ARQUITETURA
Por se tratar de uma Arte
destinada à construção do carácter humano, a Maçonaria adoptou como base da sua
filosofia e como suporte do seu simbolismo os fundamentos e as ferramentas da
ciência contida na arte de construir, ou seja, a Arquitetura.
Daí o porquê de a grande maioria
dos símbolos, alegorias, lendas, analogias e arquétipos presentes na Arte Real
estarem todos ligados à ideia da construção ou da reconstrução, física ou
espiritual, do edifício moral da humanidade.
Evidentemente, há, nesta questão,
um fundamento histórico inegável que não se pode ignorar. Pelo fato de a
Maçonaria estar umbilicalmente ligada aos antigos construtores medievais
(pedreiros livres, como se chamavam esses profissionais), é evidente que boa
parte da sua simbologia provém desse fato.
Mas hoje, sendo a Maçonaria
essencialmente especulativa, isto é, análoga a uma escola de filosofia, com
características de entidade filantrópica e associação corporativa, não há mais
que se falar na simbologia dos antigos pedreiros em termos operativos, mas
apenas como alegorias de carácter analógico.
A Arquitetura de que se fala na
Maçonaria refere-se à construção de uma sociedade justa e fraterna, onde todas
as pessoas possam viver em harmonia e união. Neste, como em outros princípios
defendidos pela Irmandade, ela não se afasta da proposta esotérica contida em todas
as religiões, que prometem um estado interior de bem-estar a ser experimentado
em nível de espírito.
E também integra uma esperança de
caráter profano, buscada por todas as experiências políticas já tentadas pelo
homem na tarefa de organização das suas sociedades, que é a de proporcionar bem-estar
e justiça para todos. Em ambos os casos, a analogia com a arte da Arquitetura é
bastante adequada, pois se trata sempre de formatar um mundo ideal [1].
CORPORATIVISMO
Na verdade, a Maçonaria é uma
arte muito antiga, cuja prática vem sendo exercida pelos homens desde os
primórdios da civilização. A sua existência fundamenta-se no mais profundo
anseio da alma humana, que é o estabelecimento e a manutenção de um estado de
ordem, justiça, paz e progresso contínuo, condições que são indispensáveis à
felicidade humana.
Para isso, em todos os tempos, as
pessoas que tendem a assumir maior responsabilidade dentro de uma sociedade
costumam desenvolver estratégias de interação e cooperação, visando preservar
interesses mútuos e a sobrevivência da sua cultura. Assim nascem os grupos
fechados dentro de uma comunidade, sendo as chamadas Irmandades a forma mais
característica de preservação desses núcleos culturais.
Por isso, ao ser iniciado na
Maçonaria os candidatos devem responder questões que indagam das suas ideias a
respeito das suas crenças religiosas (os deveres do homem para com Deus), a sua
responsabilidade para com a espécie humana (os seus deveres para com a
humanidade), o seu carácter de civilidade, (os seus deveres para com a pátria),
a sua noção de responsabilidade social (os seus deveres para com a família), e
da sua própria autoestima (os seus deveres para consigo mesmo).
A Maçonaria busca isto na
sociedade pessoas significativas, com os quais possa formar um grupo de escol,
capaz de preservar e desenvolver o que de melhor existe nela. Neste sentido é
que ela se assemelha às antigas instituições, cujo objetivo era congregar
pessoas de reputada importância no meio social, artístico, econômico, político
e científico, para com eles formar uma espécie de central de energia psíquica e
moral, na qual a sociedade pudesse encontrar os seus líderes quando deles
necessitasse.
Este também era o objetivo dos
antigos Ritos dos Mistérios de Elêusis, os Mistérios Egípcios, Os Mistérios de
Mitra, etc., antigas cerimónias iniciáticas, que a par do sentido religioso e
político que apresentavam, tinham esse carácter corporativo.
UTOPIA
Na prática da Maçonaria está
latente também a ideia da utopia, ordem social e política perfeita, sonhada por
vários poetas, filósofos e humanistas, tais como Platão, Tomas Mórus, Tomasso
Campanella, Giordano Bruno, François Rabelais, Voltaire, John Milton, etc. Os
mitos da Atlântida, Lemúria, Shangri-lá, os Campos Elísios, o Paraíso dos
cristãos e dos muçulmanos, etc. também são ecos dessa maravilhosa esperança.
O Éden bíblico e a própria nação
de Israel, com a sua cultura mística e fundamentada nos princípios da
Irmandade, igualmente pode ser considerada uma faceta desse estado de ordem,
harmonia e felicidade com o qual o espírito humano sempre sonhou.
Este estado ideal é um arquétipo
que existe no inconsciente coletivo da humanidade desde os primórdios da
civilização. Remanesce como lenda em praticamente todas as literaturas sagradas
da maioria dos povos antigos.
A ideia é que tal estado existiu
um dia, talvez antes mesmo do advento da nossa atual civilização e foi
destruído por alguma razão. Em algumas crenças, como a judaico-cristã, por
exemplo, acredita-se que este estado foi perdido em consequência de um erro (ou
pecado) cometido pelo ser humano. Por isso é que o homem inventou a religião
(que quer dizer religar), como uma forma de reconduzir a espécie a esse estado
de beatitude perdida.
Os Mestres mais antigos
acreditavam que este estado de harmonia, felicidade e paz poderia ser atingido
pelo trabalho consciente e eficaz das pessoas de boa vontade, pois eles viam o
mundo como um grande edifício que pode ser construído diariamente por cada uma
das criaturas humanas, nas ações que executa na vida. Por isso, da mesma forma
que a paz e a harmonia reinavam nos céus, na Fraternidade que congregava os
anjos (ou deuses), esse estado deveria existir na terra, com os homens reunidos
em uma grande Irmandade [2].
A tradição da Cabala ensina que
antes do homem da terra ser criado, existiram quatro mundos primordiais que
foram destruídos por causa do desequilíbrio energético que neles se instalou
como resultado da revolta de um grupo de anjos rebeldes.
Estes mundos são conhecidos pelos
nomes hebraicos Atziloth, Briah, Yetzirah e Assiah. Em Atziloth, chamado mundo
da origem, a Luz é tirada das trevas. É o momento em que o Criador “pensa” o
universo, por isso Ele é chamado o Grande Arquiteto. Em Briah, o mundo da
criação, a Luz converte-se em energia.
É o momento em que o Grande Arquiteto
do Universo esquematiza e organiza a manifestação criativa. Nascem as grandes
leis universais segundo as quais o cosmo é formatado. Em Yetzirah, o mundo da
formação, as leis físicas atuam e dão forma e movimento à energia, formatando
os quatro elementos (ar, fogo, água e terra), que serão a base de toda matéria
universal.
Em Assiah, o mundo da matéria, os
quatro elementos dão nascimento à vida e à matéria, fase final do edifício
cósmico pensado pelo Grande Arquiteto do Universo e construído pelos seus
“mestres e pedreiros” universais, que são os anjos e os homens.
Ainda segundo a tradição da
Cabala, o Cosmos é dividido em sete mundos: Originário, Inteligível, Celestial,
Elemental, Astral, Infernal e Temporal. O nosso mundo, da matéria, é o
Temporal. São Tomás de Aquino também acreditava na tradição dos “anjos construtores”
do universo, pois nos seus trabalhos ele refere-se a Deus como a “primeira
causa do universo e aos anjos como a causa secundária visível”. Basilides,
sábio gnóstico do segundo século ensinava “que os anjos de categoria inferior
são os construtores do universo material” [3].
Na tradução literal da Bíblia os
quatro mundos da Cabala são referidos como os quatro reis de Edon, que viveram
nos tempos antigos, antes da formação de Israel, e foram derrotados pelos
hebreus na conquista da terra palestina.
Eles “lutam contra Israel”, pois
este, como povo escolhido, é uma alegoria que significa uma tentativa do Grande
Arquiteto do Universo de reorganizar a espécie humana, através de um modelo de
virtude, dirigido por ele mesmo.
Neste caso, Israel, como
Assembleia perfeita (Loja), sagrada, formada por Ele próprio, seria um
arquétipo que permitiria o reencontro do equilíbrio perdido com a destruição
desses antigos mundos.
A palavra Edon é corruptela de
Éden, o “mundo perfeito” de onde o homem teria sido expulso. Neste sentido “os
reis de Edo”, que lutam contra Israel, representam os anjos caídos. A moderna
Gnose vê as alegorias e o simbolismo da Cabala como analogias do processo
físico-atómico-quântico que gera o universo físico.
Neste sentido a Árvore
Sefirótica, concepção cabalista que expressa a ideia mística de como o universo
é construído através das emanações das séforas é uma representação do fluxo de
energia cósmica que cria uma rede de relações que interage, formando o mundo
material e o mundo espiritual.
A Teosofia, doutrina desenvolvida
por Rudolph Steiner e popularizada por Helena Blavastsky, inspirada nos
ensinamentos da Cabala, defende a ideia de que antes da queda, os Elohins
(Anjos construtores do universo) formavam uma grande Fraternidade de obreiros,
cuja missão era construir o universo que o Grande Arquiteto do Universo tinha
em mente. Eles se reuniam nos moldes de uma Loja maçônica.
Depois da queda eles foram
dispersos pelo mundo e muitos deles se tornaram demónios, como Plutão, Satã,
Lúcifer, Sethi, etc… Outros se tornaram os heróis e guias espirituais que a
humanidade cultuou como semideuses (Hércules, Teseu, Gilgamés, Perseu, Arjuna,
Zaratustra, etc.) ou mesmo deuses, como Hermes, Osíris, Mitra, Jesus, etc. que
desceram a terra para civilizar, ou salvar os homens.
João Anatalino
Rodrigues
Notas
[1] Veja-se a introdução à
nossa obra “Conhecendo a Arte Real”, já citada, onde este tema é desenvolvido
com maior profundidade.
[2] Conhecendo a Arte Real,
op citado, pág. 76 e ss.
[3] Veja-se Knorr Von
Rosenroth – A Kabbalah Revelada, Madras , São Paulo, 2000. Veja-se também
Sarane Alexandrian, A História da Filosofia Oculta, citado.
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