Desde o início dos tempos, a
humanidade tem procurado respostas para os mistérios da existência. Quem somos?
De onde viemos? Para onde vamos? Diante do insondável, sistemas de crenças se
formaram, às vezes evoluindo para dogmas rígidos. Mas o que são esses dogmas
senão prisões erguidas pela mente humana, um refúgio para o orgulho disfarçado
de certeza?
A ilusão da verdade absoluta
Um dogma pretende oferecer
respostas definitivas às questões fundamentais da existência. Ele estabelece
referências, traça limites entre o que é certo e o que é errado, entre o
sagrado e o profano, entre o possível e o impossível. Mas essa busca pela certeza
esconde um grande medo: o do desconhecido. Pois o universo, em sua essência,
desafia qualquer tentativa de classificação. É vasto, indefinível e em perpétua
transformação.
A ilusão da verdade absoluta é
baseada em um paradoxo: ao acreditar que sabemos tudo, paramos de aprender.
Fechamo-nos à riqueza das perspectivas, à beleza da mudança. No entanto, a
própria natureza nos ensina a impermanência. Os ciclos da vida, as estrelas que
nascem e morrem, as estações que se sucedem... tudo testemunha a fluidez da
existência.
Por que então procuramos congelar
o que está se movendo? A resposta está no orgulho. Aceitar que não sabemos
tudo, que talvez nunca entendamos tudo, requer profunda humildade. Ele nos
confronta com nossa pequenez na imensidão cósmica. O ego, para se proteger,
constrói certezas. Ele se envolve em dogmas como um manto, acreditando que
assim está se protegendo do frio gelado da dúvida. Mas este casaco rapidamente
se torna uma camisa de força.
A verdade, se existe, é muito
maior do que nossas mentes podem conceber. Não se deixa confinar a palavras ou
doutrinas. Ela dança, indescritível, nas entrelinhas, nos silêncios, nos
mistérios que só um espírito livre pode vislumbrar.
As correntes do espírito
Uma mente aprisionada por um
dogma perde sua liberdade interior. Ele troca a alegria da exploração pela
estabilidade das certezas impostas. No entanto, essa estabilidade é ilusória.
Pois, na realidade, nada é mais mutável do que a mente humana, e nada é mais
frustrante para a alma do que não ser capaz de florescer.
Dogmas, como correntes de ouro,
são sedutores. Eles prometem respostas simples para perguntas complexas,
segurança mental diante do desconhecido. Mas essa segurança tem um preço: o da
asfixia. Ao seguir cegamente um dogma, desistimos de nosso poder de questionamento,
nossa capacidade de admiração e nossa criatividade. Contentamo-nos em caminhar
por trilhos marcados, incapazes de nos aventurarmos nas florestas selvagens do
desconhecido.
No entanto, é precisamente nessas
florestas que reside a sabedoria. A dúvida, longe de ser uma fraqueza, é uma
força. Abre portas, desperta a curiosidade e nos impulsiona a buscar verdades
mais profundas. Ele nos convida a desconstruir as paredes que erguemos ao redor
de nossas mentes e abraçar a liberdade do pensamento fluido e em constante
mudança.
A mente humana é projetada para
explorar, não para se conformar. Quando quebramos as correntes do dogma,
descobrimos horizontes insuspeitados, novas perspectivas e uma conexão mais
autêntica com nós mesmos e com o mundo. A verdadeira liberdade não está na
certeza, mas na capacidade de dançar com o desconhecido.
Orgulho mascarado de piedade
Os dogmas são frequentemente
apresentados como expressões de virtude, sabedoria ou devoção. Eles pretendem
guiar as almas para a luz, proteger dos excessos, oferecer um caminho seguro.
No entanto, por trás dessa fachada há muitas vezes uma armadilha sutil: a do
orgulho, escondida sob a máscara da piedade.
Esse orgulho se manifesta de
várias maneiras. Nutre um sentimento de superioridade naqueles que aderem ao
dogma, levando-os a julgar, excluir ou desprezar aqueles que pensam de forma
diferente. "Nós temos a verdade, eles estão errados", proclama a
mente trancada. Essa necessidade de estar certo, de dominar através do
conhecimento ou da fé, revela uma profunda insegurança. É o ego que procura se
tranquilizar, existir esmagando o outro.
Mas, ao se apegar a essa falsa
superioridade, o amor universal que muitos dogmas defendem é traído. Pois o
verdadeiro amor não conhece divisões ou exclusões. Ele não se apega a formas,
regras ou doutrinas. É livre, como a própria vida.
O orgulho mascarado de piedade é
uma das maiores tragédias da humanidade. Alimentou conflitos, guerras e
perseguições. Ele prendeu gerações em padrões rígidos de pensamento, impedindo
a evolução espiritual e coletiva. No entanto, é possível transcender esse
orgulho.
Isto exige um retorno ao
essencial: humildade radical, abertura sincera, escuta profunda. Isso exige que
reconheçamos que, quaisquer que sejam nossas crenças ou nossos caminhos, somos
todos fragmentos do mesmo todo, exploradores de um mistério que está além de
nós.
O apelo ao pensamento livre e
luminoso
E se a verdadeira busca da
humanidade não fosse por respostas, mas por perguntas cada vez maiores? E se,
em vez de buscar certezas, aprendêssemos a dançar com o mistério, a abraçar o
desconhecido como um amigo fiel? A vida, em todo o seu esplendor, não se revela
a quem a congela, mas a quem se abre com humildade e alegria à sua perpétua
transformação.
Tornar-se um pensador livre não é
rejeitar todas as crenças, mas cultivar uma mente fluida, capaz de ver além dos
muros que erguemos. É ouvir os sussurros do universo com o coração aberto, a
mente inquisitiva e a alma em paz com a incerteza. É preciso coragem: a coragem
de questionar o que pensávamos que sabíamos, a coragem de reconhecer que cada
momento é uma oportunidade de crescer, aprender, transcender a nós mesmos.
O pensamento livre não é um ato
de rebelião contra a ordem, mas um ato de amor pela verdade viva, mutável e
infinita. É a expressão de uma alegria profunda, a de saber que, neste grande
teatro da existência, há sempre mais para descobrir, compreender, celebrar.
Então, olhe ao seu redor, olhe
para dentro de si mesmo. Que crenças, que certezas, que paredes invisíveis
limitam sua liberdade? Que campos de possibilidades seriam revelados se você
ousasse empurrar uma porta, quebrar uma corrente, derrubar uma parede?
Quais prisões você está pronto
para abrir?
Por Yann Leray
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