O APRENDIZ: DESENVOLVIMENTO, LIMITAÇÕES E ASPIRAÇÕES


Antes de iniciar a falar sobre o “desenvolvimento, limitações e aspirações” de um Aprendiz Maçom, necessário é definir, se possível, o que significa a palavra Aprendiz. Parafraseando Searle as palavras tem sentido dentro de um contexto (1), logo, a palavra Aprendiz tem um significado quando aplicada em um contexto profano e outro no contexto Maçom.

No primeiro contexto Aprendiz é aquele que aprende uma arte, novato, principiante.(2) Ou seja, aquele que está no princípio. Filosoficamente o Aprendiz está vinculado ao “Aprendizado”, como ensina Nicola Abbagnano, o primeiro a trabalhar a noção de “Aprendizado” foi Platão que definiu em sua teoria da “anamnese”:

Sendo toda a natureza congênita e tendo a alma aprendido tudo, nada impede quem se lembre de uma só coisa – que é o que se chama aprender – encontre em si mesmo todo o resto, se tiver constância e não desistir da procura, porque procurar e aprender nada mais são do que reminiscência. (3)

Já no ambiente maçônico tem maior sentido a definição de Aprendiz, pois recebe ela “significantes” (4) que decorrem do “contexto” próprio que a própria definição está inserida. Ser Maçom significa ter deveres, como ensina Rizzardo da Camino quando em seu livro “Simbolismo do Primeiro Grau” diz:

[...], e que se admitido Maçom encontrará nos símbolos maçônicos a realização do dever, pois o Maçom não combate somente as próprias paixões, trabalhando para a auto-perfeição, mas aos outros inimigos da humanidade, quais sejam os hipócritas que enganam, os pérfidos que defraudam, os ambiciosos que a usurpam e os corruptos e sem princípios, que abusam da confiança dos povos; a estes não se combate sem preparo prévio e sem perigos.(5)

Em parca síntese, ser Aprendiz Maçom significa ir para além da racionalidade profana, chegando num “entre - lugar”, ou seja, um lugar diferenciado, mas inserido nesta sociedade, não fora dela. O Maçom não pode se afastar da busca da “[...] justiça e da retidão que regem todos os atos de quem, realmente, tem consciência de ser maçom.”(6)

Para buscar a retidão e a justiça o Maçom inicia-se na caminhada por meio do seu ingresso no Grau de Aprendiz, pois deve ser a partir desse “entre-lugar” que ele inicia a busca do seu aprimoramento interno e com isso fazer com o Recipiendário (7) se aperfeiçoe e a sociedade que vivemos torne-se melhor.

O Aprendiz Maçom ao ingressar na Ordem passa a ser um “[...] obreiro do Grande Arquiteto do Universo [...]” para desenvolver-se apresentando trabalhos e sendo ministrado pelo corpo administrativo da Oficina.(8) É a partir destes trabalhos e das instruções que o Aprendiz Maçom desenvolve o “[...] aperfeiçoamento moral e intelectual [...]”.(9) Logo, o desenvolvimento do Aprendiz Maçom se dá em volta de um aprimoramento pessoal e intelectual para que seja aplicado no seu cotidiano. (10)

Esse primeiro grau da Ordem Maçônica é consagrado a “Fraternidade” (11), com o objetivo que é a “união de toda a humanidade”. Neste grau o Aprendiz dedica-se a aprender os fundamentos da Maçonaria, com o foco no aprendizado da filosofia, dos símbolos, das alegorias, da ritualística, da doutrina, sendo que com eles busca então o seu “aprimoramento interior”. (12) 

A condição de Aprendiz denota limitações, dentre tantas que podia citar, pois somos seres humanos e por tal natureza somos limitados. Todavia para delimitar o trabalho necessário que seja indicada, dentro de um recorte, a que entendo ser a principal identificada pela doutrina. A nosso entendimento a maior limitação do Aprendiz Maçom é a “Luz” que vê ao ser iniciado. Ela é um fenômeno que ele não consegue ver na sua totalidade, tão pouco enxergar tudo aquilo que está em sua volta. Aqui me faz lembrar a “Alegoria da Caverna” de Platão.

Nela pessoas estão trancafiadas em uma caverna desde a infância, trancados estão por grilhões em suas pernas e também pescoço, pois se quer podiam virar o rosto para ver de onde estava vindo a “Luz”. Sendo essa a que incide em objetos e por cima de um muro reflete em sua frente imagens distorcidas, essas que têm eles como própria imagem dos objetos que conhecem porque ali estão desde a infância. (13)

Imagina Platão, narrando a história, se um destes trancafiados fosse solto, haveria a quebra do paradigma da imagem dos objetos que só conhecia por meio da imagem projetada e que não é a imagem real dos objetos. A quebra do paradigma só ocorreria se fosse dado a aquela pessoa o conhecimento daquilo que não conhecia a não ser pela imagem refletida. Mas a limitação está na falta de condição de conhecer os objetos e para isso necessária que fosse tomada a “Luz” de forma progressiva.

Precisava de se habituar, julgo eu, se quisesse ver o mundo superior. Em primeiro lugar, olharia mais facilmente para as sombras, depois disso, para as imagens dos homens e dos outros objetos, refletida na água, e, por último, para os próprios objetos. A partir de então, seria capaz de contemplar o que há no céu, e o próprio céu, durante a noite olhando para a luz das estrelas e da Lua, mais facilmente do que fosse o Sol e o seu brilho de dia. (14)
Iniciado o Aprendiz consegue se soltar dos “grilhões” que os prende pelas pernas e pelo pescoço e, a partir de então, começa a lutar pela quebra do paradigma, qual seja, a de ultrapassar as barreiras imaginárias da caverna e das condições impostas por aquele mundo a qual estavam vivendo. Mundo de limitação, mundo de coisas impostas e postas pela imagem refletida na parede da caverna como sendo ela verdade absoluta. O Aprendiz foi solto e vai ao encontro da “Luz”, pois quer conhecer aquela imagem que tinha em sua retina de forma distorcida, todavia tem dificuldade por que está apenas no início da caminhada.
A maior dificuldade é a falta de compreensão, pois nem tudo que vê entende. A limitação do Aprendiz Maçom está no próprio grau que ele se encontra na Ordem, pois é o primeiro grau. Logo, a limitação é imposta pela falta de vivência Maçônica que com o tempo naturalmente ocorrerá.
 Essa limitação aliada à própria origem profana do Aprendiz faz com que mesmo vendo a “Luz” não a entenda, pois não tem conhecimento de mundo para tanto. Quanto às aspirações do Aprendiz Maçom, no recorte proposto, uma delas e a principal ao meu entendimento é o aprimoramento pessoal. A outra é galgar os graus existentes na própria Ordem por que se existe o primeiro grau, decorrência lógica, é por que existem outros mais.
Mas o mais importante não é o galgar (de)graus apenas, ma sim o aprimoramento com a subida deles, vivencias e ensinamentos de cada um é o que importa. Como ensina Compte-Sponville (15) ninguém será mais o mesmo após banhar-se num rio e nem o rio será mais o mesmo após o decorrer do tempo.(16) A busca do crescimento individual, do entendimento sobre a sublime Ordem Maçônica, que tem seus alicerces na fraternidade, na liberdade e na isonomia, o entender a tudo isso se torna a principal aspiração do Aprendiz.
Ao fim o desenvolvimento é uma constância, mesmo que não queiramos seremos mais desenvolvidos por conta do tempo passado e do ingresso na Ordem. Estamos inseridos em um grupo que pela convivência, pelas experiências de cada um, inseridos nos trabalhos da Loja, passamos a fazer parte de um “todo”, sendo que este “todo”, nas palavras de Francesco Carnelutti, é demais para nós, ou seja, é demais para a nossa compreensão, logo, o crescimento é intrínseco ao grupo. Quem está no grupo está crescendo.
Já as limitações decorrem da própria natureza humana que é imperfeita e, também, do “todo” relatado que não conseguimos compreender.
Quanto às aspirações são sempre renováveis e presentes no caminho da vida, já que inseridos na Ordem.

Tiago Oliveira de Castilhos
A.'. M.'. - A.'.R.'.L.'.S.'. Sir Alexander Fleming 1773, OR.'. de Porto Alegre/RS (Brasil)
  
NOTAS:
1.    SEARLE, John R. Expressão e significado: estudos da teoria dos atos de fala. Tradução Ana Cecília G. A. de Camargo e Ana Luiza Marcondes Garcia. São Paulo: Martins fontes. 1995, p. 183. “Neste capítulo, quero contestar um aspecto desta opinião dominante: a idéia de que, dada qualquer sentença, seu significado literal pode ser definido como significado que ela tem independentemente de qualquer contexto. Sustentarei que, em geral, a noção de significado literal de uma sentença só tem aplicação relativamente a um conjunto de suposições de base contextuais [...].”
2.    Dicionário da Língua Portuguesa. Caldas Aulete on-line. Disponível em: http://aulete.uol.com.br/sofreguidão(acesso em: 5 nov 2013).
3.    ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi. Revisão da tradução e tradução dos novos textos de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo:

4.    FINGER, Ingrid. Metáfora e significação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996, p. 15. “A comunicação humana é repleta de situações em que a linguagem é usada para transmitir significados diferentes dos significados que são dados pela palavras utilizadas. Isso faz com que a representação teórica desses significados seja de uma complexidade maior do que a representação da compreensão do discurso literal.”
5.    CAMINO, Rizzardo da. Simbolismo do primeiro grau: aprendiz. 5 ed. São Paulo: Madras, 2011, p. 152.
6.    Idem, p. 102.
7.    Idem, p. 177.
8.    D’ELIA JÚNIOR, Raymundo. Maçonaria: 100 instruções de aprendiz. São Paulo: Madras, 2010, p. 147.
9.    Idem, p. 147.
10. Idem, p. 147.
11. Ritual: Rito Escocês Antigo e Aceito/Grande Oriente do Brasil, São Paulo, 2009, p. 11. Conforme o Decreto n.1.102, de 15 de maio de 2009, promulgado pelo Grão-Mestre Geral Marcos José da Silva, aprovou-se o Ritual do Grau 1 – Aprendiz-Maçom, esse do Rito Escocês Antigo e Aceito, sendo seu início aprovado a aplicação para 24 de junho de 2009 que é o dia do Patrono da Maçonaria Universal. A partir desse dia revogavam-se todas as demais formas e ritos de iniciação passando este a ser o único e oficial Rito de Aprendiz.
12. Idem, p. 11.
13. PLATÃO. A República. Texto integral. Coleção Obra-Prima do autor. 2 ed. Tradução Pietro Nassetti. 7
reimpressão. São Paulo: Martin Claret. 2009, p. 210 e 211.

14. Idem, p. 211. Livro VII.
15. COMTE-SPONVILLE, André. O ser-tempo: algumas reflexões sobre o tempo da consciência. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 78. "Ninguém nunca se banha duas vezes no mesmo rio, nem no mesmo presente. Ninguém pode subverter, em nenhum sentido da palavra, o tempo: ninguém pode detê-lo, ninguém pode aboli-lo, ninguém pode virá-lo ao contrário." Nesse sentido, ninguém volta a ser o mesmo após a exposição ao tempo.
16. COMTE-SPONVILLE, 2006, p. 47. “Quando comecei essa comunicação, o presente estava aqui. Ainda está, neste momento em que eu continuo. E estará sempre, quando eu tiver terminado, quando tivermos nos
despedido, quando pensarmos em outra coisa [...]. O presente está lá quando de nosso nascimento. Ele estará lá quando de nossa morte. Ele estará lá, sem a menor interrupção, durante todo o tempo que irá separar esses dois momentos. Ele está aí, sempre aí: ele é o aí do ser.” O tempo não é igual, pois não se é igual hoje ao que se foi ontem, e não se será amanhã igual ao que se foi ontem, pois o tempo sempre é presente e sempre se vive o presente.


BIBLIOGRAFIA:
§  ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi. Revisão da tradução e tradução dos novos textos de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes. 2007.
§  CAMINO, Rizzardo da. Simbolismo do primeiro grau: aprendiz. 5 ed. São Paulo: Madras, 2011.
§  COMTE-SPONVILLE, André. O ser-tempo: algumas reflexões sobre o tempo da consciência. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
§  D’ELIA JÚNIOR, Raymundo. Maçonaria: 100 instruções de aprendiz. São Paulo: Madras, 2010.
§  Dicionário da Língua Portuguesa. Caldas Aulete on-line. Disponível em: http://aulete.uol.com.br/sofreguidão. (Acesso em: 5 nov 2013).
§  FINGER, Ingrid. Metáfora e significação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996
§  PLATÃO. A República. Texto integral. Coleção Obra-Prima do autor. 2 ed. Tradução Pietro Nassetti. 7 reimpressão. São Paulo: Martin Claret. 2009.
§  Ritual. Rito Escocês Antigo e Aceito/Grande Oriente do Brasil, São Paulo, 2009, p. 11.
§  Conforme o Decreto n. 1.102, de 15 de maio de 2009, promulgado pelo Grão-Mestre Geral Marcos José da Silva.
§  SEARLE, John R. Expressão e significado: estudos da teoria dos atos de fala. Tradução Ana Cecília G. A. de Camargo e Ana Luiza Marcondes Garcia. São Paulo: Martins fontes. 1995.


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