O título de Venerável Mestre, dado ao
presidente de uma Loja maçônica, tem a sua origem mais remota nos meados do
século XVII, quando já começara a lenta, mas progressiva, transformação da
Franco-maçonaria de ofício, ou operativa, em Franco-maçonaria dos aceitos, ou
especulativa.
Nessa época, porém, nem existia o grau de
Mestre Maçom, que só seria introduzido no século XVIII, a partir de 1724, e
efetivado em 1738, e o presidente da Loja era escolhido entre os mais antigos e
experientes Companheiros — que era um mestre-de-obras — ou era o proprietário
mesmo, o qual, como dono da obra, era vitalício na direção dos trabalhos dos
obreiros.
Derivado da palavra inglesa worship, que
significa culto, adoração, reverência — como forma de tratamento — quando usada
como substantivo, e venerar, adorar, idolatrar, quando usada como verbo
transitivo, têm-se o vocábulo worshipful, que significa adorador, reverente,
venerável, como forma de tratamento. Dessa maneira, o presidente da Loja passou
a ter o título de Worshipful Master, que significa Venerável Mestre e que seria
adotado por todos os círculos maçônicos, embora o termo Venerável, de início,
fosse aplicado apenas às organizações de artesãos.
Adotando-se a cerimônia de Instalação,
como faz a Maçonaria inglesa, é só depois de passar por ela que o Venerável
Mestre eleito pode se considerar empossado — instalação é sinônimo de posse — e
empossar os membros de sua administração, entrando na plenitude de seus
direitos exclusivos, entre os quais se inclui o de sagrar (2) os candidatos à
iniciação, à elevação, ou à exaltação.
Tão rígido é tal dispositivo, que, em uma
sessão à qual não esteja presente o Venerável Mestre, sendo, ela, portanto,
dirigida pelo 1º Vigilante, que não seja um Mestre Instalado, ele deverá, no
momento de sagrar o candidato, solicitar, a um Mestre Instalado presente, que o
faça, sem o que a cerimônia não poderá ter validade.
ORIGENS DAS ATRIBUIÇÕES LITÚRGICAS
A origem mais remota dessa prática está
na Cavalaria medieval, cujos integrantes, os cavaleiros, só podiam ser sagrados
por um rei, por um príncipe, ou por um alto dignitário eclesiástico. Estes,
para a sagração, colocavam a lâmina da espada sobre os ombros do candidato,
alternadamente (e terminavam, em alguns casos, com a acolada, que era uma
pancada no pescoço do candidato).
Apesar de alguns autores não admitirem
influência da Cavalaria, das Ordens Militares e dos Cruzados sobre a Maçonaria,
existe, na realidade, uma similaridade muito grande entre as práticas maçônicas
da instalação e as práticas dessas instituições, pois é claro que, embora não
se possa, de maneira alguma, ligar as origens da Maçonaria aos Cruzados, ou à
Cavalaria, influências desses agrupamentos podem existir em qualquer ramo do
conhecimento humano.
Na época do apogeu da Cavalaria, no decorrer do século XI,
ela possuía hierarquia, graus e brasões. As Cruzadas acabariam contribuindo
para o incremento do prestígio dos cavaleiros, dando, à sua atividade, um forte
cunho religioso, que se exteriorizava na promessa de defender a Igreja,
defender a cristandade e combater os infiéis, além do compromisso de fidelidade
ao senhor feudal, de proteção aos fracos, oprimidos, mulheres e órfãos, de respeito
à hierarquia e à disciplina e de combate à calúnia, à mentira e aos vícios.
A educação do cavaleiro começava na
infância e, depois de cuidadosamente preparado, ele prestava o serviço militar,
entre os 15 e os 21 anos de idade, primeiramente como pajem, atendendo ao
senhor feudal em todos os serviços domésticos do castelo, e, posteriormente,
como escudeiro, acompanhando ao seu senhor nas batalhas e lutando ao seu lado.
Aos 21 anos, então, o escudeiro era
armado cavaleiro, numa cerimônia à qual a Igreja imprimiu um profundo caráter
religioso. Para esta cerimônia, inicialmente, o candidato ficava encerrado,
durante toda a noite, na capela do castelo, orando e velando as armas; ao
romper da aurora, ele fazia a confissão, comungava e participava da missa, onde
o sermão principal destacava os deveres que ele assumiria, como cavaleiro.
Passava-se, em seguida, à cerimônia, realizada no pátio principal do castelo,
ocasião em que o cavaleiro era sagrado e armado, tendo, como padrinho, o senhor
com o qual aprendera a arte militar.
A ação da Igreja nessa cerimônia, na
época de apogeu da Cavalaria (séculos XI e XII), ainda é mostrada em outras
práticas: o sacerdote benzia a espada do cavaleiro e comunicava que ela sempre
deveria ser usada para servir à Igreja e defender os fracos, os oprimidos, as
viúvas, os órfãos e, de maneira geral, todos os servidores de Deus, contra “a
crueldade dos pagãos”. O cavaleiro era purificado, através de um banho
ritualístico, e recebia uma camisa de linho branco, como símbolo da pureza, e
uma túnica vermelha, como símbolo do sangue, que deveria ser vertido a serviço
de Deus.
Tais costumes mostram certa influência
sobre muitos costumes maçônicos — não se pode esquecer que a Franco-maçonaria
floresceu a sombra da Igreja — como a permanência na Câmara de Reflexão, a sua
purificação, a cor branca do avental e das luvas, a espada, a sagração, as
preleções, o juramento, o voto de defesa dos fracos e oprimidos.
Notas
1. Essa progressiva transformação
iniciou-se no século XVII, quando, com a decadência do estilo gótico — e a
concomitante ascensão do renascentista — as organizações de oficio começaram
também a entrar em decadência. E, para tentar sobreviver, resolveram aceitar,
em suas Lojas, homens não ligados à arte de construir e que, por isso, foram
chamados de Maçons Aceitos. O processo de aceitação desenvolveu-se durante todo
o século XVII, a ponto de, no final dele, o número de aceitos sobrepujar,
largamente, o de operativos, o que propiciaria, em 1717, a criação da primeira
Obediência maçônica da História, a Premier Grand Lodge, em Londres.
2. Sagrar, aí, tem o sentido de conferir
a dignidade do grau e não o de santificar, ou tornar sagrado, como muitos
pensam. É o mesmo com a sagração de templo: a cerimônia confere, ao local, a
dignidade de templo maçônico.
José Castellani
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