quinta-feira, 27 de novembro de 2025

A IMPORTÂNCIA DO TEMPO DE ESTUDOS PARA O MAÇOM ESPECULATIVO

O objetivo deste trabalho é tentar revelar a importância do Tempo de Estudo em Loja, o qual pode servir como fonte de reflexão e de exercício das virtudes valorizadas pela sublime ordem. Ainda, procura causar, neste restrito tema, alguma inquietação que provoque nos leitores (ou ouvintes) o gosto pela especulação. Primeiramente, vamos retomar às origens da maçonaria especulativa e o que vem a ser esse termo.

A Maçonaria Especulativa, também chamada Maçonaria dos Aceitos, iniciou-­se por volta do ano de 1717 da era vulgar e perdura até os dias atuais. Os maçons que nos antecederam eram predominantemente operativos e dedicados à arte de construir, embora não negligenciassem os conceitos de fraternidade e guarda dos segredos da Arte Real (Audi, Vide, Tace). 

Os maçons aceitos levam esse nome porque foram aceitos entre os maçons operativos, mesmo sem possuir a mesma profissão dos maçons ditos antigos, utiliza do simbolismo das ferramentas operativas como forma de desbastar a pedra bruta, que eternamente seremos, seja do ponto de vista moral, espiritual ou intelectual.

O outro termo utilizado para designar os maçons modernos merece uma definição vinda do dicionário, ou seja, o que é especulativo, que vem de especular:

  • Especulativa: faculdade de especular.
  • Faculdade: poder de efetuar uma ação física ou mental; capacidade.
  • Especular: estudar com atenção e minúcia sob o ponto de vista teórico. Meditar, raciocinar.

Ser maçom especulativo significa ser observador, perceber os princípios morais subjacentes aos símbolos e aplicá-los no desbaste da pedra bruta e na construção de relacionamentos humanos confiáveis, sinceros e leais. Isso é feito através do estudo e da observação, tentando apreender a melhor forma de construir uma harmoniosa e perfeita fraternidade. O que os maçons especulativos ultrapassam os limites de suas Lojas. O maior trabalho de um maçom moderno é aplicar de maneira prática e correta a sabedoria moral que, se espera, venha adquirindo durante sua vida maçônica.

O maçom vai à Loja para especular, estudar e aprender e volta ao mundo para trabalhar e aplicar o que aprendeu. O maçom especulativo não é mais um construtor material como o eram os mestres maçons operativos. Ele será, antes de tudo, um homem moralmente sadio em busca da luz da verdade, dedicado à construção do edifício moral próprio.

Símbolo maior disso é o Painel de Aprendiz, o qual devemos ter marcado a ferro e fogo em nossa mente. Na mais bela representação, segundo minha visão, vê-se o Aprendiz, meio homem e meio pedra bruta, se lapidando com o uso do maço e do cinzel. 

Enquanto o Aprendiz segura o cinzel, instrumento de precisão que desbasta a pedra bate-lhe com o maço, que é o símbolo da força que sozinho não desbasta, apenas destrói. Nessa alegoria vemos a construção de si mesmo, lapidando-se em busca da utópica perfeição, cabível apenas ao G.’.A.’.D.’.U.’., mas a qual deve ser perseguida dos pontos de vista já citados (moral, espiritual ou intelectual).

Se o maçom moderno deve ir à Loja para especular, estudar e aprender creio que momento mais que oportuno seja o tempo de estudo, ou, ¼ de hora (15 minutos). Entretanto, uma reflexão sobre a nomenclatura é válida, pois o que temos é tempo de estudo e não tempo de leitura. Para entender melhor, vejamos as definições extraídas do dicionário:

  • Leitura: ação ou efeito de ler.
  • Estudo: trabalho ou aplicação da inteligência no sentido de aprender uma ciência ou arte. Aplicação, trabalho do espírito para empreender a apreciação ou análise de certa matéria ou assunto especial. Ciência ou saber adquiridos à custa desta aplicação. Investigação, pesquisa acerca de determinado assunto.

É notório que as possíveis definições de estudo coadunam justa e perfeitamente com o dever de um maçom especulativo, que é especular, estudar e aprender e voltar ao mundo para trabalhar e aplicar o que aprendeu. 

A especulação deve ocorrer logo após a apresentação do trabalho, momento esse muito rico no qual os irmãos podem contribuir para o enriquecimento do trabalho ou até mesmo propor questões para o irmão que trouxe o trabalho em Loja. 

Quando um irmão tece comentários a respeito do trabalho, é fato que enriquece o que foi exposto, mas também serve como forma de promover o exercício da oratória, que se bem-feita, cria instantaneamente líderes, pelo simples fato de convencer mediante argumentos.

Fazendo um paralelo com o Quadro de Aprendiz, quando apenas lemos um trabalho e ninguém faz comentários, vamos embora crendo que a forma como estamos manuseando o maço e o cinzel é perfeita.

Por outro lado, as críticas e comentários nos impõem uma reflexão a respeito do manuseio e nos ajudam a apurar a arte do uso dessas ferramentas. Assim que nos retiramos para o mundo profano com uma visão diferente daquela inicial quando da chegada na Loja.

Outro ponto sobre especulação a respeito do trabalho, que, creio eu, deva ser feita de forma quase que exaustiva, está no fato que essa prática vai de encontro à vaidade e ao encontro da temperança. A verdade é que quando alguém apresenta um trabalho em público, o que se espera são os aplausos e as palavras de agradecimento pelo belo trabalho exposto. Ninguém espera o contrário. Aqui vale a pena citar uma frase do escritor americano Norman Vincent Peale (1898­-1993):

“O mal de quase todos nós é que preferimos sermos arruinados pelos elogios a sermos salvos pelas críticas.”

O ser humano é vaidoso por natureza e, em geral, quando faz algo pelos outros, o faz não pela ação em si, mas na esperança de receber em troca o reconhecimento pela ação feita. A vaidade, segundo o dicionário, é o “desejo imoderado e infundado de merecer a admiração dos outros. Presunção mal fundada de si, do próprio mérito”. Acrescento: vício vil!

Sendo assim, esse momento de embate no tempo de estudos também é importante para ajudar a conter a vaidade e exercitar uma das quatro principais virtudes de um maçom: a temperança, a qual, segundo o dicionário é o “poder ou virtude pela qual o homem pode refrear os apetites desordenados”. “Parcimônia. Modéstia. Humildade”. Empregamos a temperança no tempo de estudos quando da forma como nos dirigirmos aos irmãos a respeito do assunto sendo especulado, o qual por sua vez, mesmo que a vaidade o instigue, deva usar a temperança para aplacá-la e tratar o irmão como irmão.

Resumindo, creio eu ser o tempo de estudos momento único no qual o conhecimento trazido pode ser especulado e salutarmente debatido entre os irmãos, como forma de lapidar a pedra bruta do ponto de vista intelectual (conhecimento e reflexão) e moral (combate ao vício e estímulo às virtudes). Assim, faremos valer a resposta à indagação: “O que fazem em vossa Loja?”…”Levantam-­se templos às virtudes e cavam-­se masmorras aos vícios”.

Termino este trabalho a respeito da importância do estudo e da especulação com uma frase do escritor francês Bernard le Bovier de Fontenelle (1657–1757):

“É verdade que não podemos encontrar a pedra filosofal, mas é bom que ela seja procurada. Procurando-­a, encontramos muitos segredos que não procurávamos.”

Autor: Ivair Ximenes

 

 

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

O CORPO, OS VÍCIOS E AS VIRTUDES


 

Esta peça tem como objetivo a relação entre os vícios e as virtudes, representados pelos três companheiros e os três mestres que encontram Hiran. Sua base foi extraída do livro "Do sexo à divindade" do autor Jorge Adoum, também conhecido como Mago Jefa, onde ele aborda as conexões existentes nas religiões, desde as mais antigas até as atuais, navegando pelas Fálias, Mítrica, Osíris, Druidas, védicas, budista e Cristã, fazendo referência ao ato sexual, ou o ato de procriar, como sendo algo sagrado.

Mas aqui me atenho às observações que o Mago Jefa faz no livro, falando sobre o mito de Hiran.

Os obreiros citados no livro e que estão presentes na história, são classificados como companheiros, possuíam dentro de si as vontades latentes e a ânsia em se tornar mestre, porém, somos sabedores que nenhum dos três estava pronto ou sequer era merecedor ou estava apto à passagem do grau.

Os três companheiros foram considerados e relacionados pela trindade dos vícios, sendo eles a ignorância, o fanatismo e a ambição. O autor menciona no livro: "Os três malditos assassinos são os três meses do inverno", nos levando à reflexão de que, quando consumidos pelos vícios, causamos a cegueira nas ações e pensamentos, falhando na nossa proposta maior de contemplação, vagando pelo vale escuro, onde o frio é intenso e pouco ou nada se vê de luz e calor.

Nesse ponto, os três companheiros, representados pela ignorância, fanatismo e ambição, querem ocupar o lugar da verdade, lucidez e generosidade. Sabemos que esses três vícios matam o homem, fazem-no sucumbir, se perder nos propósitos, não dando espaço aos valores de uma vida pura e limpa.

A ignorância, é representada por toda a falta de instrução, a deficiência de absorver práticas e de colocá-las a prática em todos os âmbitos, seja externo ou interno. Ela é uma das principais responsáveis pela carência de responsabilidade, causando cegueira parcial no indivíduo.

O fanatismo, é representado pela intolerância obsessiva e irracional, esse por vez cria uma paixão extrema por algo, tanto emocional quanto material, nunca está aberto a ouvir ou aceitar algo que não seja aquilo que entende por correto em sua visão de mundo, causando cegueira parcial no indivíduo.

A ambição, essa última abrangendo a ignorância e o fanatismo, pois a característica de um ambicioso é que ele é tanto ignorante quanto fanático, possui dentro de si um forte desejo de alcançar algo, passando por cima de tudo e todos para alcançar o que ele tem por objetivo, normalmente o ambicioso não mede o que terá de ser feito para que consiga alcançar o que procura e dificilmente quando alcançar para, pois a ambição se torna um vício, pois o desejo de ter tudo a qualquer custo causa a obsessão deteriorando tudo e todos em volta, causando cegueira total no indivíduo.

Vemos na história de Hiram os três vícios, ou os três companheiros, que aguardam o mestre nas principais portas do templo, para que o mestre lhes dê a palavra secreta do grau, porém a resposta do mestre foi "trabalha, e obterás."

O templo referenciado no texto tem a conexão com nosso templo interior, o corpo do homem, quando agimos pelos impulsos e vontades, colocando em evidência os três vícios ou os três companheiros, deixo que eles façam o trabalho sujo e saiam impunes, denegrindo nosso corpo, imagem e todos aqueles que nos rodeiam.

O livro mostra que não morremos quando, por motivos, nós deixamos agir com algum desses vícios, desde que deixemos que os três mestres, esses que buscaram a verdade, nos mostrem e corrijam os caminhos e ações, sendo eles o mestre saber, o mestre fé e o mestre Amor.

O saber, envolve a capacidade de entendimento, ele é importante para o desenvolvimento pessoal e social do indivíduo, trazendo consciência e sensatez em suas decisões, cautela em suas colocações e sabedoria em seu agir.

A fé, envolve a fidelidade a um propósito, a esperança em algo que se crê e que se acredita, é a condição de acreditar na verdade, mesmo que não a conheça ou esteja em sua busca, sem a fé a verdade se torna uma alusão.

O amor, envolve os sentidos, envolve tudo que se movimenta, sendo portador desse sentimento nos pensamentos e atitudes tudo se torna mais verdadeiro, porém sem ele, nosso corpo sucumbi, caindo nas garras da ignorância, fanatismo e ambição.

Os três mestres eliminam do corpo esses vícios, desde que não sucumbamos a cair neles de novo, de novo e de novo.

"O corpo é o templo de Deus vivo.", cita o Mago Jefa, é nele que ocorre a manifestação dos vícios e virtudes, tudo agindo de acordo e sendo reflexo do nosso trabalho e nossas ações.

O templo conforme sua descrição histórica, é um local sagrado, de santidade, habitado por Deus. Quando referimos ao templo interno, a descrição não se muda, pois torna nosso corpo um local sagrado e habitado por Deus.

Possuímos dentro de nós esses vícios, aqueles que controlamos e a todo instante cavamos masmorras, mas sabemos que se formos falhos iremos sucumbir e deixar que eles nos consumam. Se isso ocorrer e estivermos com a ciência de que falhamos, os três mestres irão encher nosso corpo com saber, fé e amor.

Mas se formos ignorantes, fanáticos e ambiciosos a ponto de não conseguir controlar os vícios, é o momento de retirar o avental e repensar o propósito e sentido da vida, pois dentro de nosso templo interior somos aquilo que optamos por evidenciar, ou vícios ou virtudes, sempre irá vencer aquele que mais fortalecida estiver, ou seja, aquela que mais alimentarmos com nossas atitudes ou pensamentos.

Por fim, o texto causa complexo entendimento, trazendo a referência do templo como um corpo, dos três companheiros como os vícios e dos três mestres como as virtudes.

Trabalhemos incansavelmente nosso saber, que é a fonte do conhecimento e que combate a ignorância, trabalhemos nossa fé, que traz a segurança naquilo que cremos combatendo o fanatismo e que possamos transbordar de amor em nossas vidas, para que nunca nos deixemos levar nem sucumbir pela ambição.

Todas essas coisas sem nenhuma exceção são fundamentais para que o mestre cumpra seu papel dentro e fora do templo, ou seja, no templo maçônico e no seu templo interior, buscando a todo momento identificar e corrigir a ignorância, ou fanatismo e a ambição.

Mateus Hautt Nörenberg-MM

 

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

O TRIPONTO E A ARTE DE COMPLICAR O ÓBVIO

Desmistificando uma Convenção Tipográfica Francesa

O triponto maçônico não passa de uma convenção tipográfica francesa. Ponto. Mas não, senhores: preferimos inventar interpretações esotéricas dignas de um esoterismo de almanaque. Aí vem o irmão, de avental e luvas brancas, jurar de pés juntos que o triponto representa os três graus simbólicos, ou o Esquadro e Compasso com o Livro da Lei, ou — pasmem — as pirâmides de Quéops, Quefren e Miquerinos. Alguns, em surto místico-quântico, chegam a falar em prótons, elétrons e nêutrons. Pelo amor de Deus!

Isso é o que chamo de senso comum maçônico: uma espécie de vulgata interpretativa que naturaliza práticas regionais como se fossem universais, essenciais, ontológicas. É a nescionaria em operação — esse ritual do não-saber que se traveste de conhecimento profundo. É importação acrítica. É viralatice hermenêutica.

A verdade — essa coisa simples, essa obviedade solar — exige que voltemos às origens. Antes de 1700, não existia triponto maçônico — existiam apenas reticências ou pontos abreviativos usados em manuscritos latinos. Desde os escribas romanos, os grupos de pontos e sinais de abreviação eram ferramentas gráficas, não místicas.

Adriano Cappelli documenta o seu uso sistemático no século XIII (Lexicon Abbreviaturarum, Milano, Hoepli, 1899), e o próprio Justiniano já as restringia no Corpus Juris Civilis (Digesto, XLVIII, 10, 32), no século VI. Philippe le Bel chega a proibi-las formalmente em 18 de dezembro de 1304 (Ordonnance) — o que mostra que o problema era paleográfico, não metafísico.

O triponto maçônico propriamente dito nasce na França iluminista. A mais antiga menção conhecida está nos registros da loja La Sincérité, Oriente de Besançon, de 1764, onde aparecem fórmulas abreviadas como GODF (conforme Chapuis documenta em Histoire du Rite Écossais Ancien et Accepté, Paris, Guy Trédaniel, 1989, p. 21). O Grande Oriente da França, segundo Jean-Marie Ragon, Orthodoxie Maçonnique (Paris, Bailleul, 1853, p. 214), em 12 de agosto de 1774, oficializa a prática em circular administrativa.

Ou seja: o triponto é inovação iluminista, não legado atlante. Esta padronização coincide com a reorganização burocrática do GODF sob o Grão-Mestre duque de Chartres, o que explica a ênfase no aspecto documental e caligráfico, não ritual.

O costume de abreviar palavras, cumpre lembrar, surgiu com os gregos e foi extensamente explorado pelos romanos, que criaram inclusive a regra de duplicar a letra inicial nas abreviações de termos no plural — regra ainda existente na abreviação maçônica.

Se sempre adotadas em atas e sinalizadas por traços, barras ou reticências, é natural que nas atas maçónicas francesas as abreviações ganhassem um sinal correspondente com a instituição: uma variação das reticências lembrando o símbolo geométrico mais importante, o Triângulo.

Não demorou para que, pelo costume da escrita e exclusividade do uso, o triponto ultrapassasse a sua utilidade caligráfica e alcançasse a assinatura dos Irmãos.

Simples assim. Sem mistério. Sem Egito. Sem alquimia. Sem física quântica. É convenção paleográfica, não cosmologia iniciática.

Mas o (Maçom) brasileiro — ah, o brasileiro! — na sua condição periférica, recebe o Rito Escocês Antigo e Aceito de matriz francesa e naturaliza tudo: o triponto vira “essência” da Maçonaria. Converte regionalismo em universalismo. E aqui está o problema central: o triponto não é universal. Nunca foi. Nunca será.

A tripontuação é inexistente nos manuscritos da Grossloge von Hamburg (1801) e da Observância Draskovic (1775). O Schrödersche Lehrart (Hamburgo, 1801) de Friedrich Ludwig Schröder (Hamburg, 1801) não apresentam triponto. Nenhum manuscrito da Grande Loja de Hamburgo o utiliza.

O Systema Constitutionis Latomiæ Libertatis da Observância Draskovic (Zagreb, 1775) é redigido em latim clássico, sem qualquer uso de pontos triangulares — as abreviações seguem o modelo jurídico latino (MM. para Magister etc.). A Observância utilizava código especial para correspondências baseado em letras-chave por grau (T, N, E), mas jamais usou o triponto.

Os seus documentos seguiam convenções paleográficas centro-europeias. A simplicidade tinha motivação prática: sigilo absoluto em contexto de repressão imperial. As lojas reuniam-se em locais variáveis, inclusive “em campos e florestas”, onde “com algumas mesas, cadeiras, três velas, papel, canetas e tinta” formavam uma Loja perfeita.

Não havia triponto porque não havia necessidade de triponto. A tradição linguística e tipográfica era outra.

As lojas anglo-saxônicas usam abreviações lineares, sem triângulo.

 Os Proceedings da United Grand Lodge of England (fundada em 1813) não possuem triponto — as abreviações são lineares e separadas por pontos simples (G.L., R.W., W.M.). Os Transactions da Grand Lodge of Pennsylvania (desde 1731) tampouco adoptam o formato francês. A França a inventou; o resto do mundo, com razão, a dispensou.

Mas isso não importa para o fundamentalismo “tripontista” brasileiro, que trata esse acidente histórico como se fosse dogma revelado no Monte Sinai.

E o delírio místico sobre o triponto nasce cem anos depois do seu uso. Ragon (1853) nunca lhe atribuiu valor simbólico universal — apenas registrou a prática como convenção administrativa. Foi Oswald Wirth, em Le Livre du Compagnon (1894, p. 51), quem começou a associar o triângulo equilátero à divindade, influenciado pelo simbolismo hermético de Éliphas Lévi — é aqui que nasce o mito simbólico do triponto. O simbolismo do triponto é invenção tardia. Desde então, cada repetidor multiplicou o eco sem retornar à fonte.

Gadamer, em Wahrheit und Methode, ensinou-nos que toda compreensão é situada, que carregamos preconceitos (no sentido hermenêutico, Vorurteit) que condicionam a nossa leitura do mundo. O problema é quando o preconceito vira pré-compreensão inautêntica: quando naturalizamos o contingente e perdemos a capacidade crítica.

É exatamente isso que ocorre com o triponto na Maçonaria brasileira. Transformamos convenção francesa em universalidade maçônica. Esquecemos que a palavra clara é o verdadeiro instrumento da iniciação, e que a forma tipográfica é mero acidente histórico-cultural.

O triponto vira fetiche. Deixa de ser o que é — convenção tipográfica francesa de 1774 — e passa a ser tratado como coisa em si, como substância metafísica, como essência maçónica universal. O que começou como sinal tipográfico em 1764 virou fetiche iniciático em 1894. O erro não está no uso — está na crença.

Então, meus irmãos, sejamos honestos: a verdade é muito melhor do que imaginar que estamos desenhando Quéops, elétrons ou enxofre quando assinamos. O triponto não é mistério sagrado. É convenção francesa. Respeitável? Sim. Legítima? Claro. Universal? Absolutamente não.

Confundir regionalismo gráfico com essência filosófica revela desconhecimento da real diversidade das tradições do Ofício. É colonialismo simbólico travestido de universalismo. É a crença de que só é Maçonaria “de verdade” aquela que replica o padrão francês, ignorando que vastas regiões da Maçonaria mundial — Alemanha, Hungria, Croácia, Inglaterra, Estados Unidos — nunca conheceram nem precisaram do triponto.

Portanto, quando assinar com o seu triponto, faça-o conscientemente: você está usando uma convenção tipográfica francesa do século XVIII, não um símbolo cósmico universal. E isso não diminui em nada o valor da sua assinatura nem da sua condição de Maçom. Apenas a torna historicamente situada — que é como as coisas são na realidade, fora do esoterismo de botequim que confunde convenção paleográfica com revelação iniciática.

Em resumo: há mais história do que mistério no triponto. O triponto não é símbolo universal — é a assinatura do provincianismo disfarçado de tradição.

Rui Badaró, Meister vom Stuhl da ARLS Gotthold Ephraim Lessing nº 930, Or. de Sorocaba / SP, GLESP

Referências

  • CAPPELLI, Adriano. Lexicon Abbreviaturarum. Milano: Hoepli, 1899.
  • RAGON, Jean-Marie. Orthodoxie Maçonnique. Paris: Bailleul, 1853.
  • CHAPUIS, Paul. Histoire du Rite Écossais Ancien et Accepté. Paris: Guy Trédaniel, 1989.
  • LAXA, Eugene; READ, Will. “The Draskovic Observance.” Ars Quatuor Coronatorum, Vol. 90, 1977.
  • SZENTKIRÁLYI, Miklós; VÁRI, László. Szabadkőművesség Magyarországon. Budapest: Akadémiai Kiadó, 2018.
  • WIRTH, Oswald. Le Livre du Compagnon. Paris, 1894.

 

 

domingo, 16 de novembro de 2025

EGRÉGORA: SIGNIFICADO, TRADIÇÕES E IMPORTÂNCIA NA MAÇONARIA


 

A utilização do termo Egrégora tem suscitado, ao longo da história, diferentes compreensões entre pesquisadores, espiritualistas e iniciados. É um conceito que, dependendo do ângulo de observação, pode ser entendido de maneira mais simbólica, mais esotérica ou até mesmo filosófica. Mas afinal, o que significa exatamente Egrégora?

Algumas definições mais simples a descrevem como “a aura de um local onde há reuniões de grupo, e a aura de um grupo de trabalho”. Essa concepção, bastante difundida entre espiritualistas, apresenta a Egrégora como um campo energético que se forma sempre que pessoas se reúnem com um propósito comum, seja ele religioso, esotérico, cultural ou mesmo social.

Por outro lado, existem definições mais ousadas e complexas. Há quem considere a Egrégora uma espécie de entidade autônoma, formada pela persistência e intensidade das correntes mentais geradas por indivíduos reunidos. Segundo essa visão, nos centros verdadeiramente espiritualistas, tais criações psicomentais assumem formas sutis e elevadas, comparáveis aos devas ou inteligências espirituais.

Porém, nos centros desvirtuados, essas mesmas criações podem se degenerar em verdadeiros “monstros astrais”, forças hostis que passam a perseguir tanto seus criadores quanto os frequentadores daquele espaço. Essa é uma advertência sobre o poder criador da mente coletiva e sobre a necessidade de pureza de intenções.

Há ainda uma definição mais clássica, de natureza etimológica e conceitual. A palavra Egrégora vem do grego egrégoroi, que significa “vigilantes”. Essa definição a compreende como a força gerada pelo somatório das energias físicas, emocionais e mentais de duas ou mais pessoas quando se reúnem com qualquer finalidade.

Nesse entendimento, a Egrégora é uma condensação de energias múltiplas, que se acumulam e se harmonizam no éter, criando uma realidade vibratória capaz de influenciar tanto o grupo quanto os indivíduos que dele participam. Quanto mais poderoso, equilibrado e consciente for um indivíduo, mais força empresta à Egrégora, que assimila e integra suas vibrações.

Na média, portanto, podemos considerar a Egrégora como a somatória de energias mentais, emocionais e espirituais, criadas e nutridas por grupos humanos. Essa energia se concentra em virtude da força vibratória ressonante, e quanto mais harmônica for essa vibração, mais sólida e eficaz se torna a Egrégora.

POLARIDADES DA EGRÉGORA

Se a Egrégora é fruto da soma de energias, não há limites para o nível de frequência em que pode atuar. Assim, podem existir Egrégoras de altíssima vibração espiritual, luminosas e construtivas, como também Egrégoras densas, destrutivas e negativas.

Essa existência de diferentes frequências reforça a antiga lei da dualidade: claro e escuro, positivo e negativo, bem e mal. Porém, a análise mais profunda revela que essa dualidade não é absoluta, mas relativa e complementar. A própria existência da Árvore da Vida, enquanto símbolo do caminho da queda e da reintegração, sugere que há uma árvore oculta, imersa na escuridão da terra, que lhe serve de raiz. Ou seja, luz e sombra, virtudes e vícios, vida e morte, coexistem em permanente tensão, contribuindo para o equilíbrio cósmico.

A partir dessa visão, torna-se evidente que podem existir Egrégoras positivas e construtivas, capazes de elevar seus participantes, e Egrégoras negativas e destrutivas, que escravizam e drenam energias. O equilíbrio, e não o extremismo, é o verdadeiro objetivo do iniciado.

FONTE GERADORA DA EGRÉGORA

Surge, então, a pergunta fundamental: qual é a fonte que anima e mantém viva uma Egrégora? Como ocorre, no plano físico e sutil, esse processo de geração e ressonância energética?

A resposta parece residir na constância. Uma Egrégora não se forma por ações dispersas ou ocasionais, mas pelo trabalho contínuo, disciplinado e harmonioso. Da mesma forma que um dínamo gera energia elétrica pela rotação constante de seu eixo, um grupo espiritual gera energia sutil pela repetição regular de rituais, práticas e intenções comuns.

Daí a importância dos rituais, cerimônias e trabalhos templários em tradições como a martinista, a rosacruciana ou a maçônica. A permanência do gesto ritual, sempre no mesmo sentido e em harmonia, cria um campo vibratório estável e acumulativo, sustentando uma Egrégora poderosa.

O trabalho regular, constante e harmonioso, somado aos interesses superiores de seus praticantes, é a fonte de uma Egrégora elevada, capaz de gerar paz, evolução espiritual e conhecimento. Esse princípio também explica por que tradições iniciáticas, como a martinista, condenam a mercantilização do sagrado. A venda de graus, cargos ou conhecimentos não apenas fere o espírito da tradição, como rompe a harmonia vibratória, contaminando a Egrégora com intenções profanas.

A EGRÉGORA NA MAÇONARIA

Ao trazer esse conceito para a Maçonaria, sua importância se torna ainda mais clara. A Ordem, que é essencialmente iniciática, ritualística e simbólica, vive e respira através da sua Egrégora.

Cada Loja Maçônica, ao se reunir em sessão regular, com seus ritos, símbolos e palavras de ordem, alimenta e fortalece uma Egrégora própria. Essa energia coletiva não é apenas resultado da presença física dos Irmãos, mas da intenção comum de buscar a Verdade, trabalhar pela evolução espiritual e pelo bem da humanidade.

A Egrégora Maçônica se torna, assim, um campo de proteção e inspiração. É ela que garante a continuidade da tradição, que dá coesão ao trabalho ritual e que conecta a Loja ao corpo mais amplo da Maçonaria Universal. Não é exagero afirmar que, sem sua Egrégora, a Maçonaria seria apenas uma sociedade de reuniões formais. É a força sutil e invisível que transforma cada sessão em uma verdadeira oficina espiritual.

Vale ressaltar que, na Maçonaria, essa Egrégora se alimenta não apenas da constância ritual, mas também da conduta moral e ética dos Irmãos. A presença de paixões desordenadas, vaidades, disputas materiais ou interesses profanos pode fragilizar e até mesmo corromper a Egrégora de uma Loja. Por isso, o cuidado com a pureza das intenções e com a fraternidade é essencial.

Da mesma forma, quando Maçons de diferentes Lojas e potências se reúnem em um congresso, em uma iniciação conjunta ou em uma consagração, a Egrégora se expande, integrando-se a uma corrente mais ampla, que conecta todos os maçons do mundo. Esse é um dos mistérios da Ordem: cada Loja tem sua Egrégora particular, mas todas se ligam a uma Egrégora Maçônica Universal, sustentada por séculos de rituais, símbolos e trabalhos constantes.

Essa concepção é confirmada pela própria prática ritual, quando se afirmar que as Lojas trabalham “sob os auspícios do Grande Arquiteto do Universo”. Ao invocar o G.’. A.’. D.’. U.’., a Loja não apenas orienta seus trabalhos a uma dimensão superior, mas também conecta sua energia coletiva à grande corrente universal que dá vida à Maçonaria.

CONCLUSÃO

A Egrégora, seja compreendida como aura, entidade ou força vibratória coletiva, é uma realidade presente em todos os agrupamentos humanos. Nas tradições iniciáticas, sua importância é ainda maior, pois ela constitui a base sutil que sustenta e orienta os trabalhos.

No Martinismo, no Rosacrucianismo e especialmente na Maçonaria, a Egrégora é fonte de proteção, inspiração e elevação espiritual. É ela que garante a continuidade dos mistérios, a coesão do grupo e a ligação com as realidades superiores.

Cabe aos iniciados, portanto, a responsabilidade de cuidar dessa energia, mantendo a constância ritual, a pureza das intenções e a fraternidade verdadeira. Somente assim a Egrégora permanecerá luminosa, capaz de conduzir seus filhos pelo caminho da Luz, do Equilíbrio e da Sabedoria.

E assim, em espírito e verdade, podemos proclamar: sempre e sempre, para a Glória do Grande Arquiteto do Universo!

A/D

 

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

OS CANHÕES DA MAÇONARIA

 

CANHÃO? … Não é nada do que o leitor profano pensa…

É este o nome dado pelos maçons aos “copos especiais” usados nos seus banquetes festivos, e nas “Ceias Místicas Capitulares”, e para que se tenha, desde logo, uma ideia do que se trata, vão aqui reproduzidos.

Revelaram as pesquisas do Irmão Douglas Ash, feitas no seu livro “English Drinking Glasses and Decanters – 1680-1830” publicado em Londres, que, os “Canhões Maçônicos” [1] começaram a surgir depois de 1730, recebendo o apelido de “FIRING GLASSES” (Copos para dar tiros). Desde logo se destacaram dos copos comuns de vinho, pelo seu formato sui-generis, mais do que pelo seu posterior acabamento primoroso, que com o correr dos tempos foi produzindo verdadeiras obras de arte de lapidação.

A princípio raramente eram maiores do que 4 polegadas de altura (100mm), tendo um pé maciço, sendo o corpo afunilado e com as paredes grossas, e tendo o pé mais tarde o formato de uma cebola. Para o uso era preciso um copo reforçado, cujo pé resistisse às repetidas, e muitas vezes bem “animadas” batidas, dadas nas diversas “saúdes”. O conteúdo era mais ou menos o de um copo de vinho comum.

O nome “canhão”, em alemão “kanone”, foi derivado das “batidas surdas” parecendo tiros. O vinho branco ou tinto, ou ainda os licores tomados nestes copos receberam o nome de “PÓLVORA FORTE”, e o “ato de beber” passou a ser chamado de “… FAZER FOGO…”

Para evitar excessos de “animação”, em muitos quadros se tornou usual que, quem partisse o seu copo ao dar as batidas de saúde, seria obrigado a pagar todas as despesas da ceia. Cada Irmão tinha o seu copo pessoal. As atas de uma Loja de YORKSHIRE (Inglaterra) até consignam a punição: “O Irmão que quebrar o seu canhão é obrigado a pagar 1 SHILLING de multa”.

Como muitos maçons achavam de pouco conteúdo os canhões antigos, a partir de meados do século passado, em muitos casos o seu tamanho foi aumentando, e, quando a loja não permitia o uso de “canhões” maiores, então muitas vezes o vinho era tomado em copos normais, e usando-se os canhões apenas para dar as “salvas” …

Estes “canhões” são relacionados quase que exclusivamente com a Maçonaria, e por isso mesmo no comércio, eram negociados com maçons. Entretanto, outras

Associações e Clubes de Canto também os usavam com frequência, bastando só citar os “ANACREONITES” de Londres, cujos encontros eram na Taberna Coroa e Âncora e estes tinham até um “Hino próprio do seu clube” (TO ANACREON IN HEAVEN), cuja melodia, com novas e mais adequadas palavras, já no Século XIX resultou no canto americano “THE SPRANGLED BANER” (A bandeira salpicada de Estrelas).

De 1820 para cá, e ainda nos nossos dias, estes canhões passaram a ser feitos dos mais finos cristais, e até do mais legítimo “baccarat”, e lapidados com toda a sorte de símbolos maçônicos, em lapidação plana, facetada e opaca.

Ainda hoje, em muitas lojas da Europa estes canhões continuam sendo usados em lojas tradicionais, e modernamente no EUA, no Estado de Massachusetts, as “Lojas de Mesa” tem tido muita popularidade, e elas, com os seus rituais de banquete, com SETE SAÚDES, aumentaram o interesse pela história destes copos tradicionais.

Aqui no Brasil, estes “canhões” eram importados lisos da Europa, e aqui lapidados pelos irmãos SPANGENBERG, alemães, exímios lapidadores de cristais, residentes em Petrópolis (RJ).

Kurt Prober

Fonte

  • Boletim informativo da Loja Duque de Caxias nº 70, “O Aprendiz”, São Vicente, SP – fevereiro/1980.

Notas

[1] em Inglaterra são conhecidos como “Firing Glasses”

 

 

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

INSTRUÇÃO DA INSTRUÇÃO

  • Instrução – ação de instruir, ensino; lição; explicação ou esclarecimentos dados para uso especial; apontamento, regimento, ordem, explicação que se dá a alguém encarregado de alguma função.
  • Instruir – ensinar, dar instrução a doutrinar; informar, esclarecer; adquirir conhecimentos novos, desenvolver os conhecimentos adquiridos; tornar-se sabedor.

Quando falamos em instrução na Ordem Maçônica, o que compreendemos como instrução? Considero como uma diretriz importante e fundamental para que tenhamos um rumo temporário para os nossos estudos. Temporário, pois, a compreensão pessoal do que estudamos ao longo dos graus, a nossa experiência pelo tempo de Loja e o que entendemos com isto, acabamos por elaborar o nosso próprio entendimento sobre os conhecimentos recebidos.

A nossa instrução pode ser histórica, repleta de dados armazenados ao longo do tempo e que estão à disposição através da literatura histórica concernente ao que desejamos, abrangendo a própria Loja, outras Lojas, Orientes e ou literatura maçónica internacional.

O desenrolar maçônico ao longo do tempo firma as suas origens pelos dados compilados através dos anais das diversas Lojas espalhadas pelo mundo, que por sua vez armazenou informações de um passado em que as descobertas eram resguardadas como segredos que foram repassados com interessantes anotações no contexto temporal dentro dos diversos períodos históricos. É fonte de conhecimento inesgotável e interessante. Proporciona o conhecimento da luta da Maçonaria por um mundo melhor e mais esclarecido.

A instrução ritualística que trata sempre dos procedimentos dinâmicos em que trabalhamos, visa aprofundar a compreensão destes procedimentos que produzem determinadas ações e alterando determinados comportamentos.

Os ritos pouco se alteraram ao longo do tempo. São sempre adequados às suas próprias épocas e sofrem pequenas alterações ocasionadas pela dinâmica do tempo e das consciências (às vezes por conveniência). Só que observamos que estas alterações podem produzir um desvio do sentido original quando da sua criação, pois, na época da sua elaboração, procuraram representar e firmar um conceito importante para o homem da sua época preservando-o para o futuro. Não podem ser desprezados ou alterados sem que as razões que provocaram essa criação possam ser compreendidas na sua integridade. Faz-se necessário a prudência ao rever os nossos rituais.

A instrução que visa o comportamento moral [1] procura ensinar, lembrar, ou reforçar toda aquela experiência milenar que a humanidade vem acumulando em forma de normas e preceitos eficazes para a realização da pessoa humana em busca da perfeição. Podemos dizer que são as regras da convivência social. Revela-se como uma ciência normativa, não especulativa.

Devemos lembrar que todos os membros da nossa Ordem são cidadãos consolidados numa sociedade em constante mutação e reorganização, portando educação e comportamento diferentes e por vezes conflituantes que necessita desbaste e melhor adequação, assim sendo, toda liberdade usada por qualquer Irmão como forma de ação ou no nível da consciência postula um risco pessoal implicando na responsabilidade moral do seu uso.

A instrução sobre a nossa simbologia [2] reveste-se de grande importância para o Maçom, pois, o símbolo tem a função de provocar certos estados de consciência intelectuais e emotivos proporcionando uma compreensão e significado mais profundo do objeto observado, sedimentando conceitos abstratos através de uma simples visualização.

O símbolo manifesta-se e revela-se no interior de cada um e a sua riqueza transparece pelo significado que ele representa para aquele que o procura compreender, pois, cada um enriquece o conceito de determinado símbolo com a sua experiência de vida, revelando assim múltiplos significados de um mesmo conteúdo ampliando o seu horizonte de conhecimento. O símbolo transcende o conhecimento objetivo e histórico formal, proporcionando uma visão psíquica que pode ultrapassar o espaço-tempo.

Avançando sobre o mais profundo objetivo da nossa ordem, deparamos com a instrução espiritual [3]. Podemos falar em instrução espiritual? Sim, precisamos preparar-nos e enfrentar este desafio que tem dificultado o processo maçónico que trabalha com o ser humano e a humanidade como um todo.

Temos na Constituição do GOB, Art.1º, parágrafo I – “proclama a prevalência do espírito sobre a matéria” e no Art. 2º como 1º postulado da nossa Instituição “a existência de um princípio criador: o Grande Arquiteto do Universo”, e mais, no RGF, Capítulo I falando da Admissão, no seu Art.1º item IX: “aceitar a existência de um Princípio Criador” e no seu Art. 2º: “a falta de qualquer dos requisitos do artigo anterior, ou a sua insuficiência, impede a admissão”. O próprio texto dos nossos regulamentos enfatiza o caráter espiritual do homem, e como poderemos espiritualizar o homem sem lhe dar a consciência da sua natureza espiritual?

Assim exposto, será necessário abordar o horizonte espiritual do ser humano que não deve e não pode ser confundido com as práticas abordadas pelos sistemas religiosos que se apresentam como dogmas indiscutíveis.

Ou essas obrigações são meras formalidades, com as quais não nos devemos preocupar?

Mesmo com os dogmas ou as regras de comportamento como as constituições que defendem o Homem no seu caminho evolutivo dentro ou fora da nossa Ordem, à orientação que deve prevalecer é a reflexão pelo conhecimento, pois, as circunstâncias estão em constante mutação acompanhando a dinâmica de cada período. E mais, a ciência e a tecnologia com os seus avanços na pesquisa fundamentada têm demonstrado e firmado que muito do que era tido como fantasia, crendice ou superstição tem uma base científica e como toda organização humana é feita de convenções, e quando estas são contrariadas, surge o inevitável conflito que pode ser contornado e ser recuperada a harmonia quando as consciências são elevadas.

Os homens – a Humanidade – têm melhorado as suas relações sociais e progredido na relação ao respeito, a responsabilidade, a consideração, a aceitação do próximo, o amor filial (ou melhor, responsabilidade filial), a amizade e a fraternidade, e, como Maçons e membros da família humana corremos atrás desses conceitos pelo estudo, compreensão e dedicação procurando entendê-los e conscientizá-los como património pessoal útil para uma vida em sociedade.

Como Aprendiz, Companheiro e Mestre Maçons, pedreiros construtores do edifício social, é preciso refletir, tornar clara as ideias, comparando-as, e como consequência formando os nossos próprios juízos de valor.

Perguntamos: entendendo a maçonaria também como uma escola de comportamento, estamos inseridos num processo evolutivo ou ainda nos preocupamos por alcançar a condição de um “status” maçônico (que nos forneça projeção pessoal) que nos confere a Ordem? Claro é que não é este o objetivo, mas esta condição maçônica proporciona esse destaque e “seduz” uma grande maioria de Irmãos que procuram projeção pessoal e reconhecimento, sendo assim inevitável, pois, temos vaidades e paixões ainda não controladas.

Mas, o que vindes aqui fazer?

Ensinam os nossos rituais que é necessário vencer as nossas paixões e submeter a nossa vontade. Como edificar templos à virtude e enterrar os vícios se somos levados pela turbulência das paixões e lutamos ainda por fazer prevalecer as nossas vontades?

Na nossa aprendizagem maçônica, de aprendiz à mestre Maçom, é extremamente relevante que isso pese no nosso comportamento. Quando alcançamos o domínio das nossas paixões e da nossa vontade, já não fazemos parte das batalhas profanas, não é mais necessário o conflito. Isto não significa omissão, desleixo ou fraqueza de caráter, simplesmente não é mais necessário, pois, compreendemos o Todo e com essa certeza e verdade sedimentada podemos sutilmente alterar e redirecionar atitudes profanas incorretas e insuficientes.

Para que todas estas considerações sejam alcançadas, as nossas instruções precisam ser objetivas e direcionadas a todos nós que aqui estamos em busca de mais luzes. Todo trabalho ou instrução nunca é desperdiçado pelo fato de que acendemos luzes no nosso interior promovendo novas ideias, preenchendo lacunas e gerando a vontade de progredir sempre.

Será sempre possível e é necessário organizarmos as nossas instruções para auxílio de todos que participam dessa Arte. É responsabilidade dos Mestres facilitarem e auxiliarem os Aprendizes e Companheiros na compreensão dos trabalhos maçônicos e a sua dinâmica. Se não nos transformamos, como queremos que os que aqui chegam aprofundem a sua maneira de pensar e agir? Que exemplo esperamos dar?

Enaltecemos sempre a Ordem Maçônica e os trabalhos maçónicos, os seus princípios e os seus objetivos. O nosso ritual esclarece com perfeição e transparência que “a Maçonaria no grau de Mestre é o laboratório espiritual, onde os iniciados de todas as partes do mundo se reconhecerão e trabalharão em comum, visando solucionar a crise moral da Humanidade, assegurando ainda os direitos e deveres do Espírito”.

José Eduardo Stamato, M I – ARLS Horus nº 3811 – Santo André – SP (Oriente de São Paulo) – Brasil

Notas:

[1] Moral (da raiz latina “mores” como costumes, conduta, comportamento, modo de agir) – é o conjunto sistemático das normas que orientam o homem para a realização do seu fim pelo exercício da sua responsabilidade.

[2] Simbologia – estudo dos símbolos, o entendimento de uma imagem empregada para significar um conceito facilitando a sua compreensão.

[3] Espiritual – que tem a natureza do espírito. Espírito – identifica-se com o que chamamos alma; também a sede das atividades superiores do ser inteligente (os conhecimentos, a erudição, o poder lógico, a capacidade intuitiva, o senso artístico, a reflexão transcendente).

 

 

terça-feira, 4 de novembro de 2025

A REGULARIDADE MAÇÔNICA EM DEBATE: ENTRE A PRESERVAÇÃO DA TRADIÇÃO E O SEU USO COMO INSTRUMENTO DE PODER

Uma análise crítica sobre a origem, os desvirtuamentos e a necessidade de ressignificação da Maçonaria contemporânea.

Este artigo é um alerta. Uma análise crítica e sem concessões sobre como a Maçonaria, sob o pretexto de preservar a tradição, tem permitido que a noção de regularidade seja distorcida em instrumento de exclusão e domínio institucional. Ao invés de servir à Luz, muitos usam a regularidade para destruir Templos e dividir Irmãos.

É tempo de ressignificar a Ordem e devolver à regularidade seu verdadeiro sentido: ser ponte iniciática, e não muro de poder.

RESUMO

Este artigo propõe uma reflexão crítica sobre o conceito de regularidade maçônica, analisando sua origem histórica, sua evolução ao longo do tempo e sua aplicação no contexto atual. Argumenta-se que, embora a regularidade tenha emergido como um mecanismo de preservação de princípios fundacionais da Maçonaria, seu uso contemporâneo, por determinadas potências configura, muitas vezes, uma forma de dominação simbólica, política e territorial.

O texto defende a necessidade de se revisitar criticamente esse conceito, resgatando seu

verdadeiro significado à luz da Tradição Iniciática e dos princípios universais da Ordem. Falamos de uma ressignificação da maçonaria.

1. INTRODUÇÃO

Na condição de ex-Grão-Mestre, apesar de minhas limitações próprias do ser humano, mas firme em minha vivência na administração e no estudo constante dos valores e da história da Ordem, sinto-me no dever de refletir publicamente sobre um dos conceitos mais deturpados e, infelizmente, instrumentalizados do universo maçônico moderno: a chamada regularidade.

Muitos a associam essa tão falada “regularidade” apenas a reconhecimento político entre potências, mas a verdade é que regularidade é muito mais profunda: ela traduz a fidelidade da instituição à essência iniciática e aos princípios universais da Maçonaria Tradicional.

O termo, que deveria remeter à fidelidade a princípios históricos e morais universais da Maçonaria, vem sendo, há décadas, convertido em ferramenta de controle, exclusão e, em muitos casos, de dominação institucional.

Trata-se de um conceito moderno, artificialmente erigido por determinadas potências com o objetivo de estabelecer hegemonias regionais e internacionais sob o manto da "tradição".

A regularidade, hoje, tem sido usada como cabresto, como instrumento de imposição pelo medo. O medo de não ser reconhecido. O medo de não poder circular. O medo de ser considerado "irregular" por aqueles que se arrogaram o poder de definir, de forma unilateral, o que é ou não regular. Isso é sintoma de uma profunda inversão de valores.

Não se trata mais de preservar Landmarks, princípios ou ritos. Trata-se, muitas vezes, de evitar o crescimento de outras potências ou mesmo trabalhar para aniquilar outras; de manter uma reserva de mercado institucional; de assegurar territórios sob o argumento de uma suposta "legitimidade" conferida por acordos entre poucos. O conceito de territorialidade, tão combatido quando serve aos interesses de uns, é rigidamente defendido quando favorece outros.

A regularidade, como tem sido imposta por algumas potências, perdeu o caráter filosófico e se tornou um mecanismo político-administrativo. Isso não apenas empobrece a Maçonaria enquanto instituição iniciática universal, mas também desvirtua seus princípios mais caros: liberdade, igualdade e fraternidade.

É preciso, portanto, uma reinterpretação desse conceito à luz da verdadeira Tradição, que não se mede por diplomas, chancela de reconhecimento ou fronteiras geográficas, mas pela fidelidade aos princípios iniciáticos, pela prática da virtude e pela busca sincera da Luz.

A Maçonaria não pode e não deve ser refém de estruturas de poder que se escondem por trás da palavra “regularidade”. Essa é uma discussão que precisa ser enfrentada com coragem, lucidez e compromisso com o futuro da Ordem.

Estamos falando de uma ressignificação do entendimento de gestão afetos as potências maçônicas.

2. A ORIGEM HISTÓRICA DA REGULARIDADE MAÇÔNICA

Importante registrar que antes não existia e não se falava em “potência maçônica”, havendo simplesmente o labutar constante sob os princípios e valores da Sublime Ordem, operacionalizada e mascarada nas guildas e

corporações de ofício. O conhecimento era passado de geração a geração única e exclusivamente pela comunicação verbal. O reconhecimento exigido era da condição de Obreiro, e se pautava única e exclusivamente na FRATERNIDADE e se dava por toques, sinais e palavras. Nenhuma importância se dava para a qual agremiação o Obreiro pertencia, pois ele era reconhecido como Maçom onde quer que estivesse – era o tempo da maçonaria operativa.

Com o advento da criação da Grande Loja Premier em 24/06/1717, que deu origem a Grande Loja Unida da Inglaterra, esta foi a primeira Grande Loja do mundo. Daí a maçonaria consagrou-se como “especulativa”, passando a admitir não só pedreiros e construtores, mas também membros de diferentes profissões, abandonando a comunicação verbal de seus princípios e valores de forma falada e velada, que a acompanhou desde o seu princípio milenar, passando a adotar o modelo da comunicação escrita.

Desta feita, temos que o conceito de regularidade, tal como compreendido hoje, não é originário da Maçonaria Operativa ou mesmo dos primórdios da Maçonaria Especulativa. No ano de 1723, com a publicação das Constituições de Anderson, dá-se o primeiro esforço codificado de uniformização de princípios e práticas.

No entanto, é importante notar que, à época, não havia ainda um conceito rígido ou hegemônico de regularidade. A pluralidade de práticas rituais, interpretações simbólicas e organizações locais coexistia em relativa harmonia.

O conflito entre a chamada Grande Loja dos Modernos e a Grande Loja dos Antigos (formada em 1751), revela como, desde seus primórdios, a ideia de “regularidade” esteve vinculada mais à disputa por autoridade e legitimidade do que a um consenso sobre valores imutáveis. Ambas alegavam serem as legítimas guardiãs da Tradição Maçônica, culminando na unificação em 1813 com a criação da Grande Loja Unida da Inglaterra (GLUI), que assumiria, nos séculos seguintes, o papel de definidora global da regularidade.

3. A REGULARIDADE COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE

A partir do século XIX, com a expansão colonial britânica, a GLUI passou a exercer não apenas uma liderança simbólica, mas também um controle efetivo sobre o reconhecimento de potências maçônicas ao redor do mundo. A regularidade passou, então, a ser um instrumento geopolítico, utilizado para validar ou invalidar juridicamente a existência de outras potências maçônicas.

Essa concepção conduziu a Maçonaria a uma espécie de “Estado internacional”, onde apenas algumas instituições detinham o poder de reconhecer outras como válidas. Surge, assim, um sistema de dependência institucional, em que potências maçônicas locais, em vez de se organizarem de forma autônoma e soberana, tornavam-se reféns do reconhecimento estrangeiro.

No século XX, com o fortalecimento da Maçonaria nos países latino-americanos, africanos e asiáticos, o conceito de regularidade foi instrumentalizado por algumas potências como forma de preservar zonas de influência e conter o crescimento de novas obediências independentes.

Em diversos casos, essa prática foi amparada por acordos de territorialidade não escritos, mas tácitos, que funcionam como verdadeiras cláusulas de reserva de mercado institucional.

4. A REGULARIDADE COMO CABRESTO

Na prática atual, a regularidade tem sido utilizada por determinadas potências como instrumento de imposição pelo medo. O medo de ser considerado irregular, de não poder visitar outras Lojas, de perder vínculos internacionais ou até mesmo de ser socialmente marginalizado dentro do universo maçônico.

Essa lógica, profundamente contraditória com os ideais universais da Ordem, distante do princípio basilar da fraternidade, transforma a regularidade em um mecanismo de controle simbólico e administrativo, afastando-se de seu eventual propósito originário de preservação de princípios.

Em vez de promover a união entre os homens livres e de bons costumes, a regularidade tem servido, não raras vezes, como barreira artificial à fraternidade maçônica, especialmente quando aplicada com critérios políticos, territoriais ou personalistas.

5. A REGULARIDADE NÃO SE COMPRA NEM SE NEGOCIA

A regularidade não é um bem transmissível, tampouco um diploma que possa ser concedido por conveniência política ou por alianças circunstanciais entre dirigentes de potências. Trata-se de um estado legítimo de conformidade de uma Obediência com a Tradição Maçônica, cuja legitimidade não decorre de reconhecimentos formais, mas sim da adesão autêntica e contínua aos princípios universais da Ordem.

É equivocado pressupor que a regularidade possa ser conferida como um favor ou retirada como forma de retaliação. A regularidade não se vende, não se compra e não se negocia — ela se demonstra na prática ritual, na fidelidade à essência iniciática e na manutenção dos Landmarks, quando estes são adotados como referencial doutrinário.

Perde-se a regularidade não por decisões administrativas ou por divergências de ordem política, mas quando se corrompem os princípios fundamentais da Maçonaria, quando se desvirtua o espírito iniciático, quando se abdica do simbolismo como linguagem de transformação interior ou quando se afronta a ética moral que sustenta a vocação universal da Ordem.

Assim compreendida, a regularidade deixa de ser um instrumento de controle externo e se reafirma como um critério interno de autenticidade iniciática, cabendo a cada Potência, de forma soberana e responsável, preservar sua integridade doutrinária e ritualística, sem submeter-se a pressões hegemônicas que comprometem a sua liberdade.

6. OS OITO POSTULADOS UNIVERSAIS DA REGULARIDADE

No contexto da Maçonaria universal, regularidade refere-se à conformidade de uma Potência ou Loja com os princípios fundacionais, rituais tradicionais e normas universalmente aceitas pela comunidade maçônica regular.

Este alinhamento é fundamental não apenas para a legitimidade interna das instituições, mas também para sua inserção no sistema de reconhecimento mútuo entre Potências regulares e para o estabelecimento de relações Inter obedienciais harmônicas e duradouras.

Tradicionalmente, uma Potência é considerada regular quando observa, entre outros, os oito postulados universais, amplamente aceitos ao redor do mundo maçônico regular como critérios essenciais de legitimidade:

I - Crença em um Ser Supremo – A aceitação da existência do Grande Arquiteto do Universo como centro moral, espiritual e transcendental da Ordem é elemento indispensável à iniciação e ao trabalho maçônico regular.

II - Juramento sobre o Livro da Lei Sagrada – Um volume da Lei Sagrada, símbolo da Verdade revelada, deve estar aberto sobre o altar em todos os trabalhos rituais, sendo o fundamento moral e espiritual de todo juramento.

III - Proibição de discussões político-partidárias e religiosas – A Maçonaria regular mantém-se como escola filosófica e moral, evitando o sectarismo, a ideologização e a divisão, promovendo a fraternidade acima das diferenças profanas.

IV - Preservação da Tradição Iniciática Masculina nas Lojas Simbólicas – Em conformidade com a herança histórica da Maçonaria especulativa, o ingresso nas Lojas simbólicas regulares permanece restrito ao gênero masculino.

V - Fidelidade aos Landmarks e aos rituais tradicionais – São preservadas as práticas rituais estabelecidas e os princípios consagrados, evitando inovações arbitrárias que descaracterizem o conteúdo simbólico da Iniciação.

VI - Subordinação das Lojas a uma Potência legítima – As Lojas devem estar subordinadas a uma autoridade central, soberana e regular, com governo estável, estrutura institucional definida e continuidade histórica reconhecida.

VII - Respeito ao princípio da territorialidade – Dentro de território simbólico, cada Potência regular exerce sua soberania, em face das Lojas a ela subordinadas, respeitando o princípio da jurisdição e evitando a multiplicidade conflitante de obediências.

VIII - Reconhecimento mútuo e possibilidade de Inter visitação – A regularidade também se expressa por meio do reconhecimento recíproco entre Potências que comunguem dos mesmos princípios e mantenham relações fraternas, permitindo a Inter visitação entre seus membros.

Esses postulados não são meros critérios administrativos, mas representam a régua moral, doutrinária e ritualística pela qual se pode aferir, com clareza, a legitimidade iniciática de uma Potência Maçônica. Eles garantem a preservação da Tradição, a coesão da cadeia universal e a fidelidade ao verdadeiro espírito da Ordem.

7. COMO SE AFERIR A REGULARIDADE DE UMA POTÊNCIA MAÇÔNICA?

A regularidade de uma Potência Maçônica não se presume; ela se comprova com base em critérios objetivos que refletem a legitimidade histórica, jurisdicional, doutrinária e documental da instituição. Tais critérios são tradicionalmente reconhecidos no âmbito da Maçonaria universal e servem como parâmetros de avaliação por outras Potências regulares.

São quatro os principais elementos que, de forma complementar e interdependente, atestam a regularidade de uma Obediência:

I - Critério Histórico: Diz respeito à origem legítima da Potência, estabelecida por meio de uma consagração ou constituição regular, proveniente de uma Potência já reconhecidamente regular. A cadeia ininterrupta de transmissão da autoridade iniciática constitui um dos pilares fundamentais da regularidade.

II - Critério Jurisdicional: Relaciona-se à soberania efetiva exercida pela Potência sobre Lojas simbólicas dentro de um território específico, em conformidade com os princípios da territorialidade maçônica. A ausência de sobreposição irregular de jurisdição e o respeito mútuo entre Potências são aspectos essenciais desse critério.

III - Critério Doutrinário e Ritualístico: Refere-se à observância rigorosa dos Landmarks, das normas iniciáticas tradicionais e dos rituais consagrados pela Tradição Maçônica. A fidelidade aos princípios filosóficos, morais e simbólicos da Ordem é condição sine qua non para o reconhecimento da regularidade.

IV - Critério Documental e Testemunhal: A regularidade também se comprova mediante a apresentação de documentos oficiais, tais como cartas constitutivas, patentes de fundação, atas de instalação e, eventualmente, por tratados de reconhecimento mútuo firmados com outras Potências regulares.

Tais documentos constituem o respaldo formal e jurídico da legitimidade da Potência perante a comunidade maçônica.

Quando esses quatro critérios estão presentes de forma clara, coesa e comprovada, estabelece-se a prova inequívoca da regularidade maçônica de uma Potência. Trata-se, portanto, de um estado de legitimidade que se constrói com base em tradição, legalidade, conduta e reconhecimento, e não por simples autodeclaração ou conveniência circunstancial.

8. AUTORIDADES COMPETENTES PARA ATESTAR A REGULARIDADE MAÇÔNICA

A verificação da regularidade de uma Potência Maçônica não se limita à sua autodeclaração, mas depende da validação por instâncias legitimadas no contexto da Maçonaria regular. Essa aferição se dá por meio de diferentes autoridades, cada qual com competências específicas dentro da estrutura maçônica internacional.

Três grupos de agentes são tradicionalmente reconhecidos como autoridades legítimas na atuação direta ou indireta na aferição da regularidade:

A - Potências Maçônicas Regulares em Atividade: As Potências Maçônicas reconhecidas e em plena atividade regular exercem um papel central no sistema internacional de validação da regularidade. São elas as responsáveis por emitir cartas constitutivas, patentes de fundação e autorizações para funcionamento das Lojas, bem como por celebrar tratados de reconhecimento mútuo com outras Potências.

Além disso, muitas dessas Potências mantêm procedimentos internos de supervisão e auditoria, realizando inspeções, visitas oficiais e avaliações administrativas e ritualísticas para assegurar que suas Lojas estejam operando conforme os padrões estabelecidos pela Tradição e pelos postulados universais da Maçonaria regular.

A credibilidade dessas Potências decorre de sua legitimidade histórica, estabilidade institucional e adesão ininterrupta aos princípios universais da Ordem.

B - Organizações Inter maçônicas Internacionais: Diversas entidades de congregação Inter maçônica, como confederações, alianças ou associações internacionais, também atuam como espaços de reconhecimento e validação da regularidade. Tais organizações não detêm soberania sobre as Potências que congregam, mas estabelecem critérios objetivos para filiação e permanência, exigindo a conformidade com os princípios tradicionais da regularidade.

Exemplos comuns incluem conferências de Grandes Lojas, confederações continentais, federações regionais e organismos de cooperação internacional, que funcionam como fóruns de validação recíproca, promovendo a Inter visitação, o diálogo institucional e a coesão entre Potências regulares.

C - Historiadores e Especialistas em Maçonaria: Embora não detenham autoridade administrativa, pesquisadores, historiadores e estudiosos especializados em Maçonaria desempenham um papel relevante na análise crítica e histórica da regularidade. Suas investigações podem revelar aspectos importantes da origem, evolução, linhagem e inter-relações institucionais de uma Potência.

Através do estudo de documentos históricos, registros de fundação, tratados de reconhecimento e práticas rituais, esses especialistas são capazes de fornecer pareceres técnicos e fundamentados, que frequentemente subsidiam decisões de reconhecimento por parte de outras Potências.

Sua atuação, embora externa ao campo de decisão institucional, confere transparência e rigor acadêmico às discussões sobre legitimidade maçônica, contribuindo para o esclarecimento de controvérsias e para a preservação da memória e da coerência histórica da Ordem.

9. CONCLUSÃO

O conceito de regularidade maçônica precisa ser urgentemente resgatado em sua essência e despolitizado em sua aplicação. O uso abusivo e instrumentalizado desse termo por determinadas Potências tem servido, não raramente, a interesses de controle institucional e hegemonia territorial, muitas vezes disfarçados sob o véu de uma suposta preservação da Tradição.

Enquanto a regularidade for empregada como instrumento de exclusão, segmentação e reserva de mercado institucional, estará gravemente distorcida em relação ao verdadeiro espírito da Maçonaria — uma escola filosófica que preza pela universalidade, pela fraternidade e pela liberdade de consciência.

Cabe, portanto, às lideranças responsáveis — Grão-Mestres, Veneráveis Mestres, estudiosos e iniciados comprometidos com a causa maçônica — promover um debate sério, profundo e desapaixonado sobre o verdadeiro significado da regularidade, devolvendo-lhe seu caráter iniciático, ético e simbólico.

A regularidade maçônica, quando bem compreendida, é um elemento essencial para a legitimidade, estabilidade e funcionamento das Potências e Lojas. A sua identificação exige análise criteriosa e multidimensional, que envolva a observância de critérios históricos, jurisdicionais, doutrinários e documentais, com o respaldo de autoridades competentes como Potências reconhecidas, organizações Inter maçônicas e especialistas historiadores.

Somente essa abordagem crítica e fundamentada pode assegurar que a Maçonaria continue a operar em conformidade com seus princípios fundacionais, promovendo um ambiente de fraternidade, ética e respeito mútuo entre seus membros e instituições.

Em tempos de disputas administrativas, confusão doutrinária e pressões por reconhecimento externo, é fundamental que cada Irmão compreenda que a regularidade maçônica é, antes de tudo, uma questão de essência — não de poder. Ela reside na pureza do propósito, na legitimidade da origem e na integridade moral das Lojas e de seus dirigentes.

Uma Potência que permanece fiel à sua origem, mesmo sob pressões externas ou campanhas de deslegitimação, não se torna irregular. Ao contrário, reafirma sua soberania e seu compromisso com a Tradição.

Nesse sentido, torna-se cada vez mais necessária a ressignificação da Maçonaria, não como ruptura com sua história, mas como ato consciente de reencontro com sua missão original. Ressignificar é compreender que os mecanismos de poder, quando se sobrepõem aos princípios iniciáticos, corroem a base moral da Instituição. É também atualizar o papel da Ordem diante das transformações sociais, preservando sua relevância, seu prestígio e sua capacidade de formar homens livres, éticos e comprometidos com o bem comum.

“A Maçonaria não se mede pela quantidade de tratados que possui, mas pela Luz que mantém acesa em seus Templos.”

Cléscio Galvão – Past Grão Mestre do GOB-MG

Novembro/2025

Referências Históricas e Bibliográficas

1. Anderson, James. The Constitutions of the Free-Masons, 1723.

2. Knoop, Douglas; Jones, G.P. The Genesis of Freemasonry. Manchester

University Press, 1949.

3. Coil, Henry Wilson. Coil’s Masonic Encyclopedia. Macoy Publishing, 1996.

4. Berman, Ric. The Foundations of Modern Freemasonry: The Grand Architects.

Sussex Academic Press, 2007.

5. Ligou, Daniel. Dicionário da Maçonaria. Lisboa: Publicações

 

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