerie, não existe consenso entres os pesquisadores quanto à origem do
termo. Alguns apontam que significa que estes pedreiros (do
francês: maçon) e construtores medievais, em virtude do ofício,
tinham salvo-conduto das autoridades para transitarem livremente de
uma região para outras, conforme as obras exigiam o seu trabalho, portanto a
denominação de pedreiros livres (free-masons).
Outros acreditam que receberam esta denominação em razão do caráter
mais especializado das suas habilidades de ofício, portanto eram profissionais
livres, para diferenciá-los dos escravos que, no passado, eram a mão de obra
majoritária nas edificações. Ainda, outra etimologia é apontada na palavra
inglesa free stone (pedra de cantaria), aquela pedra particularmente
adequada ao trabalho do entalhador (Cerinotti, 2004: 14-6).
Qualquer que seja a etimologia, Franco Maçonaria é a denominação
para a corporação de pedreiros e construtores que, a partir de certo momento,
ainda desconhecido pelos historiadores, quando os seus membros passaram a
reunir-se nos alojamentos (lojas, do inglês: lodge e do
francês: loge) nos canteiros das obras, além da prática habitual das
refeições e do descanso, para trocarem informações sobre os simbolismos e os
segredos por trás das artes e da arquitetura nas catedrais e nos mosteiros que edificavam
que os levaram, em seguida, com o acúmulo de informações secretas, a praticarem
rituais iniciáticos nestes alojamentos (lojas), para a admissão de novatos e a
transmissão secreta dos ensinamentos.
Por outras palavras, uma corporação que combinava o ofício da
construção com a construção do caráter dos seus membros sob o véu do segredo.
Parece que, segundo os manuscritos mais antigos, o segredo foi utilizado
inicialmente apenas para a salvaguarda das técnicas do ofício da construção,
depois se estendeu para o objetivo de velar os símbolos, as senhas e os rituais
maçônicos (Mazet, 1992: 251), daí se desenvolveu o espírito corporativista, que
até hoje marca tanto o caráter da Maçonaria.
MAÇONARIA E RELIGIÃO
Os maçons são unânimes em afirmar que a Maçonaria não é uma
religião, a definição clássica é: “um peculiar sistema de moralidade, velada em
alegoria e ilustrada por símbolos” (Mazet, 1992: 248). Apesar da recusa, os
maçons insistem que todo candidato deve ser um religioso, pois não é possível
ingressar na sociedade sem acreditar em deus (Anderson 1734: 48 e Cerinotti,
2004: 102). Os juramentos dos adeptos são feitos diante de um livro religioso
(Bíblia, etc.), conforme o regulamento da jurisdição. Enfim, a Maçonaria é uma
sociedade que não se considera religiosa, mas aos seus adeptos solicita-se que
sejam religiosos.
Agora, o que leva os maçons a pensarem que a Maçonaria não é uma
religião deve-se ao conceito circunscritamente cristão de religião, entretanto,
quando se expande o conceito de religião para além dos limites do teísmo, a
Maçonaria demonstra traços muito comuns com outras tradições não teístas. Por
exemplo, o Hinduísmo também tem um sistema de moral (dharma shastra), grande
parte das suas concepções estão veladas por símbolos, concede iniciações e,
ademais, pratica uma quantidade de ritos muito maior que a Maçonaria.
Os maçons não são teístas, mas sim deístas, a realidade suprema
é o Grande Arquiteto do Universo (GADU), de maneira que, na Maçonaria, não
existe cultos de louvor, adoração ao senhor, orações, súplicas pela graça
divina, romaria, bem como sacramentos de batismo, de casamento, etc.
Em resumo, o conceito de religião é controverso, porém, conforme
a abrangência, a Maçonaria apresenta elementos tão comuns com as religiões em
geral, que se torna difícil excluí-la do rol das religiões, sobretudo quando se
tem em mente que religião não é só teísmo, fé e devoção. Para resumir, a
Maçonaria não se considera uma religião, mas, paradoxalmente, tudo nela tem
origem e natureza religiosas.
MAÇONARIA OPERATIVA E MAÇONARIA ESPECULATIVA (MODERNA)
A história da Maçonaria possui um crucial turning point, a
transição de Maçonaria Operativa (composta exclusivamente de pedreiros e
construtores) para a de Maçonaria Especulativa (composta de adeptos que não são
mais pedreiros e construtores, portanto denominados de “maçons aceitos”).
Esta transição aconteceu nos séculos XV, XVI e XVII e. c.,
quando houve uma redução drástica no número de construções de catedrais, de
fortalezas e de mosteiros, bem como a expansão da Reforma Protestante, as quais
resultaram em prejudicais consequências na corporação dos maçons.
Consequentemente perderam
o elo com os padres da Igreja, que patrocinavam as construções, para então,
buscarem trabalho noutras fontes, a fim de que a corporação sobrevivesse
(Mazet, 1992: 253 e Jacob 2007: 12). Foi nestas circunstâncias que a Maçonaria,
de uma corporação exclusivamente constituída por pedreiros e mestres de obra,
abriu as portas para a entrada de membros de fora da profissão.
Estes novos adeptos, os quais eram intelectuais, pessoas da
nobreza, profissionais de outras áreas, portanto candidatos bem mais instruídos
ficaram fascinados com a descoberta de que os maçons guardavam muitos segredos
antigos. Entretanto, ao mesmo tempo, por serem cultos, perceberam que os
antigos maçons não guardaram, ou já tinham perdido o significado por trás
daqueles símbolos e ritos, daí que estes novos interessados sentiram a
necessidade de especular e pesquisar sobre a origem dos mesmos.
Foi então, a partir daí, que se iniciou o que é conhecido como
Maçonaria Especulativa, quando elementos de outras tradições tais como a
Cabala, a Rosa Cruz, a Alquimia, as Lendas de Cavaleiros Medievais e o
Hermetismo foram infiltrados na Maçonaria, por obra destes novos membros
aceitos.
Especulação que resultou numa prolífera criação de novos graus,
além dos antigos dois graus do período operativo (o grau de Aprendiz e o de
Companheiro, já do grau de Mestre Maçom só se tem registro a partir do ano de
1770 – conhecidos como os três graus simbólicos), numa sucessão na qual os
graus superiores tentam explicar, também através de símbolos e ritos, os graus anteriores,
de modo que o candidato permanece na contínua expectativa de conseguir a
explicação do simbolismo do seu grau no grau seguinte.
Assim, com o tempo, a Maçonaria transformou-se numa sociedade na
qual o significado encoberto pelos seus símbolos e ritos é sempre explicado por
outro símbolo e rito, de maneira que nunca se alcança uma explicação discursiva
e exegética. Como interpretam alguns críticos, “um poço sem fundo onde nunca se
encontra a água para saciar a sede”.
Este processo de busca do significado da simbologia e de criação
de novos graus continua até hoje, cujo resultado foi o surgir de incontáveis
lojas e ordens irregulares (aquelas não reconhecidas por uma Grande Loja ou por
um Grande Oriente).
Mas este critério de reconhecimento é vago, pois se os próprios
fundadores da Maçonaria Moderna (Especulativa) tiveram de especular sobre o
significado e a origem da Maçonaria que herdaram dos maçons operativos, nos
séculos XVI e XVII, os quais eles julgaram como perdidos, não significa que a
busca está concluída, pois eles mesmo herdaram uma tradição desprovida de
exegese.
O FASCÍNIO PELO SEGREDO
As religiões têm início e crescem em razão da admiração e da
fascinação de um grupo de seguidores pela mensagem, pelo carisma, pela
santidade ou pelos milagres de um líder religioso, bem como por mitos e
mistérios de relatos antigos, depois estes primeiros discípulos sobrevalorizam
a mensagem, ao ponto de então criar um significado que é organizado em
doutrinas e práticas, as quais só fazem sentido dentro da sua própria lógica,
transformando este conjunto de doutrinas e práticas num sistema, para enfim se
organizar em instituição social.
Com o surgir da Maçonaria
Moderna (Especulativa) não foi tão diferente, os novos candidatos ficaram
fascinados, no período da transição, com a tradição dos maçons operativos, que
eles atribuíam guardarem segredos antigos, e deste fascínio pelo segredo, a
Maçonaria prosperou e diversificou-se, atualmente com milhares de adeptos pelo
mundo (Cerinotti, 2004: 96-101).
A MODALIDADE DE ANALFABETISMO DA MAÇONARIA OPERATIVA
Os historiadores são unânimes em afirmarem que, durante a
Antiguidade e a Idade Média, de 80% a 90% da população destas épocas era
analfabeta. O alfabetismo era um privilégio de poucos, pois não existia o
imenso sistema de educação em grande escala, aberto para todos, como atualmente.
Porém, dentro desta grande população analfabeta, existiam os que
eram apenas analfabetos funcionais (aqueles que só conseguiam ler ou escrever
os assuntos dentro da sua ocupação funcional), bem como os que só eram
treinados na sua profissão, através de um processo de treino, geralmente
passado de pai para filho, o qual os historiadores da educação denominam, para
diferenciar da educação propriamente, de “aprendizagem do trabalho” ou de “tecnização
do conhecimento” (Manacorda, 2006: 70-2, 106-10; 138-9 e 161-7).
Este processo consistia inicialmente da aprendizagem das
técnicas da profissão (artesãos, lavradores, carpinteiros, etc.) transmitida
pelos pais aos filhos, sem a necessidade da alfabetização, até a formação das
primeiras corporações de aprendizagem na Europa (Manacorda, 2006: 161-7).
A corporação (Craft) dos maçons operativos pode ter sido uma das
primeiras corporações de aprendizagem a surgir, cuja transmissão não era aquela
de pai para filho, mas de um Maçom para outro. Com isto os maçons operativos
superavam nas suas habilidades profissionais os outros trabalhadores do mesmo
ofício, os escravos, daí a suposta origem da denominação “pedreiros livres”
(free masons).
Que os maçons operativos eram hábeis nas técnicas da construção,
pois conheciam até Aritmética e Geometria que eram aplicadas nas construções,
está bem confirmado, no entanto, fortes indícios levam a supor que eram
despreparados, quanto à capacidade de ler ou de escrever textos.
As principais pistas para
tal suspeita estão na inexistência de escritos, de autoria de maçons, durante o
período medieval, bem como a conclusão de Edmond Mazet de que: “… não é difícil
adivinhar qual deve ter sido o conteúdo da Maçonaria Operativa na Idade Média.
Ele só pode ter sido inteiramente cristão e certamente refletiu os ensinamentos
dos padres; que é foi fundado na Bíblia e na exegese bíblica, que os maçons não
conheciam de ler o livro ou os comentários sobre ele, mas de ouvir os sermões
dos padres sobre eles e de esculpir cenas históricas e simbólicas extraídas
deles” (Mazet, 1992: 252).
Os escassos conhecimentos que temos da Maçonaria operativa da
Idade Média são extraídos dos Ou Charges (Antigos Deveres), sobretudo
os dois textos mais antigos: o manuscrito Regius (1390 e. c.) e o
manuscrito Crook (1450 e. c.), sendo que, curiosamente, ambos foram
escritos por padres (Haywood, 1923b e Mazet, 1992: 251). Segundo E. Mazet,
“eles contem (especialmente o Regius) um conjunto de instruções religiosas
e morais que expressam o interesse dos padres em moralizar e catequizar os
maçons” (Mazet, 1992: 251).
Os Old Charges seguintes, que só aparecem a partir de
1583 e. c. (Mazet, 1992: 253), podem ter sido escritos por maçons. Portanto,
mais uma evidência de que, quanto mais antiga a referência aos maçons
operativos, maior a confirmação do seu analfabetismo. Enfim, sendo analfabetos,
eles só podiam registra através de símbolos e de ritos, o que aprendiam com os
padres cristãos e com as esculturas que esculpiam nas catedrais, nas fortalezas
e nos mosteiros.
Octavio da Cunha Botelho
Obras consultadas
ANDERSON, James. The Constitutions
of the Free-Masons. Printed London: 1723, reprinted Philadelphia: 1734; Online Electronic
Edition, Lincoln: University of Nebraska.
CERINOTTI, Angela. Maçonaria, São Paulo: Editora Globo,
2004.
GOULD, Robert Freke. The Concise
History of Freemasonry. London: Gale & Polden Limited, 1951.
HAYWOOD, H.
L. Symbolical Masonry: An Interpretation of the Three Degrees. New
York: George H. Doran Company, 1923a.
________________ The Old Charges of
Freemasonry em The Builder. September, 1923b.
JACOB, Margaret C. Living the
Enlightenment: Freemasonry and Politics in Eighteenth–Century Europe. New
York/Oxford: Oxford University Press, 1991.
__________________The Origins of
Freemasonry: Facts and Fictions. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2007.
MANACORDA, Mario A. História da Educação: da Antiguidade
aos nossos dias. São Paulo: Cortez Editora, 2006.
MAZET, Edmond. Freemasonry and
Esotericism em Modern Esoteric Spirituality. Antoine Faivre and Jacob
Needleman (eds.). New York: Crossroad, 1992, p. 248-76.
PIKE, Albert. Moral and Dogma of
the Ancient and Accept Scottish Rite of Freemasonry. Charleston: Supreme
Council of the Thirty-Third Degree, 1871.
WILMSHURS, W. L. The Meaning of
Masonry. London: P. Lund, Humphries & Co, 1922.
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