Breve reflexão sobre o texto
intitulado “O mestre e a luta contra a vaidade” do Irmão Mario Vasconcelos
Numa
sexta-feira chuvosa, recebi com alegria o texto do Irmão Mario Vasconcelos, o
qual, imediatamente, passei a ler e refletir sobre o conteúdo que nos foi
ofertado. Estimulado pelas provocações, sempre pertinentes, passei a escrever
estas breves linhas que representam as minhas preocupações sobre o todo
arrazoado por ele.
Pois
bem!
O
argumento de que os graus são meramente simbólicos ou filosóficos pode
desconsiderar a profundidade e a importância de cada fase da aprendizagem maçônico.
Embora os graus representem etapas no caminho do conhecimento, eles não são
apenas estruturas formais, mas sim oportunidades para uma aprendizagem mais
profunda e para a internalização de conceitos que requerem tempo e reflexão.
Cada
grau, em cada sistema maçônico, oferece uma nova lente através da qual o Maçom
pode ver o mundo, e desconsiderar isso é perder a chance de um verdadeiro
crescimento.
Realmente,
a humildade é, sem dúvida, uma virtude central na Maçonaria, mas deve ser
praticada de maneira que não dilua a responsabilidade de guiar e ensinar. A
humildade verdadeira não é subserviência ou autonegação, mas o reconhecimento
do valor tanto do próprio conhecimento quanto da contribuição do outro.
Um
verdadeiro Maçom humilde é aquele que está disposto a aprender, mas também a
ensinar, compartilhando o que sabe com a intenção de elevar o entendimento coletivo.
A humildade não deve ser uma desculpa para negligenciar a transmissão de
conhecimento ou para igualar experiências e sabedorias que são distintas e
complementares.
Lembro
agora a máxima construída por T. S. Eliot,
que escreveu em Choruses from The Rock: “Where is the wisdom we have lost
in knowledge? Where is the knowledge we have lost in information?“.
Este
trecho ilustra bem a distinção fundamental entre estes conceitos. Informação é
o conjunto bruto de dados, algo que pode ser adquirido em quantidade, mas que,
por si só, não transforma o indivíduo.
Conhecimento
é a organização e compreensão desses dados, o processo de fazer sentido das
informações. Saber vai além do conhecimento, é a aplicação consciente desse
conhecimento em situações práticas, e sabedoria é a culminação desse processo:
a capacidade de fazer julgamentos equilibrados e de agir de forma justa e
compassiva.
Na
Maçonaria, entendo, não basta acumular informação; é preciso transformar esta
informação em conhecimento, aplicá-lo para desenvolver o saber, e, finalmente,
cultivar a sabedoria. A aprendizagem maçónica é uma jornada que vai além da
memorização de rituais ou da absorção de simbologia e textos maçônicos;
trata-se de uma transformação interna que requer introspecção, prática e tempo.
O
exemplo trazido pelo Irmão Mario, amplamente conhecido, que retrata uma
passagem de Santo Antão, que sucumbe à vaidade, serve como um alerta sobre os
perigos da superficialidade e da busca por reconhecimento. No contexto maçônico,
é vital que os irmãos se concentrem mais na profundidade da aprendizagem do que
na busca por títulos ou símbolos de status.
A
verdadeira humildade, como mencionada anteriormente, é essencial para esse
processo. Ela não é apenas uma questão de comportamento externo, mas uma
disposição interna de estar sempre aberto à aprendizagem, independentemente do
quanto já se sabe.
A
superficialidade é o maior inimigo da sabedoria. Como Eliot sugeriu, o caminho
da sabedoria é muitas vezes perdido quando nos contentamos com o conhecimento
superficial ou com a simples acumulação de informações. É através da prática
constante, do diálogo aberto e da disposição para questionar que um Maçom pode
verdadeiramente avançar na sua jornada.
Embora
o artigo do Irmão Mario sugira que a educação maçônica deve ser horizontal, é
importante ressaltar que um modelo horizontal não significa a ausência de
orientação ou de estrutura. A horizontalidade pode permitir que todos os irmãos
participem de um processo de aprendizagem mútuo, onde o conhecimento flui em
ambas as direções.
No
entanto, essa estrutura também deve reconhecer que diferentes irmãos têm
diferentes níveis de experiência e que essa diversidade é o que enriquece a
troca de conhecimentos. A humildade e a abertura para aprender com os outros
são fundamentais nesse processo, mas também é preciso estar disposto a ensinar
e a liderar quando necessário.
Neste
sentido, parece-me que o compartilhamento de conhecimento é, ou deveria ser um
pilar na Maçonaria, mas deve ser feito com consciência e responsabilidade. Não
se trata apenas de transmitir informações, mas de facilitar a transformação
daquela em conhecimento, deste em saber, e do saber em sabedoria. Cada Maçom
tem a responsabilidade de contribuir para o crescimento dos demais, mas também
de reconhecer os momentos em que é necessário dar um passo atrás e permitir que
o outro encontre as suas próprias respostas, fortalecendo assim a própria
jornada de aprendizagem.
A
ideia de que um “mestre Maçom” detém uma suposta autoridade inquestionável para
transmitir conhecimento deve ser reavaliada criticamente. Nem todos os que
alcançam o título de mestre possuem, de fato, a profundidade de saber
necessária para exercer tal função com eficácia.
Muitas
vezes, o título pode ser obtido por fatores que não refletem a verdadeira
compreensão dos ensinamentos maçônicos ou a capacidade pedagógica. A Maçonaria,
como qualquer outra instituição, pode ter membros que alcançam níveis elevados
sem, necessariamente, possuírem o discernimento ou o conhecimento profundo,
quer seja por movimentos políticos, por graça ou bom relacionamento.
Este
cenário agrava-se quando mestres maçons, com pouca ou nenhuma formação (acadêmica
ou não!) substancial, tentam ensinar aprendizes e companheiros maçons que,
paradoxalmente, podem possuir uma formação (nas suas vidas fora das lojas maçônicas)
muito superior.
A
situação torna-se particularmente frustrante quando o mestre repete clichés
superficiais ou faz confusões grotescas sobre temas fundamentais como história,
filosofia, filologia e até mesmo localização geográfica de fatos relevantes à
fraternidade, expondo a sua ignorância e, pior ainda, minando a credibilidade
dos ensinamentos maçônicos.
Esta
discrepância revela a fragilidade do argumento de que a experiência maçónica,
por si só, garante a sabedoria. A experiência é valiosa, mas deve ser
acompanhada de um esforço contínuo para expandir o conhecimento e refinar a
capacidade de transmitir e compartilhar o que foi absorvido. O simples fato de
ter passado pelos graus não confere automaticamente a capacidade de transmitir
conhecimento de maneira eficaz e esclarecedora.
Aliás,
aqui, é interessante tocar num ponto que me incomoda demais. O conceito de ser
um “eterno aprendiz” na Maçonaria, embora atraente na sua superfície, muitas
vezes é usado de maneira hipócrita. Aqueles que proclamam esta expressão com
demasiada frequência podem estar tentando ocultar uma falsa humildade ou, pior,
uma lacuna de conhecimento que não se dispuseram a preencher. Em vez de
verdadeiramente buscar aprender e crescer, eles utilizam essa expressão como um
escudo para evitar o confronto com as suas próprias deficiências.
Além
disso, esta postura pode tornar-se uma manifestação de arrogância disfarçada,
onde o indivíduo se vangloria da sua “humildade” e, paradoxalmente, adota uma
atitude de superioridade moral. Esta falsa humildade é, na verdade, uma das
formas mais insidiosas de vaidade, pois busca reconhecimento não pelo que foi
aprendido, mas pelo que se pretende ser: um “eterno aprendiz”.
No
entanto, o verdadeiro aprendiz é aquele que busca continuamente o conhecimento
de forma genuína e sem ostentação, reconhecendo tanto as suas limitações quanto
a necessidade constante de crescer.
Dentro
do contexto atual da Maçonaria brasileira, alguns poucos anos atrás, cunhei o
neologismo “nescionaria”, como uma crítica (ácida) às práticas realizadas de
forma superficial e sem o devido respeito e compreensão dos pilares que compõem
a fraternidade maçônica. A “nescionaria” reflete-se no ingresso de novos
“membros” sem uma formação adequada (e aqui não estou a referir-me à formação acadêmica!),
o que resulta em práticas maçônicas carentes de profundidade e significado.
Este fenômeno escancara uma crise institucional na nossa fraternidade, onde a
prioridade parece, ainda, estar na expansão numérica, ao invés do necessário
desenvolvimento qualitativo dos seus membros.
A
“nescionaria”, em essência, é uma falha sistêmica que subverte os objetivos da
nossa fraternidade ao permitir que maçons avancem nos graus sem uma verdadeira
compreensão do que efetivamente eles representam, no melhor estilo fast-food
maçônico.
Isso
cria um ciclo vicioso onde mestres malformados continuam a perpetuar a
mediocridade, agravando o problema e diluindo o valor dos ensinamentos maçônicos,
com consequências nefastas para o quotidiano das lojas, pois cria um ambiente
fértil para práticas não alinhadas com os objetivos da Maçonaria (ao menos em
tese!).
No
Brasil, esta prática (néscionaria) tem levado a uma fragmentação e a um
enfraquecimento das potências maçônicas, onde a busca pelo verdadeiro saber e
pela sabedoria tem sido substituída por uma superficialidade que desonra os
princípios fundamentais construídos e cristalizados ao longo do iluminismo e da
era do humanismo.
A
minha crítica é uma tentativa de alerta para a necessidade urgente de uma
reforma no modo como o conhecimento é transmitido e valorizado dentro da
Maçonaria (brasileira, em especial), focando na qualidade (em verdade, deveria
ser excelência!) em vez da quantidade, bem como na escolha dos seus membros.
É
essencial que a Maçonaria, tanto no Brasil quanto em qualquer outra parte do
mundo, reavalie a maneira como o conhecimento e autoridade são entendidos e
exercidos dentro da Fraternidade.
A
verdadeira humildade reside não em proclamações vazias de ser um “eterno
aprendiz”, mas na constante busca por se aprimorar e na disposição para
reconhecer as próprias limitações. Da mesma forma, ser um “mestre Maçom” deve
implicar em mais do que a simples passagem por rituais; deve refletir uma
verdadeira capacidade de ensinar, de inspirar e de conduzir outros no caminho
do conhecimento, do saber e, finalmente, da sabedoria.
Caso
contrário, a Maçonaria corre o risco de perpetuar a “nescionaria” e de se
afastar da sua origem e objetivos que a mantiveram acesa por mais de 300 anos.
Em
resumo, compreendi que o artigo do Irmão Mário Vasconcelos enfatiza a
necessidade de humildade e o perigo da vaidade, sendo crucial lembrar que o
verdadeiro crescimento maçônico se dá pela transformação da informação em
sabedoria, um processo que exige tanto humildade quanto comprometimento com o
estudo e a prática.
A
jornada maçônica é tanto pessoal quanto coletiva, e cada irmão tem o dever de
contribuir para o avanço do conhecimento de todos, sempre com respeito,
abertura e, acima de tudo, humildade verdadeira.
Rui
Badaró, Membro da Loja de São João, nº 680, Sorocaba – SP, GLESP.
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