“A maior parte só vê a
casca, e cedo se desilude; não conhece a amêndoa gostosa que se oculta no
interior e torna-se o prêmio reservado aos estudiosos, que os aproxima cada vez
mais da Iniciação Real” (Nicola Aslan)
Conta-se que um amigo do jornalista, contista, cronista e poeta brasileiro
Olavo Bilac (1865-1918), abordou-o certa vez e pediu-lhe que redigisse um
anúncio de uma chácara que pretendia vender e da qual ele era conhecedor. Ali
mesmo, o poeta apanhou um pedaço de papel e escreveu:
“Vende-se encantadora propriedade, onde cantam os pássaros ao amanhecer no
extenso arvoredo. Cortada por cristalinas e marejantes águas de um ribeiro. A
casa, banhada pelo sol nascente, oferece a sombra tranquila das tardes, na varanda.
“
Tempos depois, reencontrando o amigo, Olavo Bilac perguntou-lhe se havia
conseguido vender a propriedade. De pronto ouviu a resposta: “Nem pense mais
nisso! Quando li o anúncio é que percebi a maravilha que tinha nas mãos”.
Eckhart Tolle, na sua obra “O Poder do Agora” (2002), narra a história de
um velho mendigo (da fábula de Tolstói), que passou mais de trinta anos sentado
no mesmo lugar, debaixo de uma marquise, pedindo moedas aos transeuntes.
Um belo dia um estranho perguntou-lhe o que tinha dentro da caixa que era
utilizada como assento em todo aquele tempo. Respondeu o mendigo que não sabia,
mas que imaginava não ter nada. Insistiu o estranho para que o mendigo desse
uma olhada. Ao abri-la, com certa dificuldade, descobriu o velho que o caixote
estava cheio de ouro.
Em outro contexto, Malba Tahan (1895-1974), pseudônimo do professor,
conferencista, matemático e escritor do modernismo brasileiro, Júlio César de
Mello e Sousa, nos relata em “O Livro de Aladim“(2001), uma fantástica história
chamada “O Tesouro de Bresa”, sobre a experiência de um pobre e modesto
alfaiate da Babilônia chamado Enedim, que alimentava o sonho de achar um
fabuloso tesouro escondido em algum lugar e tornar-se rico e famoso.
Um dia parou em sua porta um velho mercador da Fenícia com uma infinidade
de objetos. Entre elas ele descobriu um livro onde se viam caracteres estranhos
e desconhecidos. O vendedor disse tratar-se de uma preciosidade.
Após adquiri-lo, Enedim passou a examiná-lo com cuidado e conseguiu
decifrar de uma legenda em complicados caracteres caldaicos o título: “O
Segredo do Tesouro de Bresa”. Lembrou-se que ouvira falar alguma coisa a
respeito e despertou a curiosidade para prosseguir na pesquisa, que se referia
a uma fortuna enterrada por um gênio em uma caverna localizada em uma montanha
chamada Harbatol.
Como as primeiras linhas eram escritas em caracteres de vários idiomas,
Enedim foi obrigado a estudar os hieróglifos egípcios, o grego, os dialetos
persas e a língua dos judeus. Isso o levou mais tarde a ocupar o rendoso cargo
de intérprete do rei.
Continuando a traduzir o livro, debruçou sobre várias páginas cheias de
cálculos, números e figuras, o que o incentivou a instruir-se em matemática.
Com isso desenvolveu habilidades para calcular, desenhar e construir uma grande
ponte sobre o rio Eufrates. O rei nomeou-o então prefeito e ele se tornou um
dos homens mais notáveis da cidade.
Continuando suas buscas sobre o segredo do tal livro, examinou as leis e
princípios religiosos, o que o capacitou a dirimir uma velha pendência entre os
doutores. Tornou-se primeiro-ministro. Passou a viver com luxo e riquezas e
recebia os príncipes mais ricos e poderosos do mundo. Em consequência, o reino
progrediu e Enedim se tornou o mais notável de seu tempo. Mas, o segredo ainda
não tinha sido desvendado.
Certo dia, conversando com um imã, relatou suas buscas e descobertas e o
religioso ao ouvir a ingênua confissão do agora grão-vizir, falou: “o tesouro
de Bresa já está em vosso poder, meu senhor, graças aos conhecimentos que o
livro lhe proporcionou”. “Bresa” significa “saber”, enfatizou o religioso, e “Harbatol”
quer dizer “trabalho”. “Com estudo e trabalho pode o homem conquistar tesouros
maiores do que os que se ocultam no seio da terra”, concluiu.
Refletindo sobre as três passagens acima, podemos extrair da primeira a
nossa dificuldade em valorizar as coisas boas que dispomos, ou seja, os
tesouros que estão ao nosso alcance, nossas famílias, amigos, trabalho, saúde e
conforto, bem assim as inúmeras oportunidades em que nos perdemos em divagações
e buscas, não se sabe do que, sem nenhuma materialidade.
Se pensarmos em termos de uma nação, entendemos como vários países ricos
em potencial e tesouros incalculáveis em seus subsolos veem sua população na
miséria e completa ignorância e dirigidos por incompetentes e/ou corruptos
gestores do bem público.
No caso específico do mendigo, a mensagem é mais concisa e pode se ajustar
a qualquer pessoa incapaz de reagir frente a uma existência miserável,
sobretudo a intelectual, estando ao mesmo tempo sentada sobre uma riqueza
incalculável, apenas pela incapacidade de conceber, avaliar e laborar os
recursos disponíveis ou mesmo os próprios conhecimentos e habilidades.
Mais ou menos a imagem de uma pessoa que vive em uma biblioteca, sabe
soletrar, ler e escrever, mas morre ignorante, sem ao menos remover a poeira
dos livros que a abraçam. Ou mesmo, cercado por boa comida, morre de inanição
com preguiça de levar comida à boca. Mais ainda, como ativista sentado em
confortável sofá, espera o conhecimento chegar via mensagem de WhatsApp para
democraticamente compartilhá-lo, sem ao menos confirmar a veracidade.
Na mesma linha, a lenda do Tesouro de Bresa demonstra as inúmeras
conquistas que podem advir da superação da preguiça mental e dedicação ao
estudo e ao trabalho, dependendo apenas de confiança, força de vontade,
disciplina e foco. Basta o despertar para a busca do conhecimento que aparenta
estar oculto e distante, mas grita bem perto de nossos surdos ouvidos.
A maçonaria, por meio de suas instruções, coloca à disposição dos obreiros
todo um imenso tesouro onde se estudam várias ciências, como moral, arte,
filosofia, psicologia, sociologia, política, história, lógica e metafísica, que
levam ao aprendizado e ao progresso por meio da própria experiência e esforços
individuais, que variam de acordo com as próprias competências e em face das
vivências e descobertas proporcionadas pelos estudos e trabalhos realizados.
Ao não incrementar ou valorizar os temas para estudos e debates em nossas
Lojas, restringimo-nos à perenidade da ritualística e expectativa da ágape que
vem após as reuniões, deixando de explorar toda a base de conhecimentos e
instruções disponíveis, que representam um grande tesouro colocado à disposição
de todos. A leitura burocrática das instruções apenas para cumprir uma
formalidade faz-nos lembrar frase do célebre Marques de Maricá: “Ler sem
refletir é comer sem digerir”.
Assim agindo, com esse desdém, cometemos o erro de quem se julga na
Maçonaria, mas não vê a Maçonaria, garantindo que continuaremos pobres e
sentados em cima de um rico patrimônio cultural, fadados a ouvir, aplaudir e
repetir bravatas de pseudointelectuais, justificando o ditado popular: “em
terra de cego quem tem olho é rei”.
Mas, com o despertamento para as enormes potencialidades da cultura
maçônica, faz sentido o pensamento de Nicola Aslan, cotado na abertura desta
Prancha, bastante ilustrativo da realidade de muitas Lojas, onde o obreiro
deixa escoar o tempo e não consegue vislumbrar e apropriar-se do tesouro oculto
nas colunas da maçonaria, do sabor da amêndoa gostosa, do desvelamento da
essência, da interpretação do simbolismo, enfim, dos ensinamentos, que ficam
por conta do estudioso, do pesquisador que não se detém na superfície, que
acumulará as riquezas garimpadas segundo a medida de sua capacidade, em
conformidade com sua maturidade e preparo espiritual.
Um ladrão rouba um tesouro, mas não furta a inteligência. Uma crise
destrói uma herança, mas não uma profissão. Não importa se você não tem
dinheiro, você é uma pessoa rica, pois possui o maior de todos os capitais: a
sua inteligência. Invista nela. Estude! (Augusto Cury)
Autor: Márcio dos Santos Gomes
*Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº
197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro da Academia Mineira
Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro
da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda (BH);
Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 –
GLEPA; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON;
Membro Correspondente da Academia Maçônica de Letras de Piracicaba (SP);
Colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.
Referências
TAHAN, Malba. O Livro de Aladim. Rio de Janeiro: Record, 2001.
TOLLE, Eckhart. O Poder do Agora: um guia para iluminação
espiritual. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.
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