SIGNIFICADO DA MAÇONARIA PARA O MUNDO E A HUMANIDADE: UMA REFLEXÃO


 

Gostaria de começar este artigo com a pergunta: Qual é o significado mais profundo da franco-maçonaria no desenvolvimento do mundo e da humanidade?

Desde o século XVI, que se tem pouco entendimento do verdadeiro significado da maçonaria. Ou seja, de que um templo deve ser construído de tal maneira que as suas proporções sejam um reflexo das grandes proporções cósmicas, que uma catedral deve ser construída de um modo tal que a sua acústica reproduza algo da harmonia das esferas.

O conhecimento dessa visão original foi gradualmente perdido. De tal modo foi assim, que, quando John Desaguliers reuniu a maçonaria na Inglaterra durante a primeira metade do século XVIII, já ninguém tinha um entendimento adequado do fato de que a palavra “maçonaria” tinha que ser tomada literalmente.

Ou seja, no sentido de realizar no mundo material o ofício do pedreiro praticante – aquele que construiu igrejas e templos e outros grandes edifícios de acordo com as leis cósmicas e incorporou neles proporções celestiais e não terrenas.

Esta intuição original foi gradualmente perdida.

Um significado e utilidade da maçonaria na evolução pressupõe a posse de uma ligação real com as forças e a maneira pelas quais os seres evoluem e progridem.

A alquimia hermética, enquanto processo de desenvolvimento da consciência, descreve – simbolicamente falando – a reunificação do Sol e da Lua em nós mesmos.

A Arte Real visa a reintegração microcósmica humana ou transfiguração, que eram ensinados no seio de irmandades gnósticas ao longo de mais de dois mil anos.

Nessas escolas, o iniciado procurava gradualmente alcançar uma consciência superior, sem a qual a vida do humano é vivida com a consciência incompleta.

Os ensinamentos que podemos estudar, por exemplo nas correntes de pensamento hermético, neoplatônico e no cristianismo gnóstico, cujas fontes escritas estão hoje amplamente disponíveis, nunca visaram o desenvolvimento do instinto de autoconservação e de autossobrevivência.

Pelo contrário, os seus ensinamentos centraram-se sempre no conhecimento claro e totalmente consciente da vida que flui do núcleo espiritual da vida humana.

Destes ensinamentos emerge de forma transversal uma lei universal, ensinada com roupagens diferentes em épocas e culturas distintas, relativamente ao desenvolvimento progressivo da consciência, que poderíamos resumir da seguinte forma: é precisamente o trabalho desinteressado de ajudar os outros a atingir a consciência superior, que mais contribui para o nosso desenvolvimento.

Esta é uma proposição aparentemente paradoxal: tudo o que um ser trabalha sem ter como objetivo desenvolver a sua própria consciência, ajuda-o a desenvolver a consciência.

Tomemos um exemplo comum. Um arquiteto constrói uma casa; ele não constrói essa casa para si, mas assume a tarefa de a construir por razões que nada têm a ver com ele. Agora tomemos outro caso – o de um homem de negócios, por exemplo. Ou o de um advogado. Este pode ter boas e nobres intenções no trabalho para os seus clientes – parte do seu trabalho pode muito bem ser altruísta, mas a verdadeira questão é ganhar a vida.

O que quer que se faça nos negócios meramente em prol de seus próprios meios de subsistência, na medida em que os negócios servem exclusivamente para esse fim, muita coisa se perde no caminho do ganho espiritual (na acessão que temos vindo a desenvolver).

E, por outro lado, tudo o que é introduzido no trabalho para um objetivo de serviço ao próximo em esquecimento de si mesmo, tudo o que está ligado aos interesses de outro ser humano – compreendido no seu sentido microcósmico de personalidade-alma-espírito, prepara a consciência para um processo realmente evolutivo.

E a Franco maçonaria? No impulso inicial, conforme é aludido nas narrativas fundacionais maçônicas, os seus membros recebiam uma diretriz categórica: constrói edifícios que não contribuam para a tua própria subsistência – que não possuam relação com nenhuma questão relacionada com a tua autoconservação e autoafirmação, seja em que âmbito for.

Entretanto muito do que sobreviveu da Maçonaria dos séculos passados são certas instituições de caridade – ou referência a elas. E embora as lojas tenham perdido suas raízes vivas na gnose, mesmo assim essas instituições caritativas são evidências de um humanitarismo que, embora vazio de substância real, ainda persistem e são cultivadas como uma tradição.

Atividade altruísta é, portanto, algo que pertence ao código genético da Maçonaria. A Maçonaria originalmente exortou seus membros a trabalhar a serviço da humanidade, a construir no mundo objetivo.

Estamos a viver atualmente uma época crítica, de máxima materialidade, e desumanidade. E a tarefa daqueles que compreendem e se reconhecem neste impulso, é possivelmente a de permear o mundo, na sua máxima densidade material, com o próprio espírito.

Por outras palavras, mais exatas: imaginemos que estamos a construir uma casa. Trazemos as pedras de uma pedreira, colocamo-las nas formas necessárias para a casa, e o edifício vai-se estruturando. O que estamos a juntar a essa matéria-prima obtida do reino mineral? Estamos a unir a matéria-prima ao espírito humano.

Todas as escolas dos mistérios das quais conseguimos conhecer algo, preocupavam-se em saber de que maneira pode um ser humano libertar-se da esfera gravítica do seu ego e elevar o núcleo da consciência a um plano de inteligência cognitiva, a ser capaz de agir desinteressadamente, com base numa nova consciência.

Muitos homens e mulheres que buscavam esses desenvolvimentos, procuraram ser realmente altruístas, de modo que tomaram medidas para impedir que os seus nomes passassem à posteridade.

Um exemplo disso é o da obra Theologia Deutsch, Theologia Deutsch ou Teutsch, conhecido também como Der Franckforter, é um tratado místico que se supõe ter sido escrito no final do século XIV por um autor anônimo, e que inspirou uma corrente espiritual renascentista da qual se julga que beberam personagens como Paracelso ou, posteriormente, no final do século XVI e inícios do século XVII, os autores dos Manifestos Rosacruzes.

Ninguém sabe quem o escreveu. Externamente, surge apenas a referência ao " homem de Frankfurt" e a indicação de que teria tomado todas as precauções para que o seu nome não pudesse ser descoberto.

Este exemplo, se efetivamente as suas motivações foram essas, testemunha de alguém que trabalhou de tal maneira que simplesmente adicionou algo ao mundo objetivo sem pedir honra ou preservação do seu nome.

Nas narrativas maçónicas que encontramos na obra do Cavaleiro Ramsay, Os Princípios Filosóficos da Religião Natural e Revelada: explicados numa ordem geométrica encontramos referência a essa noção que orientava os mestres construtores, cuja consciência já não é compatível com qualquer trabalho para si mesmo – incluindo honras e renome.

Neste contexto podemos entender por que é que os verdadeiros pedreiros livres procuravam, tanto quanto possível, fazer o seu trabalho no mundo de tal maneira que a sua identidade se ocultasse, se subsumisse, nas catedrais, nas instituições e nas organizações sociais, nas fundações de caridade.

Pois ainda estava presente de algum modo a noção de que as ações verdadeiramente altruístas – em absoluto esquecimento de si mesmo – são os verdadeiros fundamentos da imortalidade.

Essas ações não tinham que ser monumentais e espetaculares. Tratava-se nessas escolas “mistéricas” de conseguir uma transformação estrutural do veículo da consciência humana, de modo que este se tornasse capaz de uma nova atitude de vida: de uma vida irradiante em constante serviçabilidade em auto esquecimento.

Não se tratava nessas escolas de um cultivo da personalidade, ou de um refinamento das estruturas egocêntricas, mas de deixar de viver a partir de um princípio vital, natural, egocêntrico, e passar a viver de um novo princípio, de uma Alma Nova.

Uma boa ação pode ser muito egoísta e provir de uma necessidade psicológica de que o próprio mal tenha consciência. As boas ações surgem com extrema frequência de motivos egoístas.

Mas na Idade Média ninguém poderia dizer quem tinha construído muitas das catedrais ou pintado muitas das pinturas. Importava que os autores se apagassem completamente como personalidades e permitissem que o que eles fizessem vivesse apenas nas suas ações e nos resultados das suas ações.

E isso leva-nos ao coração dos segredos: O facto de alguma coisa em particular ser mantida em segredo é menos importante do que manter em segredo a própria parte do trabalho. Todo aquele que mantém em segredo a sua parte, trabalha na sua própria imortalidade.

As fraternidades gnósticas do passado tinham a percepção de que cada ser humano possui uma alma e um espírito. A alma e o espírito (a lua e o sol) são chamados a unir-se alquimicamente e a alcançar um dia os estágios mais altos de cura, saúde e perfeição.

Ou seja, aquilo que ajudassem a construir com a espiritualização do mundo, viria a tornar-se um dia no próprio conteúdo da sua alma – fosse uma catedral ou o que fosse.

Construir, neste contexto significava espiritualizar o mundo mineral: encarnar o Logos que forma o Cosmos. O que nós mesmos criamos no mundo é o que, através de nós mesmos, constitui o nosso ser futuro.

Somente através da conquista da atividade isenta de egoísmo será possível preservar a humanidade de se destruir num inferno de conflitos entre nações, estados, empresas, grupos de interesse, grupos religiosos, em suma: a guerra de todos contra todos.

Quando lemos as fontes maçónicas dos séculos XVII e inícios de XVIII percebemos que os autores estavam ainda relativamente cientes de que a Maçonaria deveria construir um edifício dedicado à Luz, portanto à Gnose e à superação do eu, que permitisse à humanidade não se afundar no caos.

A nossa época é profundamente marcada pelo intelectualismo. Uma época do egoísmo, portanto. O intelecto é egoísta no mais alto grau, e isso constitui a marca do nosso tempo e não se resolve rejeitando o intelecto. Pelo contrário: é necessário avançar através do intelecto até a espiritualidade.

E o segredo dos segredos é este: o ser humano deve aprender a silenciar o seu ego, e a considerar os seus atos, não o seu ego, como o critério. O verdadeiro coração do segredo está nas ações e na superação do ego através da ação.

O ego deve permanecer oculto dentro da ação. A eliminação do interesse próprio do ego do fluxo contínuo da ação é nisso que consiste teoricamente o primeiro grau: de aprendiz. Qualquer que seja a ação em que o ego incorra, desta forma é eliminado da ação.

Nação, etnia, género, posição, religião - tudo isso trabalha no egoísmo humano. Somente quando a humanidade transcender todas essas coisas é que será libertada do egoísmo.

Neste ano de 2022 observamos o desenrolar diante dos nossos olhos de guerras sangrentas, conflitos econômicos entre nações, guerras por exploração, grupos financeiros e multinacionais, alianças militares e conquistas geoestratégicas.

No meio deste panorama, toda a gente sabe, de forma impotente, que, através dos meios adequados, é possível realizar de forma cada vez mais eficiente o abrangente controlo de massas. É perceptível que está em curso um desenvolvimento cuja tendência não é que nos tornemos mais democráticos, mas que nos tornemos brutalmente oligárquicos, na medida em que o indivíduo ganhará cada vez mais poder.

Se o enobrecimento da consciência humana não for alcançado de forma perceptível, mesmo que por uma minoria, as forças mais brutais assumirão a liderança.

Rui Lomelino de Freitas

 

 

 

 

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