A admissão de um
aprendiz numa Loja operativa não era feita em privado; pelo contrário, envolvia
todos os obreiros. Feita à noite - depois de um dia de trabalho - envolvia um
ritual durante o qual era exposta ao aprendiz a história e importância da arte,
salientado o privilégio que era para ele ser admitido, e explicado o que dele
se esperava. A progressão de um artesão era, assim, uma cerimônia em que,
envergando os seus trajes e instrumentos de trabalho - nomeadamente o avental e
as luvas - para acolher no seu seio um novo membro, participavam quantos já por
ela haviam passado.
Para além da
transmissão de conhecimento tecnológico, era inculcado no recipiendários todo
um conjunto de ensinamentos históricos, religiosos, mitológicos e morais. A
utilidade e o âmbito desses ensinamentos, por sua vez, ultrapassava de longe o
do mero trabalho da pedra. Podemos compará-los - evidentemente, com alguma
latitude de conceito - aos ensinamentos de deontologia e ética que são, ainda
hoje, essenciais ao ingresso, por exemplo, nas Ordens dos Médicos ou dos
Advogados, mas com um espírito que os tempos modernos já perderam.
Na prática, estes
rituais - com uma grande componente mística - giravam em torno da leitura das
"old charges", episódios retirados da bíblia, da História, da lenda
ou do imaginário que descreviam a importância, ascendência e grandes feitos dos
construtores ao longo dos tempos, e mostrando serem eles os Mestres da
Geometria. Um dos mais antigos manuscritos das "old charges" que
persistiu até aos nossos dias remonta a 1588; encontra-se no museu da Grande
Loja Unida de Inglaterra, e consiste num rolo de papel com a altura de um homem
e um palmo de largura.
Mesmo no final do
século XVI dá-se na Escócia um evento essencial ao surgimento da maçonaria
moderna: William Schaw, funcionário da Coroa, leva a cabo a tarefa de regular o
funcionamento das lojas que, até então, eram completamente autônomas. Fá-lo
através de dois textos fundamentais, conhecidos pelos "Estatutos de
Schaw", dois textos legais aprovados pela Coroa da Escócia - um em 1598 e
o outro em 1599 - que, pela primeira vez, organizavam os pedreiros escoceses em
entidades chamadas "lojas" e os sujeitavam a obrigações administrativas.
Entre estas contava-se o pagamento de uma jóia para admissão nas lojas, a
formalização da estrutura das reuniões, e a obrigatoriedade de existir um
secretário que registrasse o sucedido em todas as reuniões - aquilo a que hoje
chamamos "atas" - o que permite que, por exemplo, a "Marys
Chapel Lodge" tenha registros ininterruptos das reuniões dos últimos mais
de 400 anos.
Ficava também
formalizado e regulado um antigo costume dos maçons operativos: o uso de senhas
e sinais secretos. De acordo com o nível de conhecimento que um maçon obtinha,
à medida que progredia na arte, era informado de certas palavras ou certos
sinais de reconhecimento. Agora, de acordo com os estatutos de Schaw, tomava
caráter obrigatório outro costume: a proibição de um Mestre dar trabalho a um
operário a não ser que este lhe desse a sua "chave": a palavra e/ou o
sinal que atestavam que estava capacitado a fazer determinado tipo de
trabalhos.
Curiosamente, os
Estatutos contemplam também um sistema de mnemônicas, de memorização.
Recorde-se que, não obstante a maior parte dos artesãos ser iletrada - não
sabiam nem ler nem escrever - era necessário que não esquecessem o que
aprendiam. Para esse efeito, era-lhes ensinado um sistema de memorização a que
os oradores do período Clássico recorriam para não esquecerem os leus longos
discursos.
Baseado na
visualização mental de um edifício com várias divisões, cada uma com vários
objetos, cada um dos quais se associava à idéia que se pretendia recordar,
consistia na deambulação mental pelo edifício evocando os símbolos em sucessão.
É deste método que vêm as "tábuas de traçar" ("tracing
boards") ainda hoje usadas em Loja.
A partir de certa
altura as lojas operativas terão aceite no seu seio pessoas que não trabalhavam
a pedra: nobres, burgueses, oficiais do exército, em suma, pessoas de estratos
sociais mais elevados, conhecidos por "gentlemen masons". Os
primeiros destes eram aristocratas com funções dentro do governo, e
responsáveis pela edificação de palácios, castelos e afins, pelo que havia com
os mesmos uma ligação laboral. Por um lado, essas pessoas buscavam o
conhecimento que era transmitido nas lojas, e que, por ser secreto, gerava
curiosidade, para além do prestígio que a sua nova qualidade de membros lhes
conferia.
Por outro lado, as
lojas, apesar de serem organizações conceituadas e prestigiosas, mais prestígio
ganhavam através do reconhecimento social destes seus novos membros. Estes,
durante a iniciação como aprendizes nas Lojas, recebiam, além dos segredos, o
avental e as luvas (uma vez que não dispunham dos seus próprios objetos de
trabalho), e era a última vez que eram vistos: apenas vinham por causa do
fascínio com os segredos, e não estavam propriamente interessados no convívio
com os trabalhadores.
A aura das lojas
operativas prolongou-se até ao tempo dos Tudor, altura em que os pedreiros
começaram a perder relevância em virtude do início do uso do tijolo, muito mais
barato do que a pedra, que levou ao progressivo abandono desta última, usada a
partir daí apenas nas partes mais nobres dos edifícios.
Foi assim que, pelo
início do século XVII já não havia em Londres lojas operativas em
funcionamento. Não fora a admissão dos "gentlemen masons" e as Lojas
ter-se-iam extinto de todo; contudo, à medida que o número destes foi
suplantando o de membros operativos, foi mudando o funcionamento e o propósito
das Lojas. Já não se dedicando à construção de edifícios de pedra, construíam
agora templos simbólicos em que cada um aparava e polia as suas próprias
asperezas de caráter no sentido de se tornar uma pessoa melhor, tomando com
base as regras morais da maçonaria operativa, e como símbolos os instrumentos
de trabalho desta bem como as mnemônicas que serviam para recordar as suas
lições tecnológicas.
Enquanto se
extinguia a Maçonaria Operativa, ia surgindo em seu lugar a Maçonaria
Especulativa.
Referências:
http://libcom.org/library/trade-guilds-initiation-through-work-andre-nataf
http://www.scottishkey.com/
http://libcom.org/library/trade-guilds-initiation-through-work-andre-nataf
http://www.scottishkey.com/
Contribuição do
Ir:.Paulo M.
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