Frequentemente ouvimos reformadores zelosos dizerem que os homens precisam
aprender a ser seres sociais, que o individualismo, o egoísmo e todas essas
crenças são prejudiciais em seus efeitos e que a socialização da vida trará uma
era com a qual William Morris sonhou quando escreveu que “a fraternidade é o
céu, a falta de fraternidade é o inferno.” (Ou ele usou a palavra
“companheirismo”? Não importa.)
Por mais admirável que seja o espírito e a intenção desses reformadores,
há uma falácia no cerne de sua teoria. Nós, humanos, já somos seres sociais:
nascemos assim. Dizer-nos que precisamos nos tornar sociais é como dizer aos
peixes que vivam na água.
Quando um bebê nasce, desde o primeiro instante, ele se encontra no seio
de uma família e está ligado por laços indissolúveis ao pai, à mãe, aos irmãos.
Conforme cresce, descobre que tem vizinhos ao seu redor.
Quando chega à idade escolar, aprende que há centenas de outras crianças
como ele. Na vida adulta, provavelmente se casará e terá sua própria família.
Se tiver uma ocupação, perceberá que seu trabalho diário só é possível porque
há milhões de outros seres humanos com os quais compartilha interesses comuns.
A natureza social do mundo se reflete na estrutura do próprio corpo e da
mente. O homem possui a faculdade da fala, o que implica que há outros ao seu
redor com algo a comunicar e que ele também tem algo a comunicar a eles. Quase
todo o seu pensamento se refere às suas relações com os outros.
Quando ele se dedica ao aprendizado, a maior parte de seu conhecimento
trata de outras pessoas e do que fizeram ou foram. A própria consciência
individual, segundo os psicólogos, é de tal natureza que, se um bebê crescesse
sozinho em uma ilha deserta, ele se tornaria idiota ou insano, não importando o
quão saudável fosse seu corpo. Não há como um homem se tornar um ser social,
porque ele já o é e jamais poderá ser outra coisa.
A socialidade é um fato orgânico, embutido na natureza do homem e do mundo
humano, do qual ele não pode escapar, assim como não pode escapar de sua
própria pele. Este fato, ao que me parece, é absolutamente essencial para uma
compreensão correta do nosso tema.
Esses fatos são tão evidentes para nós que parece impossível que qualquer
pessoa madura possa ignorá-los. No entanto, foi exatamente isso que ocorreu, e
com milhões de pessoas, pois essa compreensão do homem como ser social por
natureza é uma das conquistas do pensamento moderno e da pesquisa científica.
Durante muito tempo, os psicólogos presumiram que o homem surgia como um
indivíduo solitário, sem conexão com os outros, e que gradualmente assumia
relações sociais. Sociólogos e economistas políticos se esforçavam para
explicar como uma individualidade autossuficiente como a do homem poderia ter
formado comunidades. Rousseau propôs a teoria do “Contrato Social” para
explicar o fenômeno; Hobbes trouxe outra teoria, e assim por diante.
Economistas começaram seus tratados descrevendo um homem hipotético
vivendo sozinho em uma ilha deserta e depois tentavam demonstrar como seus
interesses econômicos o levariam a formar associações industriais com outros.
Teólogos imaginavam o homem surgindo como uma unidade solitária, que depois
deveria ser levada a se relacionar com Deus e com outros homens.
Todas essas teorias, então e agora — pois ainda sobrevivem de alguma forma
—, são inúteis porque partem do pressuposto de que o homem é uma unidade
solitária que precisa se tornar social por esforço próprio, enquanto a verdade
é que ele já é social desde o princípio.
Sendo isso verdade, fica evidente que a fraternidade não é apenas uma
aspiração sentimental, sentida por pessoas sensíveis e buscada por idealistas.
Pelo contrário, ela já é um fato, tão real e sólido quanto a rocha-mãe que
sustenta as montanhas.
Praticar a fraternidade é descobrir que nós, humanos, já somos irmãos por
natureza e que nunca seremos felizes ou viveremos em harmonia com as leis e
forças do nosso próprio ser até aprendermos a amar uns aos outros e cultivarmos
o espírito fraternal. Quem acredita que somos, por natureza, como lobos ou
tigres, impedidos de nos devorar apenas pelo medo ou pelo costume, e que apenas
aqueles que constroem suas vidas sobre o egoísmo têm a natureza a seu favor,
comete um erro fatal.
O único homem que tem a natureza ao seu lado é aquele que constrói sobre o
fato de que o ser humano é um ser social e que, portanto, jamais poderá ser
feliz até viver em harmonia com seus semelhantes.
Os psicólogos, que realizam cuidadosas investigações sobre os instintos,
nos dizem que a antiga ideia de que o instinto mais poderoso do homem é o da
autopreservação, com tudo o mais sendo secundário, é uma falácia terrível.
A verdade, segundo eles, é que os instintos voltados para os outros, como
o instinto da paternidade e o instinto da socialidade, são igualmente
primitivos e igualmente poderosos, e que o indivíduo que os suprime sofrerá de
inúmeras formas. Por que alguém, ao ver uma pessoa prestes a se afogar, mesmo
que seja um total desconhecido, abandonaria esposa e filhos para se lançar na
água, arriscando a própria vida? Ele não raciocina nem argumenta sobre o
assunto; age por instinto.
A necessidade de viver uma vida fraterna está escrita nas próprias fibras
do nosso ser, e quem vive em oposição a essa necessidade se condena a um estado
anormal em que sua felicidade desaparecerá. Isso, ao que me parece, é uma das
primeiras leis da fraternidade: não se trata de um luxo sentimental, mas de uma
necessidade, tal como pão, ar e água.
Podemos descrever a fraternidade como o desenvolvimento normal dos
instintos sociais ou como um ajuste sábio e sensato do indivíduo à sua
comunidade. Quem faz esse ajuste não o faz por mero sentimentalismo ou desejo
piedoso, mas porque essa é a realidade da natureza humana. Assim como o homem
precisa estar em relação correta com os alimentos que ingere para manter a
saúde, ele também precisa estar em relação correta com seus semelhantes para
viver com felicidade.
Aquele que compreende que a fraternidade é uma forma de sabedoria e que a
realidade exige sua prática não será perturbado por dificuldades sentimentais.
Tampouco permitirá que experiências pessoais o tornem amargo em relação ao
ideal fraterno. Pode ser que eu e meu vizinho sejamos completamente opostos um
ao outro. O que eu admiro, ele detesta. O que ele ama, eu odeio.
Seu temperamento é contrário ao meu. Nossas ocupações entram em conflito.
Não conseguimos conviver socialmente porque nossas diferenças são muitas. Mas
isso não tem nada a ver com a fraternidade. Ser fraterno não exige que gostemos
pessoalmente de todos, nem que todos gostem de nós. Isso pertence ao domínio
das amizades privadas, não à fraternidade.
Se não posso gostar do meu vizinho, ainda assim posso ser seu irmão. Posso
ser justo em todos os meus negócios com ele. Posso me recusar a prejudicá-lo ou
a falar mal dele. Posso manter uma atitude de boa vontade e desejar-lhe
felicidade. Posso estar sempre pronto a ajudá-lo e jamais colocar obstáculos em
seu caminho. Se tivermos uma divergência, posso enfrentá-la como um homem,
honestamente e sem rancor infantil. Essa atitude é o espírito fraterno, e pode
florescer mesmo onde a amizade pessoal for impossível.
Na Maçonaria, chamamos o vínculo que une os homens nesse esforço de “Laço
Místico”. É impossível descrevê-lo, mas aqueles que o conhecem por experiência
não precisam de definições. Ele mistura amizade e cooperação, mas é algo maior
que ambas.
Por mais que possamos definir esse vínculo, é verdade que aquilo a que nos
referimos é, na realidade, a esperança do mundo. Somente quando os homens
estiverem unidos por esse laço, sejam ou não maçons, a humanidade poderá
avançar em direção à felicidade. Pois, no fim das contas, o mundo é uma
unidade, e a raça humana é uma só. Essa é a verdadeira natureza da humanidade,
e ela nunca poderá ser feliz até que todos ajam em harmonia com sua essência.
Aqueles que zombam das aspirações pela unidade racial, pelo
internacionalismo e por todos os esforços para aproximar os homens uns dos
outros, e as mulheres entre si, não sabem do que falam, pois, ainda que não
percebam, são eles que estão iludidos por sentimentalismos vazios e miragens
imaginárias — não aqueles que trabalham para construir a vida sobre as bases em
que ela foi destinada a repousar.
Na medida em que um homem compreende a fraternidade e age em conformidade
com suas exigências, ele sempre trabalhará pela unidade humana. Em sua loja
maçônica, ele não será uma força de divisão e distração. Em sua comunidade,
será um bom cidadão, que entende que a sociedade tem o direito de exigir
sacrifícios de seus membros.
Ele sustentará e defenderá os princípios de seu país e se oporá a toda
influência que contribua para sua degradação e fragmentação. Usará seus
esforços para combater a antipatia racial, as diferenças religiosas e o ódio de
classes.
Estará sempre contra a guerra, o fanatismo, os ciúmes nacionais e as
ambições injustas, as intrigas de falsos estadistas e a complacência pública
com vícios sociais. Essa é sua missão como verdadeiro soldado da fraternidade.
A Maçonaria desempenhou um papel crucial na promoção dessas condições, e a
parte que ainda lhe cabe desempenhar “é maior do que os doze trabalhos de
Hércules”. É algo grandioso para o mundo que, em tempos em que o espírito de
conflito e divisão está tão disseminado, exista uma organização internacional
poderosa de homens que pregam e enfatizam a necessidade de unidade, harmonia e
cooperação entre as nações.
Gosto de pensar que a Fraternidade Maçônica é uma grande escola onde os
homens aprendem a fraternidade praticando-a com seus irmãos maçons, pois quem
começa praticando entre seus irmãos acabará, mais cedo ou mais tarde, por
praticá-la com todos. E gosto de imaginar que a Maçonaria é um mundo dentro do
mundo, onde esses hábitos de fraternidade estão se desenvolvendo e um dia se
enraizarão em toda parte. Assim como o jardineiro semeia suas plantas no abrigo
da estufa durante o inverno para depois levá-las ao ar livre, dentro dos braços
protetores da Fraternidade está crescendo um espírito que, à medida que as
condições permitirem, se espalhará por toda parte.
O grande trabalho do mundo só pode ser realizado pelo esforço conjunto e
cooperativo de todos os homens. No momento, esse mundo está despedaçado,
sangrando em cada ferida. Isso não significa que a fraternidade tenha
fracassado. Significa que um mundo sem fraternidade é um fracasso.
A fraternidade é o único meio viável para curar as dores da humanidade.
Cada indivíduo que aprende na loja maçônica as lições de fraternidade e as
aplica em sua vida cotidiana contribui para uma nova ordem onde reinará a paz
para todos os homens.
Algo que deve realizar tal obra não pode ser uma frágil manifestação de
sentimentalismo privado. Trata-se de uma força mundial capaz de empreendimentos
gigantescos. Aqueles que a veem apenas como um aperto de mão e uma tapinha nas
costas estão lidando com ela como crianças. A fraternidade é uma lei universal,
destinada a transformar a terra em conformidade consigo mesma. Como força
mundial, é algo magnífico, imponente, quase divino.
"Eu proclamo a palavra de ordem primordial, dou o sinal da
Democracia; Por Deus! Não aceitarei nada que não possa ser compartilhado por
todos nós mesmos termos... Sonhei em um sonho que vi uma cidade invencível
contra os ataques do restante do mundo; Sonhei que essa era a nova Cidade dos
Amigos; nada ali era maior do que a qualidade do amor forte — era ela que
guiava todo o resto...Rapidamente se ergueu e se espalhou ao meu redor a paz e
o conhecimento que transcendem todos os argumentos da Terra, e sei que a mão de
Deus é a promessa da minha própria, e sei que o espírito de Deus é o irmão do
meu próprio, e que todos os homens que já nasceram são também meus irmãos, e as
mulheres, minhas irmãs e amantes, e que o esteio da criação é o amor...Seria um
sonho? Não! O sonho é a ausência disso, e, sem isso, a vida e sua riqueza não
passam de ilusão, e todo o mundo, um sonho!" (Walt Whitman, Folhas
de relva)
Autor: H. L. Haywood
*A tradução do texto original foi realizada com uso de IA.
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