Meus Irmãos saúdo-vos
fraternalmente, em todos os vossos graus e qualidades.
A suspensão dos
trabalhos presenciais por virtude da pandemia em curso revelou-nos a falta que
o Ritual, a execução do Ritual, nos faz. É essa a natureza humana: muitas vezes
só nos damos conta do que é importante quando o não temos. Mas não é sob esta perspectiva
que escolhi expor a Importância do Ritual. Vou procurar incidir a nossa atenção
sobre a razão por que o Ritual é importante, porque só tendo-se essa noção é
que nos apercebemos completamente da importância do mesmo.
Começo por fazer uma
afirmação que aparentemente não tem nada a ver com o tema e que é – como todas!
– discutível, mas cujo mérito vos peço que julgueis apenas no final desta nossa
conversa: a Maçonaria não se ensina, aprende-se!
Não quero com esta
afirmação dizer que os mais experientes não devem partilhar com os mais novos o
que aprenderam o que sabem. Com esta frase, enfatizo que, em Maçonaria, o que é
importante, não é o que se transmite, mas antes o que se apreende. Porque a
experiência, a vivência, a personalidade, do que transmite são diferentes das
do que recebe.
Assim, o que
verdadeiramente interessa não é o que se ensina, se partilha se transmite. O
que importa é o que se aprende e, mais do que isso, o que se apreende, o que se
interioriza. E aquelas e estas não são necessariamente – atrevo-me mesmo a
dizer que raramente são – a mesma coisa. E, bem vistas às coisas, é inevitável
que assim seja, pois, como já há pouco referi o que transmite e o que recebe
têm personalidades, vivências, capacidades, características diferentes.
Assim, o que transmite
tem necessariamente uma noção diversa do que aquele que recebe. Este daquilo
que é transmitido receberá o que, na ocasião, estiver apto e pronto a receber,
será tocado pelo que, no momento, o sensibilize. Em suma, o que ficará é o que
ele aprende e apreende, não o que o que transmitiu julga que ensinou…
Não tenho, portanto, a
pretensão de ensinar nada! Tenho apenas a esperança de que, da maçada a que
agora vos submeto, cada um de vós retenha algo de útil.
Em meu entender, para
uma correta abordagem da importância do ritual impõe-se que previamente
distingamos entre Conhecimento e Sabedoria.
O Conhecimento é tudo
aquilo que aprendemos e estamos aptos a utilizar, quando necessitemos. A
Sabedoria é algo mais profundo. Baseia-se, é um fato, nos conhecimentos que
adquirimos. Mas reside na intuição, na capacidade adquirida de, relacionando
tudo o que conhecemos daí selecionar o que efetivamente importa o que é
adequado para um momento específico, uma situação concreta.
Nem sempre aquele que
tem mais conhecimentos é o que tem a sabedoria necessária para escolher a via
justa, a palavra indicada, o gesto preciso, a atitude certa perante uma dada
situação concreta. Numa muito grosseira aproximação, poderíamos dizer que a
sabedoria resulta do conhecimento sublimado pela experiência.
É através dos êxitos e
fracassos na nossa escolha na utilização dos nossos conhecimentos que
sublimamos o nosso Conhecimento em Sabedoria, que passamos do Conhecer ao
Saber.
Memoriza-se e
utiliza-se o que se conhece; desenvolve-se e internaliza-se o que se sabe.
O meio privilegiado
para rápida aquisição de Conhecimento é o Estudo. Para se chegar à Sabedoria é
preciso tempo e vivência. Mas há um meio para acelerar esse percurso, para
induzir a Sabedoria: a utilização, execução e prática do Ritual. Se o Estudo é
um meio de aquisição de Conhecimento, o Ritual é indutor de Sabedoria.
Com efeito, o Estudo
estimula, faz funcionar, desenvolve a Inteligência Racional. Mas o Ritual, a
sua prática, esse, estimula e desenvolve a Inteligência Emocional. E esta é bem
mais profunda do que aquela, pois combina o conhecimento, o raciocínio, com a
Intuição.
O que estudamos pode
não nos tocar e dar-nos apenas, pela memorização, a ferramenta necessária para
agir. Mas só o que nos toca, nos emociona, efetivamente guardamos para saber
como utilizar a ferramenta. A ferramenta é útil, mas saber utilizá-la pela
melhor forma é indispensável…
Para entendermos
porque e como o Ritual e o seu exercício estimulam a nossa Inteligência
Emocional e, logo, induzem a obtenção de Sabedoria, devemos ter presente que,
nos primórdios da Humanidade, quando ainda não tinha sido inventada a escrita –
e muitas e muitas gerações de humanos viveram sem que houvesse escrita… -, a
aquisição de conhecimentos e o acesso à Sabedoria processavam-se através da
Tradição Oral. Era exclusivamente por essa via que os mais velhos e os mais
experientes transmitiam o que sabiam aos mais novos e sem experiência.
Não havia então propriamente aulas, nem escolas. Os mais velhos e experientes diziam o que tinham aprendido, executavam perante os mais novos os gestos que era necessário fazer, repetiam, uma e outra vez, e faziam repetir muitas e muitas vezes, as palavras, os gestos, os atos de que dependiam, tantas vezes, a alimentação, a segurança e a sobrevivência, não só individuais como do grupo.
Ora, repetir uma e
outra vez as mesmas palavras, para transmitir as mesmas noções, executar muitas
e muitas vezes os gestos e as ações adequados para a obtenção dos resultados
pretendidos mais não é do que… executar um ritual! Um Ritual é um conjunto de
palavras, gestos e atos proferidas e executados sempre da forma similar.
Então, nos primórdios
da Humanidade, aprendia-se e vinha-se, a saber, através da repetida execução de
rituais. Era pelo que se via pelo que se ouvia pelo que se executava pelo que
exaustivamente se repetia que se entranhava em cada o que fazer e como fazer
para obter alimento, para garantir segurança, para melhorar e curar maleitas,
para adquirir o conforto possível.
Os rituais aprendidos
e executados propiciavam, assim, a sabedoria necessária para sobreviver e viver
o melhor possível.
O cérebro humano foi,
portanto, desde muito cedo, formatado em primeiro lugar para reagir aos
estímulos visuais e auditivos.
Só mais tarde, muito
mais tarde, o cérebro humano adquiriu a capacidade e habilidade de decifrar o
código da escrita. A criação da escrita foi um avanço civilizacional imenso.
Permitiu registrar o que se tinha por importante, aquilo que anteriormente
tinha de ser adquirido e mantido à custa de repetições.
A escrita e a
habilidade de utilizá-la permitiram à Humanidade um meio mais fácil de registrar
e dar acesso ao Conhecimento. O cérebro humano naturalmente adquiriu, assim,
também a capacidade de adquirir Conhecimento através da escrita, da leitura, do
estudo.
Mas tenhamos presente
que a camada mais profunda do nosso cérebro é desde sempre estimulada auditiva
e visualmente e por execuções ritualizadas do que se pretende transmitir. A
aquisição de Conhecimento através da escrita, da leitura, do estudo é uma
habilidade mais recentemente adquirida, logo, mais superficial no nosso
cérebro.
Não nos enganemos: o
estudo, a aquisição de Conhecimento pelo estudo, dá trabalho. Esse trabalho é
recompensado pelo desenvolvimento da nossa Inteligência Racional, pela
habilidade de memorizar, de relacionar, de aplicar. Mas é apenas a Razão que é
aplicada e fortalecida.
Para se desenvolver,
para se utilizar a Inteligência Emocional, a que nos permite quantas vezes sem
sabermos como, intuitivamente dizer a palavra certa, executar o gesto adequado,
efetuar a ação necessária sem termos de longamente pesar os prós e os contras,
sem necessitarmos de fazer exaustivas análises e cálculos, para isso temos de
recorrer às camadas mais profundas do nosso cérebro – e essas desde o início
dos tempos foram estimuladas pelo que se via e ouvia pelo que se repetia uma e
outra e muitas vezes, pelo que se ritualizava.
Por isso afirmo que o
Ritual é o indutor de mais rápida passagem do Conhecimento à Sabedoria,
acelerando o que só a Experiência, a Vida vivida, os erros cometidos e as
vitórias alcançadas nos permitiria atingir, não fora ele.
Meus Irmãos: até agora
tenho sempre falado de Ritual, sem adjetivar e, sobretudo, sem utilizar o adjetivo
maçônico.
Porque o ritual, penso
tê-lo demonstrado, existe desde sempre e desde sempre aumenta a capacidade
humana de discernir, em suma, de saber. E não há “o” ritual, há muitos rituais,
respeitando a muitos momentos, ocasiões e atividades. Existem, bem o sabemos,
rituais religiosos. Mas também de outra natureza, uns mais solenes e utilizados
em ambiente de Poder ou de significado social, outros mais simples, íntimos
até.
Atrevo-me a dizer, por
exemplo, que todos os casais com algum tempo de ligação criam os seus rituais
próprios, indutores de segurança, conforto e manutenção da relação afetiva.
Uma categoria de
rituais que merece referência é o ritual que podemos denominar de grupal, o que
marca, define e corporiza a integração de alguém num determinado grupo. Aí não
está em causa à aquisição ou consolidação de conhecimentos ou o acesso a
sabedoria, mas simplesmente o estabelecimento de uma união grupal, a que o
neófito passa a aceder.
Todo o ritual é
importante, precisamente porque correspondendo a mais antiga e natural forma de
a Humanidade processar a aquisição de conhecimentos, ganhar e manter confiança,
obter conforto e segurança. Não é assim porque queremos que seja assim é porque
a nossa evolução como espécie o determinou. Talvez algo grandiloquentemente,
pode-se afirmar que a Civilização se alicerça em rituais.
Mas os Rituais
Maçónicos, esses, partilhando com os demais a mesma natureza de meios indutores
de aquisição de Sabedoria, têm ainda uma valência própria, quiçá não exclusiva,
mas seguramente que identificaria.
Os rituais maçónicos
têm uma tríade de características, duas delas já referidas e uma terceira que
podemos considerar própria. Os rituais maçónicos assumem a natureza de
indutores de Sabedoria, são também, particularmente nos rituais de Iniciação e
de Aumento de Salário rituais grupais, mas também assumem a natureza de
explanação e aprofundamento de Princípios e Valores.
Esta uma
especificidade não negligenciável. Os vários rituais dos diferentes ritos
maçónicos apresentam-nos e definem-nos Valores e Princípios a que os maçons
devem corresponder. Não estão aqui em causa conhecimentos a interiorizar.
Estão, diretamente, aspectos e referências morais a seguir, a cumprir, a
divulgar.
Os rituais maçónicos
ao promoverem Princípios e Valores apelam diretamente às características
básicas do cérebro humano. Os princípios e Valores expostos, facultados, não se
destinam a ser meramente apreendidos pela Inteligência Racional, através do
estudo e da aquisição de conhecimentos. Procura-se atingir a Inteligência
emocional, o âmago da personalidade de cada um e aí efetuar as modificações
inerentes a esses Princípios e Valores.
Busca-se a aceleração
do processo. Em vez da mera aquisição pela Inteligência Racional e posterior
enraizamento através da experiência, busca-se a inserção direta e eficaz na
mente do maçom, atingindo o que o Ritual, desde os primórdios da Humanidade
toca: a Inteligência Emocional, logo as profundezas do ser que cada um de nós
é. Não se semeia, para que porventura nasça e cresça. Planta-se para que, no
mais curto espaço de tempo, haja frutos.
Os rituais maçónicos
destinam-se assim, para além da integração de indivíduos em grupos, a propiciar
a modificação de cada um, através da interiorização de Princípios e Valores
morais, que devem nortear a conduta de cada um,
Expostos de forma
ritualizada, muitas vezes repetida, encenada e praticada, tais Princípios e
Valores entranham-se diretamente no âmago essencial de cada um, assim
propiciando o seu aperfeiçoamento.
Este processo de
aperfeiçoamento não é imediato. É demorado, é evolutivo, depende de patamares.
É por isso que é um
erro pensar-se que, sabido o ritual, aprendido a executar o mesmo com
perfeição, o nosso trabalho está terminado.
Posso garantir-vos,
com base na minha experiência de mais de 30 anos de maçom, que não é assim que
funciona.
Decorar o ritual
executá-lo na perfeição, são ainda tarefas do Intelecto, da Inteligência
Racional. O que importa é senti-lo, vivenciá-lo, apreender aqui e ali algo de
novo, algo que nos chama agora a atenção e em que não reparáramos antes. Porque
esse é o processo de entranhamento das noções transmitidas pelo ritual, esse é
o processo de passagem do Conhecimento à Sabedoria.
Se há algo que
verdadeiramente aprendi com os nossos rituais é que se está sempre a aprender
algo de novo com os mesmos. Em mais de trinta anos de Maçonaria, já repeti, já
executei, já vi serem repetidos, já vi serem executados, os nossos rituais
centenas de vezes. Nunca me incomodei com a repetição. Nunca deixei de me
concentrar na sua execução. E, trinta anos passado, ainda me sucede que
subitamente encontro algo de novo, apesar de ser o mesmo ritual que pratico e a
que assisto ao longo deste tempo.
Tal sucede por uma
simples razão: encontro numa ocasião aquilo que então estou preparado para
encontrar. As palavras, os gestos, os atos, são os mesmos desde o princípio.
Mas antes eu não compreendera aquele particular significado, porque ainda não
estava preparado para tal. Porque tive de seguir uma evolução, compreendendo
aqui algo que mais tarde me permitiu perceber aquilo, que me modificou e levou
a entrever aquel outro pormenor, num processo evolutivo permanente.
É para isso que serve
o nosso ritual. Porque o ritual maçônico não é um simples ritual igual a todos
os outros que a Humanidade segue. O ritual maçônico é um meio de Construção e
Aperfeiçoamento de Nós.
É esta a sua
importância!
Rui Bandeira
Comunicação por meios
virtuais no âmbito da Academia Maçônica em 18/2/2021
Fonte
Blog a Partir Pedra