Por que devemos pautar
nossos atos pelo comportamento digno? Por que não somos estranhos uns aos
outros? Por que o maçom deve cultivar um perfeito controle de si próprio? Por
que só devemos admitir em nossas lojas homens honrados, de ilibada reputação
moral e atitudes discretas? Por que somos uma fraternidade iniciática?
As respostas estão nas
profundas raízes da Arte Real, isto é, nos antigos deveres do ofício (The Old
Charges of Craft Freemasonry) e na compilação deles da qual resultaram a
Constituição de Anderson e, mais tarde, noutras compilações denominadas landmarks.
(Neste texto uso landmark com L maiúsculo ou minúsculo conforme me
refira ao termo geral ou à lista adotada pela Potência Maçônica. Da mesma
forma, uso Constitution em inglês para diferenciar da Constituição
adotada pela Potência Maçônica.)
Todos os maçons
conhecem bem os preâmbulos dos atos e decretos de suas Potências ou Obediências
que começam com a proclamação: “O Grão-Mestre, no uso das atribuições que lhe
conferem os Landmarks da Ordem, a Constituição de Anderson… etc.”.
Mas poucos têm a oportunidade de conhecer aprofundadamente os landmarks; e
são pouquíssimos os que se interessam pelo texto completo das chamadas
Constituições de Anderson (Constitution).
Comecemos pelo
aparentemente mais simples – os landmarks.
Uma vez que a palavra
é inglesa, o que se entende por landmarks? Para simplificar, tomemos landmark no
sentido de LIMITE – ponto de referência, marco divisório ou fronteira. Há quem
prefira esquartejar a palavra: land (terra) + mark (marco)
– antigamente, aquela cerca de arame que separava as hortaliças de Joe Smith
das galinhas do seu vizinho John Dolittle – um marco divisório, uma fronteira,
um limite: “daqui pra lá é seu, daqui pra cá é meu”.
A Bíblia, de onde o
conceito foi tirado, refere-se à cláusula pétrea “nolumus leges mutari”, isto
é, que essas leis não sejam transgredidas – implícita no livro dos
Provérbios, 22:28 – “Ne transgrediaris terminos antiquos quos posuerunt patres
tui”, traduzido na versão inglesa King James por “Remove not the ancient
landmark, which thy fathers have set.” – não removas os marcos antigos que teus
antepassados colocaram.
Resumindo: landmark envolve
– social e politicamente falando – as questões do direito patriarcal (‘antiquos’
e ‘thy fathers’), de posse, domínio e poder.
Mas quem foram esses
pais ou antepassados que andaram colocando limites e fixando fronteiras no
território terrestre? Quais foram esses precursores chefes de família que
restringiram quaisquer mudanças nas leis e assentaram regiões de interdição ao
pensamento das gerações vindouras?
O livro “llustrations
of Masonry“, do maçom inglês William Preston (1772) registra a palavra “landmark”
como sinônimo de usos e costumes estabelecidos na Arte Real.
Penso que seja
esta acepção mais correta, principalmente por ser a mais antiga (terminos
antiquos) e considerando que o Direito inglês é eminentemente consuetudinário
(de uso habitual, comum). Além disso, a Grande Loja Unida da Inglaterra nunca
enumerou uma lista de landmarks porque considera fundamental o único landmark possível: a
crença na existência de um Ser Supremo.
Ressalvo, entretanto,
que a expressão “usos e costumes” deve ser entendida no contexto histórico da
Maçonaria e não no sentido jurídico atual (fonte do direito) erigido através de
condutas e atos praticados reiteradamente nas Lojas. Nesse sentido não existem usos
e costumes na Maçonaria e muito menos nas questões ritualísticas.
O pesquisador inglês
Harry Carr (1900-1983), Past Master da Quatuor Coronati Lodge nº 2076 de
Londres, aponta dois pontos essenciais para as cláusulas pétreas: 1 – Um landmark deve
ter existido desde os tempos imemoriais (terminos antiquos) e não fabricados a
partir de certo ponto da história; 2 – Os landmarks são elementos de
tal importância essenciais para nossa fraternidade que a Ordem já não seria
Maçonaria se algum deles fosse alterado. Neste particular, Albert Gallatin
Mackey alertou: “Não admitamos mudanças de quaisquer espécies, pois desde
que isso se deu, funestas consequências demonstraram o erro cometido.”
Apesar disso, e de
acordo com os modernos pesquisadores do assunto, existem várias listas de landmarks que
pode ser de apenas três para Alexander S. Bacon e Chetwode Crawley, ou nove
para J. G. Findel. Para Roscoe Pound, a Grande Loja da Virgínia e o cubano
Carlos F. Betancourt são sete; ou seis landmarks para a Grande Loja
de Nova York, que toma por base os capítulos em que se dividem as Constituições
de Anderson. Vinte para a Grande Loja Ocidental de Colômbia; dezenove para Luke
A. Lockwood e a Grande Loja de Connecticut; dezessete para Robert Morris;
quinze para John W. Simons e para a Grande Loja de Tennessee; doze para A. S.
MacBride e dez para a Grande Loja de Nova Jersey. As listas maiores compreendem
trinta e um landmarks para o Dr. George Oliver, cinquenta e quatro
para H. G. Grant e para a Grande Loja de Kentucky; vinte e nove para Henrique
Lecerff, vinte e seis para a Grande Loja de Minnesota e assim por diante.
A Grande Loja Maçônica
de Minas Gerais adota a lista de Albert Gallatin Mackey que compilou vinte e
cinco landmarks, a lista mais conhecida e utilizada no Brasil, que
preconiza: “Não admitamos mudanças nos legítimos e inquestionáveis landmarks,
pois desde que isso se deu, funestas consequências demonstraram o erro cometido.”
Mackey foi um médico
norte-americano nascido em 1807. Publicou “The Principles of Masonic Law on the
Constitutional Laws, Usages And Landmarks of Freemasonry” em 1856 onde propôs
um meio termo entre a ritualística, à legislação e o cerimonial:
“Várias definições
foram dadas para landmarks. Alguns supõem terem sido constituídos a partir de
todas as regras e regulamentos que estavam em vigor antes da revitalização da
Maçonaria em 1717, confirmados e aprovado pela Grande Loja da Inglaterra
naquela época. Outros, mais rigorosos, limitam essa definição aos modos de
reconhecimento em uso na fraternidade.
Eu proponho um meio
termo, e considero landmarks todos os usos e costumes do ofício ritualístico,
legislativo, cerimonial, e mesmo à organização da sociedade maçônica conforme
os usos dos tempos imemoriais. E considero a alteração ou a supressão de algo
que possa afetar o caráter distintivo da instituição como fator de destruição
da sua identidade.”
O meio termo acenado
por Mackey foi, entretanto, o sinal verde para novas hermenêuticas entre as
visões ortodoxa e heterodoxa da Maçonaria. Sem falar na nítida constatação de que
alguma coisa fora mudada ou alterada nos antigos marcos colocados por nossos
antepassados – antevisão reveladora de que outras modificações estariam a
caminho no devido tempo.
Muitos autores
questionam a lista de Mackey que descreve, com exagerada ênfase, os poderes e
atribuições do Grão-Mestre. Um dos mais expressivos críticos foi Roscoe Pound
(1870-1964), reitor da Harvard Law School que – talvez motivado pela
teoria do “meio termo” – propôs uma lista mais curta, de sete landmarks…
com a possibilidade de mais dois.
Esses nove landmarks possíveis
mantiveram, com algumas modificações, os de Mackey (III, X, XIV, XVIII, XIX,
XX, XXI, XXIII e XXIV) eliminando os números I e II que a Maçonaria tradicional
considera fundamentais: os processos de reconhecimento e a divisão do
Simbolismo em três graus, além do polêmico e nevrálgico Landmark XXV
– “nenhuma modificação pode ser introduzida…”
Por outro lado, por
estranho que pareça, o próprio Mackey considerava os landmarks uma
generalidade e que os regulamentos gerais e locais fossem os determinantes para
as autoridades locais da Maçonaria.
Afirmava também, no mesmo diapasão da Quatuor
Coronati Lodge de Londres, que um dos requisitos dos landmarks é
terem eles existido desde o tempo que a memória do homem possa alcançar – donde
se deduz que os verdadeiros marcos são as leis morais ou o Direito Natural
inscritos na mente e no coração dos homens. Por isso James Anderson escreveu na
primeiríssima página da Constitutions:
“Adão, nosso primeiro
pai, criado à imagem de Deus, o Grande Arquiteto do Universo, deve ter tido a
Ciência Liberal, particularmente Geometria escrita em seu coração…” (Adam, our first parent,
created after the Image of God, the Great Architect of the Universe, must have
had the Liberal Science, particulary Geometry written on his Heart…)
Houve (e ainda há) os
que debocharam dessa declaração interpretando, grosso modo, que o sábio James
Anderson estava a dizer que o Venerável Deus iniciou o Aprendiz Adão na
Maçonaria. O ilustre Irmão José Castellani ironizou essa interpretação do mito
no texto humorístico “Loja Paraíso nº0”, mas, da parte de lá do fino humor,
Castellani sabia a qual escrita James Anderson estava se referindo.
Para os que conhecem a Filosofia do Direito, aquela Ciência Liberal escrita no
coração do homem nada mais é do que o Direito Natural comunicado à razão humana
desde sua criação – simbolizada pela Geometria – um código ético completo
coligido da estrutura da natureza – tese sustentada por Tomás de Aquino, Thomas
Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau e presente na Common Law.
Talvez isso responda à
pergunta sobre quais foram aqueles pais que colocaram fronteiras nas divagações
inúteis da vaidade humana.
As Constituições de
Anderson (1723) são anteriores a quaisquer landmarks e, por isso,
ouso dizer que elas são – ao lado do Jus Naturalis – os verdadeiros LANDMARKS.
Os antigos deveres do ofício de maçom foram consolidados nessas Constitutions
of the Free-Masons dedicadas ao Grão-Mestre Philip Wharton Duque de Montagu e
assinadas pelo francês Jean Théophile Désaguliers, Grão-Metre Adjunto e membro
da Royal Society of London. O redator James Anderson, por sua vez, era um
pastor presbiteriano nascido na Escócia.
As Constitutions dividem-se
em quatro partes: I – a História, “para ser lida quando da admissão de um Novo
Irmão (to be read at the admission of a New Brother). Essa primeira parte vai
até a página 48; II – Os Deveres (extraídos dos antigos registros das Lojas
Ultramarinas e daquelas da Inglaterra, Escócia e Irlanda), da página 49 até 57;
III – Os Regulamentos Gerais (da página 58 até 74); IV – Partituras e Canções
dos Mestres, dos Vigilantes, dos Companheiros e dos Aprendizes, completando a
obra em 91 páginas.
CONCLUSÕES
Nem tudo que é Constitutions,
portanto, está nos Landmarks; mas tudo o que é landmark está nas Constitutions;
As Constitutions não
deixam margens ao oportunismo iniciatório e respondem àquelas cinco perguntas
que aparecem no início deste artigo;
O conhecimento do
passado (a História) é a principal e insubstituível fonte do aprendizado e do
conhecimento maçônicos;
“... pela sua Missão,
um maçom torna-se obrigado a obedecer à Lei moral, e nunca será um estúpido
ateu nem um Libertino” (Constituitions, página 50, concernente a Deus e à
religião);
Não basta preencher um
formulário dizendo “sim” às clássicas perguntas: “credes num Ente Supremo?
credes na imortalidade da alma?” se a reposta afirmativa não vier da
Consciência e com o aval do Conhecimento. Por isso pautamos nossos atos pela
dignidade e só admitimos em nossas lojas homens honrados.
Autor: José Maurício
Guimarães