Na Iniciação a Maçonaria como que “firma um contrato” com o novo
homem: uma promessa mútua ou obrigação será mantida desde o instante do
juramento (compromisso) e enquanto durar a recíproca confiança.
Apesar dos juramentos serem tomados na primeira pessoa do
iniciando, também a Loja – e a Ordem como um todo – assumem obrigações para com
o Maçom. A partir da entrega do avental, o iniciado deverá estar seguro de
encontrar amigos entre os Maçons – mais que amigos, Irmãos dedicados e leais –
prontos a prestarem o justo e necessário auxílio nos momentos aflitivos e
durante os combates travados sob o escudo da Virtude. Além disso, a estrutura administrativa
e cultural da instituição deverá propiciar a Luz do Conhecimento em favor de
cada um dos seus obreiros.
Nas etapas da nova vida em Loja a palavra “virtude” revelará sua
característica mais íntima: um PODER (virtus = vir, virilidade, força) pronto
a passar do dever ao ato com coragem e desprezo pela dor. É por isso que usamos
o tratamento “poderoso irmão” que corresponde a VIRTUOSO IRMÃO.
A palavra “Maçonaria” traz à mente, para quem não foi iniciado
na Ordem que leva este nome, um relacionamento ou entendimento entre pessoas. É
neste sentido que podemos conceituar a natureza social da Maçonaria: um acordo
ou entendimento que produz uma série de compromissos.
Um compromisso, por sua vez, resulta de uma promessa a ser
cumprida. A palavra promissum que herdamos do latim tem esse
significado: coisa devida e obrigação solene assumida perante alguém ou um
grupo de pessoas.
A obrigação solene é o principal elemento que faz dos rituais
maçônicos atividades sagradas. Os juramentos (compromissos) são tomados em nome
do que há de mais puro, tanto para a Loja quanto para o neófito recebido em seu
quadro.
Se for transcendente, essa pureza, inefável por si mesma, é
tomada como o Princípio Criador e sua contraparte – a Consciência Moral.
Ambos são invioláveis, sacrossantos e representados num livro sagrado (a Lei)
que não pode ser levianamente tocado, infringido ou violado sem repercussões de
foro íntimo.
Assim, cada maçom, curvado em genuflexão diante do Mistério,
deposita no escrínio de seu coração as cláusulas de um “contrato” gravado nos
arquivos perenes da memória e de sua história pessoal.
A partir da Iniciação o candidato torna-se Aprendiz, isto é,
aprende como aplicar a tríade Liberdade-Igualdade-Fraternidade em seus deveres
para com Deus, para consigo mesmo e para com a humanidade. A Iniciação e seu
tempo de Aprendiz não visam fazer dele um homem livre e de bons costumes, pois
essas são condições necessárias (sine qua non) que ele deve trazer da vida
secular.
É necessário que o candidato possua o sentimento de sua própria
liberdade e esteja plenamente consciente da distinção entre o bem e o mal. Se,
sob quaisquer circunstâncias, ele age contra seus próprios valores é porque
ainda é um escravo.
Na Loja de Aprendiz o neófito vai tomar conhecimento, mediante o
estudo, a observação e a experiência das ferramentas úteis à aplicação de sua
liberdade e de seus bons costumes na condução de seus pensamentos, palavras e
ações em direção a Deus, à pátria e à família.
A Consciência Moral consiste em tomarmos certa distância de
nossos atos, o que nos permite reavaliá-los e conceber novas atitudes capazes
de implementar o bem. Nesse particular vale a advertência de Schopenhauer: “é
mais fácil pregar moral do que fundamentá-la na prática“.
Herdamos do antigo Direito Romano o sentido de “obrigação” que
tem a promessa: ela retrata um vínculo entre coisas ou pessoas. Esse vínculo ou
ligação (ligatio) constitui uma espécie de encargo (obligatio) – servidão
voluntária que alguém toma sobre si em determinado momento e que deve ser
levada a cabo desde então e até o futuro.
Assim é o Direito, conjunto de condições pelas quais o arbítrio
de um pode conciliar-se com o arbítrio do outro, ordenando as associações
humanas num sistema de normas lógicas, legítimas e válidas.
O compromisso visto por ambos prismas é, portanto, uma ligação
que subordina a vontade singular à pluralidade que rege as relações humanas.
Numa Loja maçônica esse acordo ou pacto é um vínculo moral que, além de gerar direitos
(benefícios) dá origem a restrições, ônus e gravames (deveres).
Como nas obrigações jurídicas, há sempre uma tarefa ou ofício –
um fazer – , mas também o “não fazer” (non facere), duplo aspecto que reflete
um ordenamento maior que o Direito e as leis.
Os sujeitos desse “contrato maçônico” oscilam entre a parte que
tem o direito de exigir e a outra sobre quem recai o compromisso. Pactua-se
sobre o pressuposto de que ambas nutrem uma permanente disposição para querer o
bem sendo o objeto (o debitum) sempre o mesmo: um trabalho análogo ao dos
antigos pedreiros (os operativos), mas desta vez construindo e reconstruindo a
sociedade (os especulativos), levantando novos templos à Consciência Moral, à
prática do dever, da justiça, da caridade e das grandes concepções da vida
pública.
Toda esta analogia reflete o cenário do Direito das Obrigações
com seus quatro elementos:
um sujeito ativo ou credor que tem o direito de exigir a
solvência do encargo;
o sujeito passivo ou devedor, sobre quem recai o trato a ser
cumprido;
o objeto do compromisso (debitum) que o devedor deve praticar ou
abster-se de praticar em favor do sujeito ativo;
o vínculo jurídico que liga os sujeitos dessa obrigação.
Enquanto nas obrigações ditas “civis” um compromisso tem início,
meio e término – ou seja, esgota-se ao ser satisfeito seu objeto integralmente
– na Lei Natural e no âmbito moral os direitos e as obrigações possuem um
conteúdo ditado pela natureza e válido para qualquer tempo ou lugar.
Por exemplo: toda pessoa nasce entranhada de direitos que se
desenvolvem à medida que sua personalidade amadurece, dando lugar a
compromissos e obrigações de caráter social. São as convenções, ajustes e
pactos.
Na mesma esteira o desenvolvimento da sociedade vem marcado por
três estágios de reconstrução social dos quais brotaram a inclusão dos direitos
e deveres do indivíduo:
Relativamente à cultura do Ocidente, contemplamos o primeiro
estágio da reconstrução social no ordenamento religioso e moral contido do
pensamento judaico-cristão.
Segundo a tradição, no Antigo Testamento (primeiro acordo ou
pacto) a aliança se desenvolveu desde Abraão até o decálogo entregue por Deus a
Moisés com três deveres (mandamentos) para com Deus e sete outros de cunho
social: “Honrarás o teu pai e a tua mãe, não cometerás homicídio nem adultério;
não furtarás, não darás falso testemunho, nem cobiçarás a casa do teu próximo“.
Desse conjunto de leis
originaram-se 613 disposições, ordens e proibições em benefício de uma
coletividade essencialmente nômade. Os direitos e deveres contidos nas tábuas
da Lei e na Arca da Aliança visavam primeiro a coletividade – o povo hebreu –
antes de se destinarem ao indivíduo.
Na nova aliança (Novo Testamento) Jesus autenticou as obrigações
mosaicas e os direitos dela decorrentes, transformando-os em fundamentos de um
nascente humanismo face ao poderio de Roma.
O rigor da antiga lei, cuja maior parte fora adaptada pelos
patriarcas a partir dos costumes egípcios, do Código de Manu e da Lei de
Talião, foi explanado em termos de misericórdia e compaixão através do
Evangelho condensado em apenas dois preceitos: “Amarás o Senhor teu Deus de
todo o teu coração, de toda tua alma e de todo teu entendimento”.
Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo é semelhante
a este: “Amarás o teu próximo como a si mesmo. Destes dois mandamentos dependem
toda a Lei e os Profetas.”
O Direito natural ou jusnaturalismo de John Locke, Hugo Grotius
e outros se baseia na existência de conteúdos desse tipo. Mesmo quando não
falam de uma transcendência admitem os padrões estabelecidos pela natureza e,
portanto, válidos em qualquer tempo ou lugar.
Paulo de Tarso, na Epístola aos Romanos, lembra o conjunto das
obrigações naturais ressaltando a superioridade das mesmas em relação à
criatura, dizendo: “… mesmos os gentios, que não têm lei, fazem por natureza as
coisas que são da lei“. O primeiro desses compromissos sociais consiste no
direito à vida e no dever de garanti-la em todos os aspectos.
O segundo grande estágio da reconstrução social foi firmado na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada em 1789 pela Assembleia
Nacional Constituinte. Nessa Declaração de Direitos moldaram-se os ideais da
primeira fase da Revolução Francesa sintetizados no seu Artigo. 1.º: “Os homens
nascem e são livres e iguais em direitos.
As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.”
Esta tese, cláusula pétrea da cidadania, foi inspirada na Revolução Americana
de 1776 e nas ideias do Iluminismo.
Cento e cinquenta e nove anos mais tarde sobreveio o terceiro
estágio da reconstrução: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para
com os outros em espírito de fraternidade“, Declaração Universal dos Direitos
Humanos adotada pela ONU em 10 de dezembro de 1948.
Entre o primeiro estágio (lei mosaica) e o segundo passaram-se
dezessete séculos. Mas entre o segundo e o terceiro (Declaração dos Direitos
pela ONU), apenas um século e meio. Apesar de tudo, reconheçamos ou não este
fato, a Consciência Moral avança mais rápido do que o progresso científico.
Outra consequência dos estágios da reconstrução social é a
constante busca de uma solução possível do conflito entre obedecermos aos
ditames da sociedade e a vontade que emana do nosso íntimo. Vem em socorro dos
novos construtores a primeira norma do imperativo categórico da filosofia de
Immanuel Kant (1724-1804): “age sempre de maneira que a norma de vontade possa
ser erigida como legislação universal“.
Kant definiu o imperativo categórico como o impulso que leva as
pessoas a agirem em conformidade com os princípios determinantes da natureza
humana. A ação, neste sentido, deve ser entendida como um objetivo, nunca como
um meio.
Por isso os símbolos da Maçonaria apontam para uma diversidade
de interpretações. A cada Aprendiz, Companheiro e Mestre devem ser dada a
máxima liberdade para compreenderem e traduzirem no âmago da consciência o
significado dos símbolos.
Cada construtor do Templo maneja suas próprias ferramentas e
descobre seu método de lavrar a pedra, desvendando por si mesmo o que ele
deverá ser a partir do que é. A obra pela qual ele responde é o edifício
inteiro (o Templo da Virtude) onde uma simples pedra colocada fora de esquadria
compromete a estabilidade de todas as colunas, arcos e abóbada.
Mais uma vez é a
consciência que fiscaliza os trabalhos. Só ela pode corrigir os ângulos e a
geometria. E quando julga, são valores que nascem da experiência individual,
pois os símbolos existem mais para velar do que para revelar.
O avental e cada ferramenta de trabalho possibilitam ao Maçom
sua entrada no Templo Interior segundo recursos de sua consciência. Dessa
forma, na consecução do “contrato” o Iniciado sai vencedor – contente e
satisfeito – a um só tempo solitário e participante da Ordem.
Como se inserem nos dias de hoje e na vida do Maçom – seja ele
Aprendiz, Companheiro ou Mestre – as promessa e obrigações assumidas que garantam
seu vínculo com a Loja e com cada um dos Irmãos que o cercam?
Para os autênticos construtores sociais, ancorados no ontem
(tradição), voltados para o hoje, com a firme bússola da Lei e seu significado,
permanecem intactas as colunas que sustentam o humanismo lógico e ético:
a ação de uns para com os outros em espírito de FRATERNIDADE,
garantindo-se o equilíbrio dos direitos, isto é – uma IGUALDADE;
a preservação da LIBERDADE com que todos nasceram (livres e
iguais em dignidade e em direitos).
Contemplando este significado, comparado à luz dos estágios
acima descritos, torna-se explicável a tríade com a qual a Maçonaria se
identifica: LIBERDADE, IGUALDADE e FRATERNIDADE.
Algumas correntes menos atentas ao conteúdo histórico,
filosófico e sociológico do lema “Liberdade-Igualdade-Fraternidade”,
consideram-no “mero apanágio da Revolução Francesa“, negando-lhe autenticidade
entre os Livres Pensadores e Iluministas que lapidaram os cânones da
Franco-Maçonaria a partir do século XVIII.
Para o Iluminismo há desigualdades naturais às quais temos que
nos curvar:
desigualdade de talentos, de saúde, de inteligência, de aptidões, e
na aceitação delas reside a virtude da tolerância. Mas, sabedor disso, o maçom
tem o dever de combater as desigualdades artificiais oriundas da injustiça
social, fomentadas pela má distribuição de renda, pela avareza, pela corrupção
e pelos falsos prestígios advindos dessas mazelas. Mesmo as desigualdades
naturais podem resultar daquelas provocadas pela injustiça e falta de
liberdade.
Cabe às Lojas e a cada Maçom em particular
investigarem esses fatos sociais e promoverem a equidade de oportunidades
– primeiro no seio da Ordem para depois – alicerçados no exemplo do “dever de
casa” – expandirem o ideal nos quatro cantos da Terra. É nisso que reside o
caráter especulativo da Maçonaria.
Finalmente, o vínculo que liga os sujeitos da obrigação maçônica
pode ser apreciado nas seguintes cláusulas ou decálogo da Iniciação:
I – Cada obreiro, Loja e Potência Maçônica zelam pela
manutenção da Ordem protegida da curiosidade e dos ataques a que possa ser
exposta.
II – Desenvolvem seus trabalhos com disciplina, ordem e o
respeito necessário.
III – Buscam uma convivência que propicie a maior perfeição
possível em relação aos hábitos e aos costumes.
IV – Dirigem seus trabalhos em direção à Virtude e ao
esclarecimento dos assuntos da Instituição.
V – Combatem sem trégua os vícios, a tirania, a ignorância,
os preconceitos e os erros.
VI – Glorificam permanentemente o Direito, a Justiça e a
Verdade.
VII – Promovem, em todos os setores da sociedade, atos que
visem o bem estar da Pátria e da Humanidade.
VIII – Fazem de cada empreendimento fonte inesgotável de
felicidade.
IX – Escudados na misericórdia praticam e ensinam a
tolerância e a paz.
X – Mesmo nos momentos mais difíceis, esforçam-se para que
prevaleça o amor à Ordem e o respeito às autoridades.
Estamos às portas do quarto grande estágio da reconstrução
social. Parte da humanidade já percebeu isso e se apressa para adequar-se à
Nova Era. O joio já está separado do trigo. É nas Ordens Iniciáticas que a
colheita vem se tornando mais evidente.
Aperta-se o tempo para o cumprimento integral do contrato: há os
que permanecem em seus postos e os que, por infelicidade, buscam na deformação
das cláusulas do contrato um abrigo temporário para a inadimplência.
Autor: José Maurício Guimarães