Voltando agora a questão das condições da
iniciação, e diremos em primeiro lugar, ainda que possa parecer evidente, que a
primeira destas condições é certa aptidão ou disposição natural, sem a qual,
todos os esforços seriam em vão, pois o indivíduo não pode indiscutivelmente
desenvolver senão as possibilidades que tem nele desde a origem; esta aptidão,
que faz o que alguns chamam o "iniciável", constitui propriamente a
"qualificação" requerida por todas as tradições iniciáticas.
Esta condição é, por demais, a única comum, em
certo sentido, à iniciação e ao misticismo, pois está claro que o místico deve
ter, ele também, uma disposição natural especial, ainda que completamente
diferente da do "iniciável", inclusive oposta a ela em muitos
aspectos; porem esta condição, para ele, ainda que igualmente necessária, é de
sobra suficiente; não tem nenhuma outra que se deva adicionar, e as
circunstâncias fazem o resto, fazendo passar o seu capricho da
"potência" ao "ato" tal ou qual possibilidades que comporte
a disposição de que se trata.
Este resulta diretamente do caráter de
"passividade" do que temos falado: não poderia, com efeito, em tal
caso, tratar-se de um esforço ou de um trabalho pessoal qualquer, que o místico
jamais efetuará, e do qual deverá inclusive resguardar-se cuidadosamente, como
de algo que estivera em oposição com sua "via", enquanto que, pelo
contrário, no relativo à iniciação, e em razão de seu caráter
"ativo", um trabalho tal constitui outra condição não menos
estritamente necessária que a primeira, e sem a qual o passo da
"potência" ao "ato", que é propriamente a
"realização", poderia de nenhum modo cumprir-se.
Contudo, isto não é, todavia tudo: não temos feito
em suma mais que desenvolvera diferença, exposta a princípio, entre a
"atividade" iniciática e a "passividade" mística, para
extrair a consequência de que, para a iniciação, há uma condição que não
existe, e que não poderia existir no que concerne ao misticismo; porém ainda há
outra condição não menos necessária da qual temos falado, e que se situa em
qualquer caso entre aquelas que estão postas em tela de juízo.
Esta condição, sobre a qual é preciso por outra
parte insistir em que os ocidentais, em geral, são demasiado dados a ignora-la
ou a desconhecer sua importância, e inclusive, verdadeiramente, a mais
característica de todas as que permite definirem a iniciação sem equívoco
possível, e não confundi-la com qualquer outra coisa; por ela, o caso da
iniciação está muito mais delimitado do que poderia ser o do misticismo, para o
qual não existe nada dele.
É a miúdo difícil, se não de todo impossível,
distinguir o falso misticismo do verdadeiro; o místico é, por definição, um
isolado e um "irregular", e muitas vezes ele mesmo não sabe o que é
verdadeiro; e o feito de que não se trata do conhecimento no estado puro, senão
que inclusive o que é conhecimento real está sempre influindo por uma mistura
de sentimento e de imaginação, faz com que estes longe de simplificar a
questão; em todo caso, há algo que escapa a todo controle, o que poderíamos
expressar dizendo que não há para o místico nenhum "meio de
conhecimento".
Se poderia dizer também que o místico não tem
"genealogia", que não é tal destino por uma sorte de "geração
espontânea", e cremos que estas expressões são fáceis de compreender sem
necessidade de mais explicações; então, como se pode afirmar sem nenhuma dúvida
que um é autenticamente místico e que o outro não é, quando sem dúvida todas as
aparências podem ser sensivelmente as mesmas? Pelo contrário, as falsificações
da iniciação sempre podem ser detectadas infalivelmente pela ausência da
condição a que temos aludido, e que não é outra que a adesão a uma organização
tradicional regular.
Há ignorantes que se imaginam poder
"iniciar-se" a si mesmos, o que é de qualquer maneira uma contradição
no final; esquecem se é que alguma vez o tenham sabido que a palavra initium
significa "entrada" ou "começo", confunde o fato mesmo da
iniciação, entendida no sentido estritamente etimológico, com o trabalho a realizar
posteriormente para que esta iniciação, de virtual que tem sido em um
princípio, se transforme mais ou menos em plenamente efetiva.
A iniciação, assim compreendida, é o que todas as
tradições concordam em designar como o "segundo nascimento"; como
poderia um ser atuar por si mesmo antes de haver nascido?
Bem sabemos o que se nos poderá objetar a ele: se o
ser está verdadeiramente "qualificado", já leva nele as
possibilidades que se propõe a desenvolver; porque, se ele é assim, não poderia
realizá-las mediante seu próprio esforço, sem nenhuma intervenção exterior?
Isto é, de fato, algo que está permitindo considerar teoricamente, a condição
de conceber-se como o caso de um homem "duas vezes nascido" desde o
primeiro momento de sua existência individual; porem se não tem ele uma
impossibilidade de princípio, não há menos uma possibilidade de fato, no
sentido em que isto é contrário a ordem estabelecida para nosso mundo. A menos
em suas condições atuais.
Não estamos na época primordial em que todos os homens possuíam normal e
espontaneamente um estado que hoje em dia é somente adquirido em um alto grau
de iniciação; e, por outra parte, para dizer a verdade, o nome mesmo de
iniciação, em uma época semelhante, não podia ter nenhum sentido.
Estamos no Kali-Yuga, é dizer, em um tempo em que o conhecimento
espiritual se encontra oculto, e de onde somente uns poucos podem, todavia,
alcança-lo, desde que se situem nas condições requeridas para obtê-lo; nesse
instante, uma destas condições é precisamente aquela da qual temos falado,
assim como outra é o esforço do qual os homens das primeiras épocas não tinham
necessidade alguma, já que o desenvolvimento espiritual se cumpria neles tão
naturalmente como o desenvolvimento corporal.
Trata-se então de uma condição cuja necessidade se impõe em conformidade
com as leis que regem nosso mundo atual; e para fazermos compreender melhor,
podemos recorrer aqui a uma analogia: todos os seres que se desenvolveram no
curso de um ciclo estão compreendidos desde o princípio, em estado de germens
sutis, no "Ovo do Mundo"; então, porque não surgiram ao estado
corporal por si mesmo, sem pais? Não é isto uma impossibilidade absoluta, e
pode conceber-se um mundo em que ocorra assim; porém, com efeito, esse mundo
não é nosso.
Reservamos-nos, por suposição, a questão das anomalias; pode ser que
existam casos excepcionais de "geração espontânea", e, na ordem
espiritual, temos aplicado até agora esta expressão no caso do místico; porem
também tem dito que este é um "irregular", enquanto que a iniciação é
algo essencialmente "regular", que nada tem haver com as anomalias.
Todavia faltaria por saber exatamente até onde podem estas chegar; deve,
também, ajustar-se em definitivo a alguma lei, pois todas as coisas não podem
existir senão como elementos de ordem total e universal.
Só isto, si se quisera refletir, poderia bastar para fazer pensar que os
estados realizados pelo místico não são precisamente os mesmos que os do
iniciado, e que, se sua realização não está submetida às mesmas leis, é que
efetivamente se trata de algo diferente; porem agora pode deixar por completo
de lado o caso do misticismo, sobre o qual já temos falado bastante para o que
nos proporíamos estabelecer, para não considerar exclusivamente mais que o da
iniciação.
Nos falta, com efeito, precisar o papel da adesão a uma organização
tradicional, que não poderia, hipoteticamente, dispensar de nenhum modo do
trabalho interior que não pode cumprir cada um senão por si mesmo, porém que é
necessária, como condição prévia, para que este mesmo trabalho possa
efetivamente dar seus frutos.
Deve permanecer compreendido, desde e agora, que os que se tem
constituído em depositários do conhecimento iniciático, não pode comunicá-lo de
uma maneira mais ou menos comparável a um professor, no ensino profano,
comunica a seus alunos fórmulas livres que devem armazenar em sua memória; se
trata aqui de algo que, em sua própria essência, é propriamente
"incomunicável", já que são estados a realizar interiormente.
O que pode ensinar-se são unicamente os métodos preparatórios para a
obtenção destes estados; o que pode ser proporcionado exteriormente a este
respeito é em suma uma ajuda, um apoio que facilite enormemente o trabalho a
cumprir, e também um controle que separe os obstáculos e os perigos que possam
se apresentar; todo ele está muito distante de ser depreciável, e quem se ver
privado disto, correria o risco de desembocar em um fracasso, porém isto
justificaria completamente o que temos dito quando falamos de uma condição
necessária.
De modo que não é isto o que tínhamos em vista, ao menos de maneira
imediata; todo ele não intervém senão secundariamente, e em qualquer caso a
título de consequências, traz a iniciação entendida em seu sentido mais
estrito, tal como temos indicado, e desde o momento em que se trata de
desenvolver efetivamente a virtualidade que ela constitui; porem ainda é
preciso, antes de tudo, que esta virtualidade preexista.
É então outra coisa o que deve se entender por transmissão iniciática
propriamente dita, e não poderíamos caracteriza-la melhor que dizendo que esta
é essencialmente a transmissão de uma influência espiritual; devemos voltar
sobre ela mais amplamente, porem, no momento, nos limitará a determinar mais
exatamente o papel que desempenha esta influência, entre a aptidão natural
propriamente inerente ao indivíduo e o trabalho de realização que a continuação
se efetuará.
Temos assinalado em outro lugar que as fases da iniciação, igual que as
da "Grande Obra" hermética que não é no fundo senão uma de suas
expressões simbólicas reproduzem as do processo cosmogônico; esta analogia, que
se funda diretamente sobre a do "microcosmos" com o
"macrocosmos", permite, melhor que toda outra consideração, aclarar a
questão que atualmente tratamos.
Pode dizer-se, com efeito, que as atitudes ou possibilidades incluídas
na natureza individual não são em princípio, em si mesmas, mais que uma matéria
prima, é dizer, uma pura potencialidade, na qual não tem nada desenvolvido ou
diferenciado; é então o estado caótico e tenebrosos, que o simbolismo
iniciático faz precisamente corresponder com o mundo profano, e no qual se
encontra o ser que, todavia não tem alcançado o "segundo Nascimento".
Para que este caos possa começar a tomar forma e a organizar-se é
preciso que uma vibração inicial o seja comunicada pelas potências espirituais,
a que o Gênesis hebreu designa como os Elohim; esta vibração é o Fiat Lux que
ilumina o caos, que constitui o ponto de partida necessário para todos os
desenvolvimentos posteriores; e sob o ponto de vista iniciático, esta
iluminação está precisamente constituída pela transmissão da influência
espiritual da que temos falado.
Desde então, e em virtude desta influência, as possibilidades
espirituais do ser não são a simples potencialidade que antes eram; se
transformam em uma virtude disposta a desenvolver-se em ato nos diversos
estágios da realização iniciática.
Podemos resumir tudo o que precede dizendo que a iniciação implica três
condições que se apresentam em forma sucessiva, e que se podiam fazer
corresponder respectivamente com as três conclusões de
"potencialidade", "virtualidade" e "atualidade":
1°, a "qualificação", constituídas por certas possibilidades
inerentes a natureza própria do indivíduo, e que são a matéria prima sobre a
qual o trabalho iniciático deverá se efetuar;
2°, a transmissão, por meio da adesão a uma organização tradicional, de
uma influência espiritual que dá ao ser a "iluminação" que o
permitirá ordenar e desenvolver as possibilidades que leva a ele;
3°, o trabalho interior pelo qual, com o auxilio de
"ajudantes" ou "suportes" exteriores, se tem lugar e
especialmente nos primeiros estágios, o desenvolvimento será realizado
gradualmente, fazendo passar a ser, de escalão em escalão, através dos
diferentes graus da hierarquia iniciática, para conduzi-lo ao objetivo final da
"Liberação" ou da "Identidade Suprema".