Chama-se "Idade das
Luzes" ao período que decorreu desde 1650 até 1780, aproximadamente. Nesse
período, as forças intelectuais e culturais na Europa Ocidental davam
preponderância à razão, à análise e ao individualismo, por oposição às linhas
tradicionais da autoridade.
Esta visão era promovida por
filósofos e pensadores nos círculos em que estes se movimentavam, como as coffeehouses,
que eram estabelecimentos comerciais onde se consumia café, chá e chocolate -
mas não bebidas alcoólicas - e onde se trocavam ideias desde as mais fúteis -
como a moda da época, os escândalos da semana ou a coscuvilhice do dia - a
outras mais elevadas - como as ciências naturais, as últimas descobertas e
invenções, e mesmo as mais recentes ideias e correntes da filosofia.
Estas novas ideias desafiavam
frontalmente a autoridade de instituições profundamente enraizadas no tecido
social, especialmente a Igreja Católica, e a possibilidade de reformar a
sociedade através da tolerância, ciência e ceticismo era tema permanente.
Muitas das ideias discutida, por porem em causa a autoridade da Igreja e da
Coroa, poderiam ser interpretadas como heresia, traição ou ambas. Era, assim,
essencial alguma discrição na sua discussão. Urgia encontrarem-se locais
discretos onde pudessem ser debatidas.
Numa altura em que o tijolo -
mais barato, fácil e rápido de produzir - tinha substituído a pedra quase na
sua totalidade, as lojas maçônicas operativas que nesta altura ainda existiam -
chamar-lhes-íamos hoje algo como "associações de construtores civis"
- seriam mais ou menos tão anacrônicas como as nossas atuais associações
desportivas e culturais de bairro, que só subsistem graças a um balcão de
"comes e bebes" cuja exploração suporta as despesas correntes e vai
adiando uma morte anunciada. Constituía, assim, local privilegiado de encontro
discreto de quem pretendesse encontrar-se em local menos exposto do que uma coffeehouse.
Havia, contudo, um obstáculo:
muitas eram de acesso reservado a membros. Os verdadeiros artífices da pedra já
quase não existiam, encontrando-se os seus filhos agora no seu lugar, dando
continuidade a antigos usos e costumes relacionados com a profissão, transmitindo
de geração em geração segredos centenários cujo propósito se perdera havia
muito e constituía a aura de certo mistério que era apenas transmitida a novos
membros.
As necessidades complementares
de uns e outros terão levado a que os pensadores fossem aceites como membros
das lojas maçônicas operativas.
Não havia, pelos primeiros,
qualquer interesse em perturbar o que já existia pelo que todos os antigos usos
se mantiveram. Porém, ao introduzir o debate filosófico e científico, os novos
membros terão acabado por conduzir os antigos grêmios a um rumo totalmente
distinto. Com o tempo, as ligações ao trabalho da pedra foram-se transformando
em meras referências simbólicas, e as ideias passaram a constituir aquilo que,
de fato, se trabalhava. Surgia a maçonaria especulativa e foi neste contexto
que, em 1717, foi fundada a Grande Loja Unida de Inglaterra - há quase 3
séculos, portanto.
Poderia dizer-se - e há quem
diga - que a maçonaria, surgindo por oposição a um status quo, é
"inimiga" das instituições que são contrárias aos princípios do
racionalismo, da dúvida metódica, ou da tolerância religiosa. É uma forma
falaciosa de colocar as coisas.
A maçonaria não confronta
religiões, antes defende ideias; não se foca nas instituições, mas antes no
indivíduo; mas, acima de tudo, longe de ser "contra" o que quer que
seja, é antes "a favor" de que cada um possa exercer a
liberdade de decidir o seu futuro, de escolher o seu lugar no mundo, e de
construir, no seu interior, a identidade que o faça mais feliz.
Num mundo em que a tolerância é
constantemente posta em causa, em que a autoridade militar, religiosa e econômica
se sobrepõe frequentemente, à autoridade moral, aos princípios e aos bens
maiores, e em que o pensamento é desvalorizado a favor da ação (tantas vezes
mal orientada...), a maçonaria continua constituir a egrégora emanante de
quantos acreditam que a existência humana não é "só isto" e que,
inconformados com o que são hoje, almejam a ser melhores - e aqui, cada um sabe
de si, e o que escolheu para se aperfeiçoar.
É esta, a meu ver, a ideia
basilar da maçonaria: a de que é possível - e desejável - a construção de uma
sociedade em que cada um, contribuindo com a sua diversidade no garante de que
a tolerância e o respeito mútuo serão princípios universais e reciprocados,
possa ser feliz à sua maneira. E isto continua a ser pertinente, hoje como há
três séculos.
Paulo M.
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