A Maçonaria foi e
ainda pode ser dividida dualmente de várias diferentes formas: Antigos e
Modernos, Graus Simbólicos e Graus Superiores, Regular e Irregular, etc. Mas
outra dualidade muito clara que se tem na Maçonaria e ainda é pouco observada,
dualidade essa presente em sua estrutura filosófica, está relacionada ao medo.
Existe muito claramente na Maçonaria Ritos cuja Iniciação é baseada no medo e
aqueles que não o são.
O que define um
maçom? O que difere um maçom de um não-maçom? A Iniciação. Sendo a Maçonaria
uma Escola Iniciática, é a cerimônia de Iniciação que promove a transformação
do indivíduo, de um não-maçom para um maçom. Mesmo aqueles que se afastam da
Maçonaria, voluntaria ou involuntariamente, continuam sendo maçons.
Podem ser chamados
de maçons adormecidos (saída voluntária) ou maçons excluídos (saída
involuntária), mas não deixam de serem maçons. Isso porque se considera que a
Iniciação é um ritual de renascimento, de passagem, que modifica moral e
espiritualmente o ser humano, não podendo jamais ser desfeito. Não há,
portanto, como “desiniciar” um maçom, voltando-o ao homem que era antes de ser
iniciado.
A iniciação pode
ser compreendida pelo mito da caverna de Platão. Após enxergar o mundo fora da
caverna, não há como voltar ao estado anterior daquela crença nas sombras e
ruídos. Não há volta. Assim como na alegoria, a iniciação age sobre a dualidade
entre a ignorância e o conhecimento. O ignorante, ao tomar conhecimento, deixa
de ser ignorante naquilo.
Mesmo que ele não
utilize do conhecimento adquirido, ele agora conhece e, portanto, não está mais
submerso na ignorância. Assim como não há retorno à caverna para o liberto, não
há retorno à escuridão da ignorância para o maçom. E com base nessa compreensão
ontológica, entende-se que existe o maçom e o não maçom, não havendo
possibilidade de existência de ex-maçom, meio-maçom ou semi-maçom.
Entretanto, a
Iniciação na Maçonaria, apesar de possuir um núcleo comum presente em todos os
ritos, é composta de diversos elementos que a diferem de um rito maçônico para
outro, elementos esses ligados à proposta, história, culturas e valores de cada
rito. E nos ritos que possuem o medo como um de seus princípios iniciáticos,
muitos desses elementos próprios refletem isso: os momentos pré-iniciação
promovidos tradicionalmente pelas Lojas; a câmara das reflexões, suas frases,
objetos e escuridão; os testes físicos durante a iniciação, com seus riscos
simbólicos; etc.
Essas iniciações
“amedrontadoras” são a base dos ritos que podemos chamar de “latinos”, os quais
sofreram forte influência de outras escolas iniciáticas, místicas e esotéricas.
Todos esses elementos presentes nesses Ritos, e que claramente não são heranças
da Maçonaria Operativa, servem para incutir no candidato o medo, testando sua
coragem e força de vontade. Muitos desses elementos têm simbolicamente caráter
eliminatório, ou seja, a reprovação pode acarretar na não iniciação do
candidato. Na verdade, são empréstimos feitos de outras Ordens, devidamente
modificados e “maçonificados” quando da construção de tais ritos.
Trata-se de algo
até de certa forma incoerente com a Maçonaria, uma fraternidade em que,
tradicionalmente, os candidatos são devidamente escolhidos, garantidos,
aprovados e convidados antes da Iniciação, estando ali de livre e espontânea
vontade deles e de todos os maçons presentes, não havendo motivo para
testá-los.
O único conteúdo
genuinamente maçônico que, de alguma forma, pode ser considerado como
relacionado ao medo são as penalidades, essas similarmente presentes em todos
os ritos. Porém, não se trata de uma vivência de medo, como nas situações
impostas nos ritos “latinos”, e sim da pura e simples ciência da existência de
uma penalidade simbólica no caso de infração. Em outras palavras, dá-se
conhecimento de um código de conduta a ser seguido e da penalidade simbólica
aos infratores. Esse é o único elemento que pode ser considerado relativamente
“amedrontador” nos ritos maçônicos anglo-saxões, como o York e o Schroeder, por
exemplo.
Para se ter uma
ideia da preocupação de algumas Grandes Lojas no mundo em realizar iniciações
em que reine a sensação de confiança, e não de medo, aproximando-se ainda mais
do espírito iniciático da Maçonaria Operativa, há alguns anos atrás a Grande
Loja Unida da Inglaterra tomou a iniciativa de, mais uma vez, modernizar seus
rituais, suprimindo tal trecho do juramento. Dessa forma, extinguiu-se dos
rituais ingleses qualquer passagem pela qual possa ser criada uma sensação de
medo no candidato.
De qualquer forma,
como registrado anteriormente, é aquele núcleo comum que torna a iniciação
verdadeiramente maçônica, distinguindo-a das demais iniciações. E como uma
sociedade de pensadores livres, os grupos maçônicos organizados e regulares
tiveram a liberdade de, na devida forma, construírem seus ritos, acrescentando
a eles os elementos condizentes com os valores e crenças que compartilhavam.
Resumindo, não há
rito bom e rito ruim, não há rito melhor que o outro, e sim constructos
diferentes sobre a mesma base maçônica. Cabe ao maçom, como um verdadeiro
pesquisador da verdade, compreender tais formações epistemológicas, optando por
aquela ou aquelas mais condizentes com suas crenças, seu modo de pensar, e
respeitando os princípios que as regem.
Com ou sem medo.
Kennyo Ismail ⋅
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