Uma das ordens
profissionais mais poderosas na Idade Média era a dos pedreiros. Os
"mestres pedreiros" eram uma mistura dos atuais arquitetos e
engenheiros civis, dominando as vertentes técnica e estética; por produzirem
obras duradouras e imponentes, boa parte das quais de caráter religioso, eram
socialmente reconhecidos como servidores de Deus.
A construção de
grandes edifícios de pedra era multi-disciplinar, e implicava conhecimentos
avançados de física, mecânica e matemática para a concepção da estrutura, para
além do domínio da metalurgia, escultura, pintura e química para a
ornamentação, que por sua vez tinham motivos baseados no conhecimento da
história, da teologia e da mitologia. Congregava, por isso, as mentes mais
brilhantes da época, e eram detentores de "segredos" como o teorema
de Pitágoras, ou o desenho de certos ângulos e figuras geométricas a partir de
instrumentos simples como um fio e dois ou três pedaços de madeira.
Por essa razão, a par
dos estatutos - que eram públicos e regulavam a relação das corporações com a
sociedade envolvente – havia regulamentos que visavam a defesa dos segredos do
ofício e que, por não se pretenderem revelados, eram apenas oralmente
transmitidos de mestre para aprendiz ou de mestre para companheiro.
Porque a
maioria da população dessa época era analfabeta, essas técnicas, ao ser
transmitidas, eram "embelezadas" com histórias que constituíam
mnemónicas que pretendiam ajudar a que não esquecessem os passos da sua
execução. Por outro lado, estas "histórias" permitiam que as técnicas
fossem referidas simbolicamente entre quem as conhecesse sem revelar o seu
sentido oculto.
Não esqueçamos, ainda,
o contexto físico em que tudo isto se dava. Quando da construção de um grande
edifício, a primeira edificação a efetuar-se era um barraco onde os pedreiros
se abrigavam, comiam, dormiam, guardavam as ferramentas e passavam os tempos
livres - as "lojas". Ainda hoje este termo é usado em algumas regiões
do nosso país para designar o espaço térreo sob a zona habitacional, e onde se
guardam os animais e as alfaias agrícolas. Grupos de homens passavam aí juntos
meses a fio, e por vezes anos; por isso era importante minimizar-se os
conflitos, estabelecer uma hierarquia clara, e fomentar o espírito de grupo.
Ora, nada torna um
grupo mais coeso do que o estabelecimento de regras, costumes e valores
partilhados. Não é difícil imaginar a formação dos aprendizes orientada não só
para o aspeto prático do desempenho das funções como para o estreitamento
destes laços entre os que habitavam a mesma loja.
Por outro lado, numa
época em que as comunicações entre povoações mais longínquas podiam demorar
semanas ou meses, era comum o estabelecimento de meios de reconhecimento;
assim, quem chegasse a uma terra estranha e se dirigisse a alguém dizendo-se
enviado por fulano, podia simplesmente identificar-se revelando um segredo
apenas conhecido deste e do seu interlocutor. Deste modo, fazia parte dos
segredos de algumas associações de artesãos os meios pelos quais se poderiam
fazer reconhecer noutra terra ou perante um estranho que aparecesse.
Havia, por fim, outra
razão para que algumas das técnicas não fossem reveladas. Numa época de grande
superstição e ignorância, a simples aplicação de uma técnica científica podia
ser - e era-o frequentemente - interpretada como bruxaria ou invocação de
demônios.
Não será, de fato,
muito mais cômodo atribuir o sucesso alheio à ação de forças sobrenaturais do
que admitir o seu mérito e, eventualmente, a sua superioridade intelectual?
Para evitar "contratempos" dessa natureza é que muito do conhecimento
da época, especialmente o ligado à química e à matemática, era cuidadosamente
ocultado, não fosse confundido com artes de bruxaria ou adivinhação... Manter e
saber guardar um segredo era, assim, mais do que o mero cumprimento de um dever
ou a defesa do ganha-pão: era uma verdadeira "técnica de
sobrevivência".
Contribuição do
Ir:.Paulo M.
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