A Maçonaria é uma universidade e, para nossa felicidade, estamos sob a
égide de um significativo número de Irmãos que se dedica ao estudo, pesquisa e
desenvolvimento de questões relacionadas a sua história, filosofia, liturgia,
ritualística e outras questões mais acadêmicas.
É uma forma de pensar e agir!
Embora conhecendo e cumprindo a necessidade de ler e estudar os irmãos
acima, o aspecto exclusivamente humano da Instituição é meu alvo preferido.
É uma outra forma de pensar e agir!
Por sincronicidade ou coincidência significativa, dois fatos, logicamente
subsequentes, motivaram-me a tentar escrever algumas linhas sobre este tema que
é, para mim, ao mesmo tempo, intrigante e desafiador: “Maçonaria como Terapia!”
Mesmo sabendo que correria vários tipos de riscos no desenvolvimento do
texto e, especialmente, na sua interpretação, decidi tentar!
O primeiro fato é técnico: com frequência cada vez maior, publicações
médicas têm abordado as relações biopsicossociais de várias enfermidades.
Mesmo sendo um assunto relativamente antigo na medicina, cada vez mais
deparamo-nos com abordagens com maiores cuidados metodológicos e, por
consequência, mostrando melhores e mais confiáveis evidências científicas.
Três publicações recentes voltaram a chamar a minha atenção:
“Um alarme sobre o impacto devastador da epidemia de solidão e isolamento
social nos Estados Unidos” [1];
Outra, com um título lembrando romance estilizado, porém, igualmente
preocupante: “O coração solitário é um coração partido”, onde, inclusive, os
autores alertam para a necessidade de desenvolver um “modelo biopsicossocial da
doença cardiovascular” [3];
Por fim, “Solidão e risco de Doença de Parkinson” [4].
Existem inúmeras outras publicações que navegam nestas águas turvas e
revoltas.
O segundo fato, tipicamente humano e, portanto, o grande motivador, foi
quando um paciente de 85 anos, viúvo, que acompanho há algum tempo, externando
as suas preocupações e angústias sobre a sua percepção de isolamento social,
apesar do apoio e carinho dos seus filhos, despediu-se, após uma boa conversa
sobre o assunto, com a frase “Doutor, como é bom ter amigos”!
Chocou-me e emocionou-me!
E as publicações citadas passaram, novamente, a ocupar maior relevância na
minha atenção.
Onde estamos e para onde vamos?
Neste ponto, é importante elucidar alguns conceitos retirados
propositalmente das publicações citadas, mas que se pode obter em várias outras
fontes:
Conexão social: abrange as interações, relacionamentos, papéis e senso de
conexão que indivíduos, comunidades ou sociedade podem experimentar; engloba os
índices de isolamento social e de solidão [1][2].
Como alerta, é aceitável afirmar que o papel da conexão
social na biologia aparece cedo e continua ao longo da vida, contribuindo,
seja para o risco, seja para a proteção contra doenças [1].
Isolamento social é uma medida objetiva que descreve a ausência de contatos
e relações sociais. É medida pela quantidade de interações sociais [1][2].
A Solidão engloba o sentimento subjetivo de estar sozinho;
decorre da discrepância dos níveis desejados e percebidos de um indivíduo nas
relações interpessoais. Está mais associada à qualidade dos
relacionamentos [1][2].
Na publicação do “US Department of Health and Human Services” [1][2],
são sugeridos seis pilares para melhorar a conexão social (tradução
simples):
Fortalecer a infraestrutura social nas comunidades;
Promulgar políticas públicas que favoreçam estas conexões;
Mobilização do setor da saúde nesta direção;
Estimular o uso de tecnologia apropriada (inclusão digital);
Buscar o aprofundamento dos nossos conhecimentos sobre o tema;
Incentivar uma cultura de conexão social.
E é nesta última coluna, jónica talvez, onde poderíamos focar os nossos
esforços e atenção, incentivando práticas quotidianas que pudessem influenciar
significativamente os nossos relacionamentos intra e extra institucional.
A “espécie humana é social por natureza. Os seres humanos não só precisam
da presença de outros, mas dependem de relacionamentos sociais significativos
para desenvolverem uma vida adulta saudável. Como indivíduos,
esforçamo-nos para pertencer a uma família, a um grupo de pares, a uma comunidade. Estas
interações sociais com família, amigos, vizinhos ou colegas são primordiais
para o nosso bem-estar” [2].
Afinal, os sistemas biológicos não costumam operar de forma independente e
assim, estudos têm associado a solidão com maior risco de doenças
neurodegenerativas [4].
Evidências mostram que este risco está presente em grupos demográficos
distintos, independentemente de outros fatores proeminentes como, p. ex.,
depressão e genética [4].
A solidão seria, pois, um determinante psicossocial substancial,
tanto para a saúde, como para a doença [4].
Sempre é bom recordar o magnífico trabalho “Harvard Study of Adult
Development” que iniciou em Boston em 1938 [8][9], portanto, há
aproximadamente 85 anos.
Constitui-se assim, no estudo científico mais longo já realizado sobre
a felicidade e que gerou uma conclusão importante, mas relativamente
simples:
“os participantes mais felizes tiveram em comum dois grandes fatores ao
longo destes 85 anos de acompanhamento: cuidavam da saúde e construíam
fortes laços com outras pessoas” [8][9].
Afinal, como diz a Dra. Ana Cláudia [5]: “Amigo, amigo mesmo, é
aquela pessoa para quem ligaríamos a qualquer hora para pedir: ‘Por favor, não
estou bem; leve-me ao hospital’. Todos deveríamos investir no projeto de ter pelo
menos um nome – e em ser essa pessoa para alguém”.
Todos estes poucos argumentos elencados, foram com o intuito de fazer-me
parecer científico, afastando-me um pouco da tendência purista ou mesmo pueril
do texto.
Já sabemos o valor de ter amigos e que a Maçonaria, com lucro, proporciona
esta oportunidade!
Sabemos que o nosso cérebro necessita ser continuamente estimulado para
“driblar as doenças que corroem a lucidez” [5]. E a Maçonaria, como
lembrado nos parágrafos iniciais, é mestre nisto!
Sabemos que a solidão é um fator de risco comparável a uma
enfermidade e que pode encurtar, consideravelmente, a esperança de
vida [7].
Conhecemos também, o papel da solidão no agravamento do medo
deste entardecer biológico; e é este medo que age como uma raiz numa colónia
clonal, gerando ou agravando todos os fatores de risco tradicionais: obesidade,
diabetes, hipertensão, fumo, alcoolismo, depressão, etc. [7].
Mas tudo isto pode ter um alívio! Pode ser minorado!
O ato simples e fraterno de um abraço que nos traz a incrível sensação de
nos sentirmos incluídos, de pertencimento ao ambiente onde vivemos, pode fazer
milagre!
A frase egoísta “salve-se quem puder” é uma falácia e participar é a única
opção para melhorarmos a nossa própria expectativa de vida; e não só em
quantidade, mas igualmente em qualidade, ou seja, dar vida aos nossos anos de
vida [7].
Sim, podemos viver muito, mas de companhia, não
de solidão [7].
Sabemos enfim, que a busca da felicidade, mesmo que o seu significado
filosófico possa ser discutido, não é afinal, tão difícil de se obter como
mostra o estudo de Harvard [8][9]:
“o que melhor garante a nossa saúde física e mental são as relações
pessoais. Quem criou laços fortes com outros seres humanos viveu mais e
melhor”.
Mas se sabemos tanto – e temos muito mais a aprender, porque não beiramos
sempre os 100% de frequência nas nossas reuniões?
Para qualquer mal que nos aflija usamos medicamentos apenas
ocasionalmente?
Dificuldades? Frente a qualquer arrelia, lembremo-nos da Maçonaria como
remédio e, entendamos que nenhum remédio é totalmente doce e saboroso!
Ia finalizar, mas lembrei-me do paciente motivador e decidi, com o risco
de continuar pueril e desafiar o cepticismo, propor que convidemos para as
nossas festivas e ágapes, pessoas dos nossos relacionamentos – ou simples
conhecimento – que mantenham qualquer grau de solidão, mesmo que não
tenham qualquer vínculo com a Instituição.
Quanta fraternidade e filantropia existe nesta ação?
E questionou-me um Irmão: e se ele gostar e quiser vir com frequência?
Ora, não deverá ser o etarismo [6] um fator de impedimento para
iniciá-lo nos augustos mistérios!
Todo sonho é permitido e como dizia um poeta local, Lindolfo
Bell [10]: “Menor que meu sonho não posso ser”.
E na música “Prelúdio”, Raul Seixas foi pontual:
“Sonho que se sonha só
É só um sonho que se sonha só
Mas sonho que se sonha junto é realidade”.
Walter Roque Teixeira, M:. M:. – CIM 184.372 – ARBLS
Palmeira da Paz nº 2121, Oriente de Blumenau – GOB/SC – GOB
Referências
[1] US Department of Health and Human Services. (2023). New Surgeon
General Advisory Raises Alarm about the Devastating Impact of the Epidemic of
Loneliness and Isolation in the United States: https://www.hhs.gov/sites/default/files/surgeon-general-social-connection-advisory.pdf.
[2] Wajngarten, Mauricio: A nefasta ‘epidemia de solidão e isolamento
social’: onde estamos e para onde vamos – Medscape – 7 de novembro de 2023.
[3] Kai G et al. A.: Lonely Heart is a Broken Heart: It is Time for a
Biopsychosocial Cardiovascular Disease Model. Eur Heart J.
2023;44(28):2592-2594.
[4] Terracciano, Antonio: Loneliness and Risk of Parkinson Disease.
JAMA Neurology November 2023 Volume 80, Number 11.
[5] Arantes, Ana Claudia Quintana: Pra vida toda valer a pena:
pequeno manual para envelhecer com alegria. – 1. ed. – Rio de Janeiro:
Sextante, 2021.
[6] Teixeira, WR: Maçonaria, Etarismo e Jovencentrismo – uma
meditação e uma tese! https://www.freemason.pt/maconaria-etarismo-e-jovencentrismo-uma-meditacao-e-uma-tese/.
[7] Presmann, Carlos, Doutor Professor de la Cátedra de Semiologia –
Hospital Nacional de Clínicas – Universidad Nacional de Córdoba/Argentina – La
Geriatrización de la Clínica: https://www.intramed.net/.
[8] Harvard Study of Adult Development: https://www.adultdevelopmentstudy.org/.
[9] Waldinger, Robert: What makes a good life? Lessons from the
longest study on happiness (TED): https://www.youtube.com/watch?v=8KkKuTCFvzI&t=1s.
[10] Bell, Lindolfo: https://lindolfbell.com.br/o-poeta.