O presente artigo aborda
a questão da régua de 24 polegadas e o conceito filosófico do tempo, buscando
afirmar que o instrumento conferido ao aprendiz maçom contém diversos elementos
de contemplação dos filósofos gregos. O artigo ressalta que o maçom, ao usar a
régua como um instrumento cotidiano pode obter “tempo” para a vida maçônica e
familiar, evitando-se a ausência em ambos os ambientes.
A Questão do Tempo
A maioria das pessoas,
lógico supor, admite uma compreensão intuitiva do tempo. Pra essa maioria o
tempo é algo ao mesmo tempo cotidiano, empírico, científico, fácil e complexo,
poético e assustador, sentimental ou frívolo.
Falamos do ontem, do
hoje e do amanhã. Referenciamos no passado de nossas vidas, para hoje
planejarmos e pensamos no futuro de nossas famílias. Enfim, existe um tempo que
passa ao mesmo tempo em que outros passam o tempo.
Para muitos o passado
como tempo é história e o futuro especulação. O hoje e o agora não existem,
sendo apenas uma referência de segundos entre o passado e o futuro.
Deus é, diriam alguns,
logo não existe passado ou futuro na mente de Deus. Talvez por isso Santo
Agostinho tenha escrito em suas Confissões: “O que é o tempo? Se ninguém
pergunta, sei o que ele é; mas se alguém me pergunta e tento explicá-lo, já não
sei mais.” (SANTO AGOSTINHO, 1997).
Poderíamos, partindo da
premissa acima, considerar que o tempo é algo ou objeto de difícil definição,
podendo apresentar diversos conceitos e abordado de formas diferentes,
dependendo do ramo da ciência, seja arte, geometria, biologia, astronomia,
matemática, física, sociologia ou filosofia.
Não se pretende neste
artigo uma abordagem sobre cada um desses aspectos, mas apenas demonstrar que o
simbolismo da régua de 24 polegadas, em especial no Rito de York, possui
profunda atualidade filosófica sobre o que concerne ao tempo.
A Régua de 24 polegadas
na Maçonaria
A primeira observação
que fazemos é quanto às características básicas da régua, um instrumento
simples, milenar, que nos ensina, de uma forma mais simples ainda, o caminho
direto entre dois pontos, dois destinos. Com a régua medimos um seguimento do
infinito. Uma parte de nossa vida. A retidão que buscamos.
Após a cerimônia de
iniciação maçônica, no primeiro grau da Ordem, o Aprendiz Maçom recebe uma
régua, ou é instado a pensar sobre a utilidade de “uma régua de 24 polegadas”,
que, devidamente dividida em três partes iguais, deve remetê-lo a adequar a
utilização do tempo cotidiano. A Maçonaria a adota porque simboliza o dia com
suas vinte e quatro horas, exigindo dos maçons uma adequada utilização das
horas do dia.
No campo maçônico, a
graduação nela colocada de vinte e quatro polegadas, serve para mensurar o
tempo, as vinte e quatro horas do dia, em que o homem deve distribuir suas
atividades. No Rito de York, a “cautela” ganha importância na vida do maçom.
Associar, portanto, a cautela à régua de 24 polegadas nos parece ser um bom
caminho para explorarmos o conceito de tempo.
Um maçom deve usar no
cotidiano de sua existência, as 24 polegadas como representação de 24 horas,
divididas em três partes de 8 horas: descanso, trabalho e solidariedade.
Assim deve de certa
forma, dividi-las entre suas atividades matinais, nem sempre realizadas, como
sua primeira refeição diária, às vezes esquecida. Outras horas dedicadas ao seu
trabalho; à necessária recreação, muitas das vezes não considerada; suas
reflexões, em geral pouco ou mal aproveitadas; e o merecido repouso, como nos
prega a mensagem maçônica. E as outras oitos horas servindo a Deus ou a algum
necessitado.
Filosoficamente,
poderíamos dizer tratar-se de um caminho entre a norma e a ordem, entre o que
se quer fazer e o que se deve fazer, entre o passional e o racional, entre a
direção da ponta do malho ao topo do cinzel. Indica a própria construção do
homem, a lapidação de sua forma mais bruta em busca da perfeição (RAGON, 2005).
O exercício na separação
de cada tempo, dando o ritmo necessário para cada etapa, faz com que o homem
evolua, cresça se realize e desenvolva habilidades que de outra forma poderia
pensar ser impossível realizá-las.
A constante assertiva de
muitos maçons contemporâneos de que “não tem tempo”, quer para ir à Loja ou
realizar atividades de filantropia, demonstra uma não utilização dos princípios
maçônicos sobre a administração do tempo (ALCÂNTARA FILHO, 2012).
Segundo os conceitos
filosóficos do simbolismo maçônico, “tempo obtido” seria uma vitória pessoal,
inigualável, uma capacidade de autogestão, ou a pura demonstração da vontade,
de responsabilidade e do reconhecimento de si própria.
Um caminho que se propõe
reto é íntegro e honesto. Cada nova ação proposta deverá ser bem estudada,
analisada, e, para ser edificada, basta incluí-la nos intervalos de cada ponto
de nossa régua, utilizando para isso os princípios éticos que envolvem a
liberdade, a igualdade e a fraternidade (BAYARD, 2004).
No campo simbólico,
junto ao malho e o cinzel, a régua forma um conjunto de ferramentas, ou
instrumentos, que devem ser usados pelo Aprendiz em seu trabalho, como diz o
ritual do Rito Escocês Antigo e Aceito. Já no Rito de York, mais antigo
que esse, a régua de 24 polegadas está associada ao “martelo de corte”, um
instrumento muito mais apropriado ao trabalho no “desbastar” da Pedra Bruta.
De qualquer forma, a
régua era usada pelos maçons operativos, aqueles que remontam das lendas
míticas aos construtores de templos, para executar um trabalho de precisão na
construção, medindo, delineando, ajustando o traçado ou limites do corte de uma
determinada pedra para uma construção específica.
O Tempo: Primeiros
Conceitos
Aristóteles (1995), em
sua obra “Physique IV, Tratado do Tempo”, faz uma reflexão sobre a realidade
física do tempo, aquela que é medida pelos relógios, dando inclusive a
impressão que descarta o tempo psicológico, demonstrando que o tempo é uma
ilusão. Para ele, o momento presente, como “instante”, não pode existir para o homem,
pois não pode ser percebido instantaneamente, como no sonho (BURNET, 1994).
Ele formula uma
questão-chave: “O tempo poderia existir sem a alma e o pensamento, que são os
verdadeiros sujeitos de toda a medição? (218b)”. Depois de uma análise desta
questão, ele mesmo formula a resposta afirmando que isso poderia ser válido
para todas as coisas, menos para o tempo e o movimento.
As respostas acima
seriam analisadas séculos depois por Santo Agostinho. Mas, retornando a
Aristóteles, podemos ressaltar a definição de seu objeto: “O tempo, se não é o
próprio movimento, é seu número calculado, isto é o resultado da medição”
(219). Assim ganhamos consciência do tempo pelo fato do movimento representar
uma sucessão contínua, definida como um antes e um depois, ou seja, “O tempo é
o número do movimento conforme o antes e o depois” (219b).
Lógico que já
evidenciamos esses conceitos aristotélicos no simbolismo da régua de 24
polegadas, no sentido de podermos medir numericamente um espaço de movimento
menor (ciclo de oito horas) durante um dia (três ciclos de oito horas).
Analogamente, no item
223-b da mesma obra, Aristóteles diz que “a locomoção circular (o movimento dos
astros no céu) é a melhor medida, porque seu número é o mais conhecido”, o que
também remete a simbolismo maçônico do Rito Escocês.
Heidegger (2012), ao
citar Platão, afirmou que o tempo nasceu quando um ser divino colocou ordem e
estruturou o caos primitivo. O tempo tem, portanto, de acordo com Platão, uma
origem cosmológica. Ele procura estabelecer a distinção entre o “ser” e o “não
ser”. O mundo do “ser” é fundamental e não está sujeito a mutações.
Ele é,
portanto, eternamente o mesmo. Este mundo, entretanto, é o mundo das ideias,
apreensível apenas pela inteligência e pode ser entendido utilizando-se a
razão. O mundo do “não ser’’ faz parte das sensações, que são irracionais,
porque “dependem essencialmente de cada pessoa” (LUCE, 1994).
O domínio do tempo
estaria nesse segundo mundo, assim como tudo o que se observa no universo
físico, tendo assim uma importância menor. Talvez possa ser dito que, para
Platão, o tempo essencialmente não existe, uma vez que faz parte do mundo das
sensações.
O Tempo da Alma
Platão (2002), em Timeu,
afirma que o “deus quis que todas as coisas fossem boas”. Portanto, para ele,
esse deus:
[…] teve a ideia de
criar uma espécie de imagem móvel da eternidade, e, enquanto organizava o céu,
criou à semelhança da eternidade imutável em sua unidade, uma imagem em eterna
evolução, ritmada pelo número; e é isto que chamamos de tempo. À constituição
do tempo, ele combinou o nascimento dos dias, das noites, dos meses e do
ano (Platão. Timeu e Critias ou Atlântida, 2002).
Esses princípios mostram
a universalidade do ensino simbólico da Maçonaria, em especial na régua de 24
polegadas, pois o ciclo se repete, a cada oito medições numéricas, num ciclo
ininterrupto de três medições. Ou seja, a cada hora, a cada dia, mês e ano.
Enfim, a régua e os conceitos platônicos nos remetem a nossa própria vida e
eternidade.
Santo Agostinho (op.
cit) oferece-nos outra reflexão sobre o tempo onde ele opõe a eternidade imóvel
num eterno presente e o tempo que passa. Para ele o “Verbo” eterno é o criador
de todos os tempos em que a criação pode ocorrer. E no capítulo XIII afirma que
não havia tempo antes que o tempo existisse, mostrando que o futuro não existe
ainda, o passado já não existe mais e presente vai desaparecer à medida que o
tempo avança, sendo, portanto efêmero.
Outra contribuição de
Agostinho é que do tempo “psicológico” de Aristóteles constrói a ideia de
tríade:
[…] passado-presente-futuro
que não existem em atos, mas nas representações de nossas mentes, e se
existem nas representações de nossas mentes, eles o fazem na forma presente,
pois é no presente que concebemos ou imaginamos o futuro e nos recordamos do
passado (cap. XVII)”. (ABRÃO & COSCODAI, 1999).
A humanidade tem
necessidade de medir o que ela concebe como tempo. A régua de 24 polegadas
expressa essa necessidade. Portanto, deve ser dividida em três partes iguais,
pois aqui o tempo se apresenta como número e, como todos os números, indicando
quantidade – quer de tempo ou de horas – não passa de um produto prático de
pensamento.
Considerações Finais
A natureza do tempo tem
sido um dos maiores problemas desde a antiguidade, quer no que concerne à
medição, passagem, fluidez, linearidade ou circularidade, se divino, cósmico ou
meramente físico.
Acredita-se cada vez
mais que ele é uma das propriedades gerais do pensamento humano ou uma se suas
exterioridades e que, para a compreensão e entendimento de nossa humanidade,
precisa ser dividido em três dimensões lineares: o passado, o presente e
futuro.
Sabemos que devemos a
máxima de “nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio” a Heráclito (1988), que
é o filósofo da transformação e do movimento perpétuo. Conceito que reforça o
princípio de que a divisão igual em 24 partes da régua, embora repetida
cotidianamente pelos maçons, nunca terá o mesmo objetivo, pois se renova
automaticamente, ao final de cada ciclo de 24 horas.
Mesmo sendo uma
contraposição ao pensamento de Platão (op. Cit), que, ao defender um “ciclo
mítico de eterno retorno”, onde o tempo era um movimento cíclico e assíduo,
pois aquilo que acontecia no passado era repetido e retornava (VERNANT, 1992),
a régua de 24 polegadas reafirma um conceito de que a repetição insensata de
pensamentos e ações, diariamente, traz infortúnios.
Na perspectiva de Kant,
o tempo é uma estrutura da relação do sujeito com ele próprio e com o mundo,
uma forma “a priori” da sensibilidade, uma espécie de intuição pura e ao mesmo
tempo, uma noção objetiva de observação e não extraído da experiência, ou seja,
um dos limites para o conhecimento no plano da sensibilidade.
Independente do valor
material, físico e matemático da medição do tempo, relacionando-o ao passado,
presente ou futuro, à medida que o tempo se torna subjetivo ou psicológico,
cada ser humano pode vivenciá-lo numa situação agradável, desagradável, lenta,
rápida, penosa ou alegre. Conclui-se, portanto que o homem, pela sua condição
de mortal, é afetado por processos diferentes do que ocorrem no espaço
infinito.
Há uma assertiva na
Maçonaria brasileira de que “somos todos aprendizes”. Sendo assim, a régua de
24 polegadas, pelo menos teoricamente, nos acompanha sempre. Se seu simbolismo
é usado junto à nossa capacidade mental de reter acontecimentos e imagens
passamos a ter uma condição fundamental para as características fundamentais da
vida social, o que inclui obrigatoriamente a necessidade de “tempo” para nós
mesmos e para nossas famílias.
Autor: Luiz Franklin de
Mattos Silva
Fonte: Revista
Fraternitas in Praxis
Luiz é biólogo,
Mestre em Zoologia pelo INPA e Doutor em Biologia de Água Doce pelo
INPA/Roseinstel School of Marine Science. Mestre Instalado, é membro da Loja
Maçônica “Acácia de York No. 52”, Sumo Sacerdote do Capítulo “York No. 40” de
Maçons do Real Arco e Grande Secretário de Planejamento Estratégico do GOIRJ.
Referências
Bibliográficas
ABRÃO, B.S.; COSCODAI,
M.U. História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 1999. ALCÂNTARA FILHO, N.
Irmãos, Ajudai-me a Abrir Loja. São Paulo: Madras, 2012. ARISTÓTELES. Physique
IV, Traité du temps. Paris: Kimé, 1995. BAYARD, J. P. A Espiritualidade da
Maçonaria: da Ordem Iniciática Tradicional às Obediências. São Paulo: Madras,
2004. BURNET, J. O Despertar da Filosofia Grega. Trad. M. Gama. São Paulo:
Siciliano, 1994. HERÁCLITO. Fragments et Témoignages, Les Présocratiques.
Paris: Gallimard, 1988. HEIDEGGER, M. Platão, o Sofista. São Paulo:
Editora Forense Universitária, 2012. LUCE, J.V. Curso de Filosofia Grega. Trad.
M.G. Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. PLATÃO. Timeu e Critias ou
Atlântida. Rio de janeiro: Hemus Editora, 2002. RAGON, J. M. Ritual do Aprendiz
Maçom. 8ª Ed. São Paulo: Pensamento, 2005. SANTO AGOSTINHO. Confissões. Rio de
Janeiro: Editora Paulus, 1997. VERNANT, J. P. As origens do Pensamento Grego.
Trad. I.B.B. da Fonseca. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 7ª ed., 1992.
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