Secreta ou discreta?
Responderia que as
duas coisas.
Esta é, provavelmente,
a origem dos grandes anátemas lançados sobre a Ordem Maçônica, seja pelas
Igrejas, principalmente pelos papas da Igreja Católica, desde a condenação
constante da bula In Eminenti Apostolatus Specula, de Clemente XII, de 28 de
Abril de 1738, seja por chefes de Estado e governantes: a Maçonaria é
«secreta», porque tem um «segredo» que não revela a ninguém, logo pratica o mal
ou comete atos ilícitos.
Mesmo em sociedades
democráticas como a nossa, onde é suposta a liberdade de associação nos termos
legais, a Maçonaria é frequentemente fustigada por causa do seu suposto secretismo.
De tal modo que, dentro da Ordem e das diferentes Obediências e Potências em
que esta se organiza, o assunto é recorrente, sendo tema comum a defesa da
necessidade da Maçonaria se «abrir», o que quer dizer, se «explicar» ao mundo
profano.
Ainda entre nós, a
recente aprovação de uma lei parlamentar que visa, essencialmente, pôr cobro ao
«segredo» sobre a identidade maçônica dos titulares de certos cargos públicos,
de novo trouxe a questão para a ribalta. O debate, em que qualquer um
participou, e os seus resultados não foram os mais gratificantes.
Deixando de lado a
dimensão profana do tema, como deve, a meu ver, considerar-se a Maçonaria: como
uma Ordem secreta, discreta, ou disponível para a devassa pública?
Por mim, entendo que a
Maçonaria deve ser uma Ordem secreta, por mais antipática que possa ser a
expressão. Como advogo que não tem de «abrir-se» ao mundo profano, ou melhor,
que não deve transformar-se numa espécie de praça aberta aos curiosos que a
queiram conhecer de fora.
As razões são muito
simples.
A primeira, porque
numa sociedade democrática não devem existir quaisquer impedimentos à livre
associação dos indivíduos, que deverão poder fazer, dentro das portas que lhe
pertencem, o que muito bem entenderem desde que não infrinjam a lei.
Ora, a obrigatoriedade
legal de declaração de pertença a uma determinada associação envolve, por si
só, um juízo censório da entidade visada e dos seus membros. Admito que essa
declaração possa constituir-se obrigatória, em razão de eventuais interesses patrimoniais
que nela existam e que poderão ser conflitantes, ou delimitadores, do exercício
de certos cargos públicos, mas não por se desconhecer o que se faz dentro das
portas dessas associações.
Se há reservas quanto
a isso, o Estado que as proíba, ou exija mais requisitos para autorizá-las
legalmente. Não deixa de ser um raciocínio discriminatório e preconceituoso (o
que se fará nas reuniões da direção das inúmeras associações de natureza civil,
que decorrem à porta fechada e onde a minha entrada não é – e muito bem –
autorizada?), mas sempre seria um jogo um pouco mais limpo.
Agora, autorizar-se
uma organização e, em seguida, impor-lhe obrigações que colidem com a sua
própria idiossincrasia é que me parece moralmente abjeto.
A segunda, porque,
como já desde o século XVIII nos lembrava o Ir.’. Giacomo Casanova, «o segredo
da maçonaria é por sua própria natureza inviolável, visto que o maçom que o
sabe só o sabe por que o adivinhou. Não o aprendeu de ninguém. Descobriu-o de
tanto frequentar a loja, observar, raciocinar e deduzir. Ou seja, o segredo maçônico,
íntimo e iniciático, é, por natureza, intransmissível.
Ele é resultado de uma
vivência individual realizada no coletivo da Loja e, por isso, não há palavras
que o possam descrever com rigor. Nem tem de ser descrito, muito menos em
decorrência de qualquer obrigação legal, sob pena da mesma violar
grosseiramente a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 41º, que
garante separadamente, repito, separadamente, “a liberdade de consciência, de
religião e de culto”.
Nesta medida, a
Maçonaria é, sim, secreta, e assim tem de continuar a ser. Tem, e não “deve”,
porque essa opção não se poderá colocar, a não ser que a Maçonaria deixe de ser
uma Ordem Iniciática e passe a ser outra coisa qualquer.
A terceira, porque
quem quiser conhecer a Maçonaria tem uma boa solução: tornar-se maçon. Se for
“livre e de bons costumes”, certamente que não lhe será negada a entrada no
Templo. Embora, se só cá vier para saciar a curiosidade, como infelizmente
frequentemente sucede nas mais distintas Obediências e Oficinas, provavelmente
não virá cá fazer nada, e, algumas poucas sessões depois, desaparecerá, com
prejuízo para todos.
A quarta, porque tudo
o que se faz, ritual e liturgicamente, na Maçonaria só é segredo para quem
quiser. Porque, qualquer amanuense destes assuntos encontrará tudo, mas tudo é
tudo mesmo, sobre os trabalhos maçônicos, seja em livros, seja na net. A
Maçonaria, desse ponto de vista, é uma organização aberta, que só
consideraremos discreta, apenas porque não escancara a sua atividade a quem
passa nas ruas. Embora qualquer um possa ir a uma livraria ou a um site e ficar
a conhecer o que lá se faz.
Por conseguinte, parece-me que há coisas onde se não deve mexer, sob pena de estragá-las: quem se sentir mal com o «secretismo maçônico», não terá provavelmente entendido em que ele consiste.
E quem achar que a Maçonaria se tem de explicar ao mundo
profano deverá reservar-se para outro gênero de atividades.
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